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sexta-feira, 13 de julho de 2018

Politização da Justiça

Esse controle de vastas esferas de órgãos públicos produz sustos como o do domingo

Mais ou menos na mesma época em que o PT estava sendo fundado no Brasil os militantes de vários grupos de esquerda na então Alemanha Ocidental inventaram um nome bonito para a tática de abandonar as ruas, as passeatas, os protestos e deixar de ser oposição extraparlamentar para ganhar votos e entrar no parlamento. Chamava-se “a marcha através das instituições”. No Brasil o PT preferiu tomar conta delas, aparelhando-as e transformando o que deveriam ser instâncias do Estado em braços servindo ao partido.

Ao lado do submarxismo primitivo que dominou boa parte do mundo acadêmico e da “produção de ideias” (incluindo jornalismo) esse controle de vastas esferas de órgãos públicos produz sustos como o do domingo, quando um desembargador resolveu cumprir uma missão político-partidária para libertar o chefe do partido que virou seita.  Chegou há tempos ao STF, onde um ministro paralisa privatizações não só por se sentir contrariado em suas opiniões políticas, mas por acreditar que a Lava Jato é uma operação engendrada por serviços secretos de potências estrangeiras para roubar o pré-sal do Brasil.

Nem vale a pena examinar um absurdo desses (“debater um absurdo significa dar a ele um ar de legitimidade”, dizia Raymond Aron durante a Guerra Fria quando confrontado com quimeras inventadas por comunistas). Mas o absurdo do plantonista amigo que queria libertar Lula levanta duas questões de grande alcance:

a) até onde permanece intacto e obedecendo à direção de partidos o aparelhamento do Estado brasileiro?
b) em que medida o enfraquecimento, deterioração, solapamento, destruição das instituições – como o caso do Judiciário também, rachado pela política – é um fenômeno duradouro?

A “privatização” do Estado brasileiro, entendido como sua apropriação por entes privados (como o são partidos políticos) precede o PT, mas não é uma ocorrência uniforme. Algumas instâncias, sobretudo da área econômica, apresentam bolsões de eficiência e formas de conduta próximas ao que se chamaria de uma burocracia impessoal. Outras são aquilo que o Padre Vieira criticava em sermões já no século 17: cabides de emprego para inúteis – alguns mais, outros menos gananciosos. Sobre essa máquina diminui o controle ideológico que o PT exercia. Estamos indo de volta para uma situação na qual impera “apenas” o fisiologismo.

Quando figuras de peso como a presidente do STF ou o comandante do Exército afirmam – como fizeram recentemente – que as “instituições estão funcionando”, temos de considerar que eles não poderiam dizer outra coisa. Já pensaram Cármen Lúcia declarando “as instituições NÃO estão funcionando?” E aí, ministra, como é que fica? Ou o general Villas Boas afirmando “as instituições pararam de funcionar”. E o senhor, general, pensa em agir como? O fato é que a bizarra disputa entre togados no domingo é apenas o mais recente indicador de como progrediu, no Judiciário, a rachadura política.

Não é um fenômeno tão recente assim. Lembram-se de como o País parou, em janeiro de 2017, logo após o acidente que matou o então relator da Lava Jato, e todos esperavam o resultado de um sorteio? Se o sorteio indicasse um determinado ministro como relator da operação poderia-se esperar certa conduta frente à campanha anticorrupção. Em outras palavras, a conduta de órgãos de Estado dependia da sorte? O que aconteceu no domingo foi não só um truque aplicado por uma organização criminosa para livrar seu chefe, mas, pior que isso, o resultado da politização da Justiça.
Resumo de um domingo, como diz o juiz aposentado Wálter Maierovitch, da República de Bananas: o aparelhamento do Estado, apesar de maléfico, preocupa menos do que o esfrangalhamento das instituições.


William Waack


terça-feira, 10 de julho de 2018

O plantonista amigo

Além de ser incompetente para interferir no processo de Lula e de desrespeitar decisão prévia do STF, o desembargador Favreto afrontou, como poucas vezes se viu, o bom Direito

A tentativa de membros do PT de obter ilegalmente a soltura do seu cacique Lula da Silva evidenciou desespero e irresponsabilidade, além de completo menosprezo pelo Estado de Direito. Ao longo do domingo passado, os brasileiros observaram, atônitos, uma manobra canhestra que, não fossem a prudência da Polícia Federal, que não deu cumprimento a uma ordem manifestamente ilegal, e a prontidão de alguns membros do Judiciário, que afinal desfizeram os atos de um desembargador desatinado, poderia ter conduzido o País a uma confusão maior do que a já reinante.

Os três autores do pedido de habeas corpus, em seu açodamento, esqueceram-se de que o réu, noutro habeas corpus impetrado por terceiro, havia desautorizado “qualquer forma de representação judicial ou extrajudicial em seu nome, que não seja através de seus advogados legalmente constituídos para representá-lo e defender os seus interesses”. Não podiam, portanto, pedir a liberdade de Lula.  Mas o plano mequetrefe de soltar o ex-presidente petista, burlando o juiz natural do caso, foi adiante pois estava de plantão - grande coincidência, para quem acredita nisso - o desembargador Rogério Favreto. Com vínculos biográficos com o PT, ele teve o descaramento de expedir o ilegal alvará de soltura para Lula.

Como afirmou o presidente do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), Carlos Eduardo Thompson Flores, o desembargador plantonista não tinha competência para atuar no caso, pois não existia nenhum fato novo que pudesse, de alguma forma, justificar decisão de urgência. Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia concluído pela constitucionalidade da prisão de Lula. Após a condenação em segunda instância, não há impedimento para que o réu comece a cumprir a pena. Que um juiz petista, num domingo de manhã, pudesse desfazer tudo o que foi feito até aqui era um acinte à ordem institucional e a qualquer resquício de bom senso.  Sendo a ordem de soltura manifestamente ilegal - e para isso já havia alertado o juiz Sérgio Moro -, fizeram muito bem os agentes da Polícia Federal em averiguar se quem mandava soltar tinha, de fato e de direito, poderes para tanto. Cabe aos agentes da lei distinguir o que é ordem jurídica e o que é malandra carteirada, mesmo sendo de desembargador plantonista tentando soltar réu amigo.

Além de ser incompetente para interferir no processo de Lula e de desrespeitar decisão prévia do STF, o desembargador Favreto afrontou, como poucas vezes se viu, o bom Direito. Ao justificar a ordem de soltura de Lula da Silva pelo fato de o réu se apresentar como pré-candidato, o plantonista amigo do PT demonstrou a extensão de uma ignorância que só pode ser superada por má-fé. Em primeiro lugar, porque a tal pré-candidatura já é idosa. Em segundo lugar, porque pré-candidatura não é figura jurídica alguma e, se fosse, não constituiria motivo para a emissão de alvará de soltura para condenado que cumpre pena. Além disso, condenado em segunda instância por crime de corrupção não dispõe do exercício regular de seus direitos políticos, como determina a Lei da Ficha Limpa.

A manobra teve explícito caráter político. Nessa óptica enviesada, que faz troça da Justiça, os impetrantes do PT tentaram uma vez mais transformar o juiz Sérgio Moro no algoz de Lula. A burla, no entanto, é patética, sem apoio nos fatos. Como lembrou o Ministério Público, “não há ato ilegal que possa ser imputado ao Juízo da 13.ª Vara Federal de Curitiba, aqui apontado como coator, uma vez que o paciente está recolhido à prisão por determinação desse tribunal”. Novamente ficava explícita a ilegalidade da ordem do desembargador Favreto: um plantonista tentando monocraticamente reverter decisão colegial de seu próprio tribunal.

O golpe teve a exata dimensão moral, política e profissional de quem o engendrou: inábil, barulhento e incompetente. Frustrou-se diante da serenidade dos desembargadores Gebran Neto e Thompson Flores, que fizeram prevalecer o bom Direito. Em consequência, o sr. Lula da Silva continua preso. Ao contrário do que pretendiam os impetrantes do habeas corpus, o Poder Judiciário assegurou que as decisões judiciais são ainda cumpridas. Mas é preciso constante vigilância, pois sempre há aloprados dispostos a subverter o regime das leis.
 
Editorial - O Estado de S. Paulo