Da enxurrada de novas revelações
sobre o petrolão e similares, salta aos olhos uma
questão politicamente delicada, mas cada vez mais incontornável: alguém pode acreditar de boa-fé que um
escândalo dessas proporções possa ter ocorrido, se
não com a participação direta e explícita, pelo menos com o tácito beneplácito
ou o conhecimento do fato por parte das mais altas autoridades da República,
a começar por quem chefia o Estado e o
governo? Assim não surpreende que, nos últimos dias, tenham se avolumado as referências de envolvimento direto ou
indireto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no escândalo do petrolão e,
agora, seja a presidente Dilma Rousseff que apareça no noticiário – que é mais policial que político.
Em matéria de escândalos, Lula
está escolado. Haja
vista o mensalão, que o tempo se encarregou de rebaixar a astro de grandeza
secundária numa constelação de atentados muito mais brilhantes à moralidade
pública. Na verdade, pode-se dizer que faz parte do charme populista do
ex-presidente seu estilo blasé no trato daquilo que a esquerda, por convicção
ideológica, e ele próprio, por conveniência, chamam depreciativamente de “moralidade burguesa”. De resto, o ex-presidente parece não se importar com a máxima que recomenda
considerar sempre com desconfiança quem
faz fortuna material na vida
pública.
Dilma Rousseff é caso
diferente.
Ela tinha razão quando afirmava
que não havia objetivamente nada a “embaçar”
sua reputação. Mas agora o noticiário
registra, a partir de informações constantes da delação premiada do notório
Nestor Cerveró, “que Fernando Collor
de Mello disse que havia falado com a presidente da República, Dilma Rousseff,
a qual teria dito que estavam à disposição de Fernando Collor de Mello a
presidência e todas as diretorias da BR Distribuidora”. Essa
garantia que o senador alagoano teria afirmado ter recebido de Dilma é coerente
com a anterior determinação do antecessor dela, Lula, de abrir as portas da BR
Distribuidora a Collor “em troca de apoio
político à base governista no Congresso Nacional”.
Essa referência ao acordo entre
Lula e Collor, quando o
primeiro cumpria seu segundo mandato presidencial, baseia-se em delação
premiada de Nestor Cerveró e consta da denúncia apresentada ao STF pelo
procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Essa denúncia tem como acusado o
deputado petista Vander Loubet (MS).
A suspeita em relação a Dilma
Rousseff, levantada pela delação do ex-diretor da Petrobras, tem, por enquanto, o mesmo valor daquela que atingiu o governo
do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a propósito da compra de uma petroleira argentina pela Petrobras.
São suspeitas que precisam ser devidamente investigadas e provadas. Governistas e petistas apressaram-se a reforçar a gravidade
da acusação a FHC. Pode-se fazer exatamente o mesmo sobre a acusação a
Dilma.
A
presidente da República afirmou a pessoas próximas, segundo o Globo, que seu antecessor
alagoano teria cometido um “exagero”
e feito uma “interpretação” da
conversa que tiveram, ao passar adiante a versão de que a presidência e a
diretoria da subsidiária da Petrobras teriam sido colocadas a sua disposição.
Pela “interpretação” de Collor, Dilma
teria apenas confirmado aquilo de que ele já dispunha desde o governo Lula, daí
ser razoável supor que a presidente teria preferido deixar as coisas como
estavam.
Como Dilma não nega a conversa
com Collor – apenas o “exagero” do senador –, está aí uma clara demonstração de que a
chefe do governo tinha conhecimento do fato de que um
pedaço importante da Petrobras, a BR Distribuidora, havia sido transformado em
feudo de um grupo político “aliado” do governo. Hoje está claro que
a empresa na qual Nestor Cerveró ganhou uma diretoria como reconhecimento dos
serviços prestados ao PT foi transformada numa usina de
ilicitudes, inclusive o desvio de recursos para as contas dos “donos” do
pedaço. Foi o preço pago pelo
lulopetismo para converter em aliado um dos inimigos que combateu com maior ferocidade nos tempos em que pregava a ética na política.
E Dilma não sabia de nada?
Fonte: Editorial - O Estado de São Paulo