Saiu a tão aguardada e previsível denúncia do procurador Janot contra
Temer. Repleta de contundência nos epítetos, com termos que beiram a
ofensa e achincalhe, a peça jurídica peca na essência das acusações: as
provas. Ou a falta delas.
Como espinha dorsal do processo está a tese de
que o presidente foi o beneficiário final ou solicitante dos
famigerados R$ 500 mil. Diz Janot em sua sustentação, sem deixar margem a
dúvidas, que o presidente “recebeu para si … por intermédio de Rodrigo
Santos da Rocha Loures, vantagem indevida de cerca de R$ 500 mil”. Em
mais de uma ocasião, desde o início do relatório, ele pontua essa
assertiva. Trata mais adiante do “montante espúrio de R$ 500 mil,
recebido por Rodrigo Loures para Michel Temer”. Não há qualquer
evidência concreta ou, como dizem os juristas, sinais de materialidade a
amparar essa proposição de corrupção passiva. Nenhum laudo bancário,
conexão financeira ou demonstração fiscal traça tal roteiro para o
dinheiro apreendido. Nem mesmo o parlamentar, levado preso depois de
carregar a mala com os recursos, se pronunciou nesse sentido – e mesmo
que o fizesse, não seria o bastante para, por si só, confirmar a
triangulação.
A falha no enunciado representa um motivo mais do que
suficiente para interromper o trâmite da ação. Configura o chamado vício
de origem, passível de repreensão e nulidade da causa em qualquer
corte. Surpreende que um procurador com tamanha bagagem e convicção de
entendimento tenha caído na armadilha pueril de não investigar a fundo
os fatos antes de emitir seu parecer. No meio jurídico já se forma um
espécie de consenso em torno da ideia de que o titular da PGR foi, no
mínimo, precipitado em suas alegações. Agiu com ligeireza e
superficialidade na análise para concluir, a toque de caixa, um processo
que normalmente demandaria até um ano de trabalho para a completa e
adequada formulação. O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos
Velloso, classificou como “inepta” a denúncia. Muitos outros concordam
com ele.
Serenidade e responsabilidade deveriam ser predicados
essenciais nesse momento. Mas andam escassos, ao menos em algumas rodas
dos poderes de Brasília e em parte da mídia. A manipulação de eventos e
circunstâncias, fora do devido ordenamento jurídico, só atende a
interesses oportunistas. A virulência das palavras que o procurador
Janot lançou ao mandatário (“…Temer ludibriou os cidadãos…”) não deixa
esconder um certo rancor. Entre seus pares comenta-se que ele nunca
engoliu a intenção de Temer de escolher com celeridade o seu substituto
na PGR – finalmente definido na semana passada na figura de Raquel
Dodge. Janot sonhava em ficar por mais uma temporada no cargo.
Assim
como Temer sonha em ficar onde está. A dança de cadeiras diz muito da
guerra travada entre os dois. Veio em resposta ao ímpeto de caçada do
procurador a reação, com certa ironia, do titular do Planalto quando
sugeriu que entrou em voga no País uma nova modalidade de inquérito
baseada na ilação. Não gratuitamente, a tese da ilação cabe como uma luva. No seu afã de
prejulgar, o procurador Janot – reconhecido e criticado no meio pela
forma afobada com a qual estrutura suas peças acusatórias (mesmo o
falecido ministro Teori Zavascki já havia manifestado queixas a
interlocutores nesse sentido) – fez uso de deduções vagas, intuitivas: a
amizade de Temer com o ex-parlamentar Loures, pilhado em flagrante
delito, e as conversas nada republicanas do presidente com o empresário
Joesley, que pagou a propina, levariam a crer, por uma, digamos, equação
transitiva direta, que Temer seria o elo entre as duas pontas, o real
receptador. Simples assim. A isso se chama ilação. E o presidente
resolveu dar o troco na mesma moeda.
Lembrou que um ex-integrante da
tropa de choque de Janot, o agora ex-procurador Marcelo Miller, deixou o
posto para trabalhar num escritório privado que atendeu Joesley na
montagem de sua delação premiada, recebendo milhões em troca do
trabalho. Logo, sugeriu Temer, Janot, que organizou todas as piruetas
das gravações clandestinas de Joesley, pode ter saído ganhando na cena.
Ambas as induções não param de pé. Sobram inconsistências de lado a lado
nesse pêndulo de ilações e não é possível inferir culpabilidade assim.
No processo contra Temer, colocada a lupa, a falta de solidez dos
argumentos está presente em várias etapas. Envolve até o diálogo no qual
o mandatário supostamente apoiaria a compra do silêncio do deputado
Eduardo Cunha – algo que a gravação não deixa claro para uma conclusão
definitiva. Mesmo com as incertezas se multiplicando, o procurador Janot
ainda fez uso de um último artifício, o fatiamento da denúncia para
manter o presidente sangrando por longo tempo. Nesse pormenor, as
motivações políticas estão escancaradas. O combate segue longe. Em
prejuízo do Brasil. [felizmente Janot a partir de setembro estará definitivamente afastado da vida pública - exceto se decidir se candidatar a presidente da República, haja vista que depois de Lula e Dilma, qualquer um pode ter tal pretensão ser mesmo exitoso.]
Fonte: Editorial - Isto É - Carlos José Marques
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sábado, 1 de julho de 2017
O pêndulo de ilações de Janot e Temer
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