Em 1998, já
bilionário, Estevão elegeu-se senador, o primeiro da história a ser cassado,
sob a acusação de ter desviado 169 milhões de reais da obra do TRT de São
Paulo. Depois disso, foi condenado por corrupção e tornou-se o primeiro figurão
a ser preso após uma decisão de segunda instância. Após três anos em regime
fechado, o ex-senador, de 70 anos, está cumprindo pena em regime semiaberto, ou
seja, trabalha durante o dia e dorme na prisão. Nesta entrevista a VEJA,
concedida num escritório imobiliário no centro de Brasília, ele fala da rotina
na penitenciária da Papuda, onde conviveu com condenados da Lava-Jato e do
mensalão, explica de maneira crua como funciona a engrenagem da corrupção no
país, tece elogios ao ministro Sergio Moro e ainda confirma que reformou
clandestinamente o presídio a pedido de Márcio Thomaz Bastos (morto em 2014),
ex-ministro da Justiça.
Fui condenado a 25 anos de prisão por peculato, estelionato e corrupção. Estou cumprindo pena no regime semiaberto, o que me credencia a trabalhar todo dia. Saio da Papuda às 7 da manhã e volto às 21 horas. Durante o dia, de segunda a sábado, sou obrigado a ficar aqui na imobiliária. Vendo e alugo imóveis pessoalmente, oriento os corretores. Posso ver minha família a cada quinze dias, na chamada “saidinha”, que é quando o preso tem o direito de passar um fim de semana em casa. Essa situação deve perdurar até o fim de 2020, aí passo para o aberto. Pelo lado financeiro, meus bens continuam bloqueados pela Justiça, eu devia quase 800 milhões de reais do dinheiro que me acusam de ter desviado e me cobram uns 2 bilhões em impostos.
Empresários apanhados em casos de corrupção costumam se apresentar como vítimas de achaque…“O empresário não é vítima. Digamos que ele torce para ser vítima, torce para ser chamado para uma ‘conversinha’. Quando ele recebe o convite, sai soltando foguetes”
O empresário não é vítima. Digamos que ele torce para ser vítima, torce para ser chamado para uma “conversinha”. Quando recebe um convite para uma “conversinha”, ele não sai chorando da sala, sai soltando foguetes. Qualquer personagem do mundo da corrupção, não é episódico, aprendeu um modus vivendi, aprendeu uma maneira de ganhar dinheiro. Nesse submundo, não há inocentes. Quando surge uma obra, o cara do órgão público, que representa um político ou um grupo político, indica um operador. E aí se inicia um processo que não tem limites, em que todos passam a ganhar.
Como assim?
O tal operador aparece e diz que precisa de dinheiro para financiar campanhas políticas. Ou seja, arruma uma desculpa moral para a extorsão. Ele nunca diz que parte daquele dinheiro é também para comprar uma casa na Côte d’Azur ou em Miami. O empresário, por sua vez, argumenta que, para pagar a propina solicitada, tem de emitir nota fiscal, tem impostos a saldar e precisa criar toda uma estrutura para tirar a propina do caixa da empresa — e recebe o sinal verde para ajustar seus custos. Nesse momento, está rompido o equilíbrio que deveria existir entre contratante e contratado. O empresário e o agente público ficam do mesmo lado. Aí, meu amigo, o céu é o limite. Uma obra que deveria custar 50 pula para 80, 100, 120. Essa foi a regra durante muitos e muitos anos.
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Como é a rotina de um bilionário na cadeia?
O drama maior não é a perda de conforto. O drama é a privação da liberdade. Você dorme numa cama menos confortável, contorna o fato de ter de conviver 24 horas por dia com um grupo de pessoas com as quais não tem nenhuma afinidade, nunca tinha visto antes, e direciona seu foco para coisas produtivas, principalmente a leitura. Foi o que fiz nesses três anos: li muito, mais de 500 livros, e estudei muito.
Várias vezes se noticiou que o senhor tinha uma série de privilégios no presídio.
Nunca tive privilégio nenhum. O que há é o seguinte: eu tinha conhecimento dos meus direitos, e cobrava. Por exemplo, a Lei de Execução Penal diz que o preso tem direito a continuar exercendo suas atividades culturais uma vez que ele esteja na cadeia. Então, quis receber meus livros, quis receber visitas. Não há mordomias. A comida é a mesma quentinha de todos os presos. O máximo é fazer o que chamamos de um “melhorado”, adicionando um tempero, um molho, para dar um pouco mais de sabor. Para malhar, usava garrafas de produtos de limpeza: enchia de água, amarrava a ponta e improvisava como haltere.
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E quem pagou por essa obra? Eu apresentava as notas fiscais das despesas, e o ministro pessoalmente me reembolsava. Não gastei nada do meu bolso. Foi tudo pago pelo doutor Márcio, um total de 800 000 reais. Eu chegava lá no escritório dele em São Paulo, apresentava os comprovantes, e ele me pagava em dinheiro. Umas poucas vezes, o pagamento se deu por transferência bancária. Mas repito: a reforma não foi para mim. Se você me perguntar se em 2012, quando essa obra foi feita, eu esperava ser preso, a resposta é não.
Como foi a convivência na prisão com os condenados do mensalão e da Lava-Jato?“Depois da Lava-Jato, a roubalheira diminuiu muito, porque as pessoas agora têm medo da prisão. A corrupção passou a ser um caminho perigoso”
Conheci o Zé Dirceu (ex-ministro do governo Lula, condenado por corrupção), o Geddel (Vieira Lima, ex-ministro do governo Temer, condenado por corrupção), o Rocha Loures (ex-assessor do presidente Temer, acusado de corrupção) e outros. Eu e Zé Dirceu dividimos a mesma cela, dormimos na mesma cela, tivemos uma convivência extremamente boa. Ele não reclama de nada, não se queixa de nada, nunca o vi se lamentando, o que também é o meu perfil. Já o Geddel chorava muito. Aliás, não apenas ele. Estive com o Henrique Pizzolato (petista, condenado no mensalão), com o Ramon Hollerbach (publicitário, condenado no mensalão). Muitos deles enfrentaram situações de profunda depressão, a ponto de eu chegar e dizer: ‘Você não vai tomar remédio agora não. Seu remédio vai ficar comigo, e eu vou lhe dar todo dia a dose certa”. Com que autoridade eu fazia isso? Nenhuma. Mas pensava: “Esse cara um dia vai se matar”. Havia uma preocupação muito grande com a possibilidade de suicídio de alguns desses presos do mensalão e da Lava-Jato.
Há diferença entre um preso comum e um detento bilionário?
No geral, nenhuma. Fiquei 1 200 dias preso em regime fechado. É uma tragédia para qualquer pessoa. Fazia um risquinho no calendário todos os dias. Talvez a diferença seja que você recebe muitos pedidos e acaba se sensibilizando com a situação de precariedade de algumas pessoas. A reação natural é procurar ajudar. Então fui advertido: “Olha, isso aí pode configurar um problema, porque ninguém pode exercer o papel de liderança na cadeia”. Depois disso, a única coisa que fiz, e com a autorização da juíza, foi arrumar emprego para parentes de presos nas empresas da minha família.
Seu caso provocou a mudança de entendimento do Supremo, em 2016, sobre a possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância, que acabou revogada no ano passado.
Na época, achava que a decisão do STF foi um casuísmo para me prender. Hoje, vejo a prisão após a condenação em segunda instância como uma necessidade. Ao contrário do que se diz, ela não é maléfica para o réu. O índice de reforma de sentenças no STJ e no STF é muito pequeno. O réu fica na ilusão de que ele tem quatro instâncias, mas, na prática, só procrastina a execução da pena. Inexplicavelmente, o Supremo recuou no ano passado. Alguns ministros, provavelmente, perceberam que a prisão em segunda instância criava um cenário que não era do agrado deles.
MATÉRIA COMPLETA em VEJA
Publicado em VEJA, edição nº 2676 de 4 de março de 2020