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terça-feira, 2 de janeiro de 2018

O ano da indefinição

A diferença técnica entre a eleição deste ano e a de 1989 é que a de agora será “casada”, isto é, estarão em jogo, além da Presidência da República, todos os governos estaduais, 2/3 do Senado e a totalidade da Câmara. Em 1989, disputava-se apenas a Presidência da República, numa eleição “solteira”, o que dava mais força às individualidades dos candidatos do que ao esquema partidário que os apoiava.

Há ainda uma diferença fundamental, como destacou o cientista político Bolívar Lamounier em entrevista à edição brasileira do “El País”: a mediocridade dos candidatos à vista. Na eleição que acabou elegendo Collor à Presidência, praticamente todas as grandes lideranças políticas do país estavam na disputa.  Collor acabou derrotando todos eles, numa disputa entre o populismo de direita que representava e o populismo de esquerda com Brizola e Lula, que terminou indo para o segundo turno. Hoje, pelas pesquisas de opinião, continuam polarizando a disputa presidencial os populismo de esquerda, na figura do ex-presidente Lula, e o de direita com o deputado federal Jair Bolsonaro.

O momento de decadência moral e crise econômica que vivemos é propício a candidatos populistas e radicais, e, além de não termos material humano, é por isso que está difícil surgir um candidato centrista que empolgue o eleitorado. O último exemplo que tivemos de um presidente eleito sem ser populista e derrotando um populista foi Fernando Henrique Cardoso, que venceu Lula duas vezes no primeiro turno. Mas o que o transformou em um candidato vencedor não foi seu estilo de fazer política, mas o Plano Real, que acabou com a hiperinflação e deu ao eleitor de todas as classes o alívio no bolso e o orgulho de ser brasileiro, diante do fato de que o real passou a valer mais do que o dólar. Nada mais popular do que permitir ao povo ter uma melhoria imediata de vida e uma moeda valorizada. Não foi à toa que o povo abanava cédulas de real nos comícios, festejando aquele identificado como seu criador.

Uma melhoria de vida tão imediata geralmente acontece com medidas populistas, como o Bolsa Família que alavancou o lulismo. Também o Plano Cruzado permitiu que o então grupo político do presidente Sarney vencesse as eleições em 1986 na maioria dos estados brasileiros, quando o PMDB elegeu quase todos os governadores, a maioria dos senadores e dos 260 deputados (53,3% da Câmara na época). Ao contrário do Plano Real, que cuidou também do equilíbrio fiscal, tanto que criou a Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000, o cruzado explodiu logo depois da vitória na eleição, pois o governo Sarney não quis fazer os ajustes necessários, mas impopulares.

Há um comentário registrado na História de que, num país tão desigual quanto o Brasil, Getulio sempre vencerá o Brigadeiro, referência às duas derrotas que Eduardo Gomes sofreu, uma para Dutra, candidato de Getulio, e outra para o próprio Getulio. Um dos desafios do presidente Michel Temer será chegar à eleição deste ano sem ser o grande alvo de todos os candidatos, como aconteceu com Sarney em 1989. Ele joga tudo na melhora da economia, com as pessoas sentindo o efeito no bolso, o desemprego menor, para ter um candidato que defenda o governo.

Alguns dizem até que ele mesmo pode ser o candidato, o que é muito mais difícil. Nada indica que a melhoria da economia, prevista pelos analistas, seja tão forte que transforme o governo impopular de Temer num ativo eleitoral capaz de neutralizar a ânsia da população por um presidente “salvador da pátria”, que Lula e Bolsonaro hoje representam, por razões distintas.  O ex-presidente promete a volta dos bons tempos de prosperidade, que nem foram tão prósperos assim, mas, diante do crescimento medíocre dos governos anteriores do PSDB e da catástrofe que foi o governo Dilma, parecem uma miragem. Mas, como toda miragem, esta promessa de “volta para o futuro” é apenas uma retórica populista. Já Bolsonaro, populista de direita, promete resolver a questão da Segurança Pública, uma praga de nossos tempos, se apresenta como um raro político não envolvido na Lava-Jato e alimenta a volta dos militares ao poder, desta vez por meio do voto popular, como se essa fosse a solução para nossos males.

O mais grave de tudo é que, a essa altura, não se sabe quem será mesmo candidato à Presidência. Dia 24 começa a se definir a situação de Lula. O PT, depois de uma batalha jurídica, terá de indicar outro candidato ou, menos provável, apoiar alguém já lançado, como Ciro Gomes do PDT. As pesquisas mostram que, com a saída de Lula, quem ganha mais é Marina Silva e o próprio Bolsonaro. Geraldo Alckmin terá de mostrar força nas pesquisas, com o risco de ser superado dentro do próprio partido por incapacidade eleitoral. Não é à toa que Luciano Huck parece querer voltar ao páreo. Até abril o cenário pode mudar, com a entrada de nomes como o do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa ou outro qualquer. [Joaquim Barbosa, o homem dos pré: pré-candidato a pré-candidato já entra derrotado.
 
Merval Pereira, jornalista - O Globo