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terça-feira, 8 de novembro de 2016

A caminho da nova Constituição

Como não existem lideranças expressivas no Parlamento, nova ordem brotará certamente das ruas e das redes sociais


A monumental delação conjunta da empreiteira Odebrecht e a grave afirmação do próprio juiz Sérgio Moro, colocando em dúvida se o Brasil sobreviverá depois dela; a falência federativa com a gravíssima crise fiscal da União, dos estados e municípios; o iminente colapso dos sistemas previdenciário e de saúde pública são apenas alguns dos sintomas críticos do fim agônico desta nossa Nova República, inaugurada com a Constituição de 1988. Pode-se ainda acrescentar muitos outros, além do mais grave de todos: a nunca vista crise econômica com seus 12 milhões de desempregados e a retração inusitada dos negócios, com expressiva parte do PIB produtivo brasileiro atrás das grades e uma inadimplência sem precedentes nos bancos. É a chamada “tempestade perfeita” instalada no Brasil.

Os impasses históricos brasileiros, sem solução aparente na crônica, sempre tiveram como corolários os claros processos constituintes a desaguarem em novas cartas constitucionais. O primeiro foi gerado por nossa condição de matriz conferida pelo Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarves, com a mudança da Coroa portuguesa para cá e o atrito latente de Dom João VI com as Cortes de Lisboa. Advêm desse episódio da história a nossa Independência e a primeira Constituição de 1824. A crise subsequente da decadência do Império, ainda no século retrasado, pressionado pelo movimento abolicionista e pelos militares positivistas que conspiravam por uma nova ordem (e progresso), resultaram na Constituição Republicana de 1891.

Já no século passado, a crise geradora da Revolução Constitucionalista de 1932 que tem origem real na Revolução de 30 e no fim da política do Café com Leite, esta por sua vez com raízes na sucessão crescente de crises, resulta na Constituição de 1934, com o surgimento da Era Vargas. A crise seguinte seria a da Segunda Guerra Mundial, consolidando a liderança trabalhista de Getúlio e a Carta de 1937, a Polaca, de nítido viés fascistoide, implantando o Estado Novo no Brasil, muito influenciado pelo nazifascismo em ascensão. Mas a Constituição de 1937 foi, de todo modo, um marco de clara transformação política, colocando um ponto final na Segunda República e trazendo à luz nossa quarta Constituição. Surge o trabalhismo, com a CLT, grandemente influenciada pela Carta del Lavoro de Mussolini.
Com o fim da Segunda Guerra, a derrota do Eixo e do Estado Novo e com a aura democrática que varreu o continente a partir da América do Norte e da Europa, editamos nossa quinta Constituição em 1946, com novos partidos políticos, UDN, PTB, PSD e PCB (este logo em seguida proscrito, sob o governo Dutra), restaurando as liberdades individuais com nítida influência da Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU, já então em gestação. O golpe militar de 1964, apelidado pelos próprios interventores de Revolução Democrática, também esculpiu sua nova Carta, em 1967, a sexta Constituição brasileira, com a consolidação do bipartidarismo, logo emendada em 1969, quando absorveu o recrudescimento do Estado autoritário e atirou o país nos anos de chumbo até 1986 com a eleição da Constituinte congressual, que geraria a chamada Constituição Cidadã de 1988, vigente, a nossa sétima Carta. [ainda vigente e que não deve ser chamada de 'cidadã' e sim de absurda, haja vista ser a Constituição dos DIREITOS sem a contrapartida dos DEVERES.
As ruas e as redes sociais não tem  condições de fazer brotar uma nova Constituição - será gerado algo bem pior que a atual; o que resta é com base na ainda vigente Carta Magna, as Forças Armadas, a única instituição ainda coesa, proceda a uma Intervenção Militar Constitucional, e promulgue novo texto institucionalizando a Lei Maior.]

Embora a visão proporcionada pela lupa da crônica seja sempre um olhar míope e borrado se comparada à lente telescópica da História, já se percebe estarmos na antessala de uma dessas decisivas viradas constitucionais, com o impedimento, em 2016, da débil presidente, apoiada por uma frágil aliança, corrupta e decadente, e um projeto de poder ultrapassado, incompatíveis com os anseios de uma sociedade exigente e altamente mobilizada para a renovação na política e na economia. Por outro lado, a tibieza inusitada de uma representação popular altamente comprometida, aponta para a ruptura entre Estado e sociedade. É o fim do trabalhismo e seu sucedâneo, o lulopetismo de cooptação e favores antirrepublicanos, gestado ainda no útero do Estado autoritário de 1964 a 1984 como estratégia golberiana e maquiavélica de quebrar a unidade das esquerdas brasileiras.

A incisiva ação do Poder Judiciário, da Polícia Federal e de um Ministério Público independente, fruto da Constituição de 1988, preenchendo o vácuo de lideranças políticas confiáveis ou de golpes armados, é a novidade histórica a mobilizar o povo. O que estamos vivenciando é o claro fim de um ciclo: a agonia da Nova República, com seu descontrole partidário e administrativo, a infestação generalizada do fisiologismo legislativo de barganha escancarada e a corrupção disseminada por todo o aparelho do Estado, sem exceção.

Não resta mais a menor dúvida de que o poder constituinte originário, como nos demais exemplos históricos aludidos, surgirá fatalmente desse quadro insustentável, diante da inusitada contaminação antiética da política, do Congresso e, portanto, do poder constituinte derivado. E da inércia quase catatônica do presidente da República em convocar logo a nação, com bravura histórica. Como também não existem lideranças expressivas no Parlamento, essa nova ordem brotará certamente das ruas e das redes sociais, onde se encontram os talentos desta feita. Novas lideranças surgirão rapidamente dessas mobilizações sucessivas, com um novo ordenamento constitucional. Será historicamente inevitável. Poucos conheciam, em meados do século XX, as lideranças civis que fariam a sua história.

Estamos, nos umbrais da nossa oitava Constituição.
 
Por: Nelson Paes Leme, cientista político - O Globo