Novo texto [em estudo] veda operações de garantia da lei e da ordem e é alternativa à proposta petista de mudar artigo 142 da Constituição
O governo Lula (PT) prepara uma alteração da legislação sobre o
emprego das Forças Armadas durante crises de segurança e ordem pública
ou de instabilidade institucional. A proposta elimina o atual modelo de
operações de garantia da lei e da ordem.
Embora nos últimos anos o recurso às chamadas GLOs tenha, na maioria
dos casos, buscado sanar problemas de segurança pública, os ataques
golpistas de 8 de janeiro e a distorção com viés político do artigo
constitucional que trata das atribuições das Forças Armadas nessas
operações levaram o Executivo a buscar uma resposta política.
Na prática, um modo de tentar limitar o poder dos militares em crises domésticas de toda ordem.
Pela proposta concebida pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, em
parceria com o titular da Defesa, José Múcio, não haveria mudanças no
artigo 142 da Constituição, que trata das competências das Forças
Armadas, mas na Lei Complementar que o regulamenta (nº 97, de 1999).
A intenção é criar no texto a possibilidade de as Forças Armadas
cooperarem eventualmente em crises de segurança e ordem pública sem que
seja necessário para isso a decretação de GLOs. A princípio, haveria mexidas nos artigos 15 (que trata do emprego das
Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes
constitucionais, da lei e da ordem) e 16 (sobre atribuição subsidiária
das Forças Armadas) da Lei Complementar de 1999.
A alteração teria de passar pelo Congresso, mas sem as exigências de
tramitação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição). Estuda-se a
possibilidade de mudanças correlatas serem feitas via decreto
presidencial. [um decreto presidencial não pode modificar Lei Complementar, nem lei ordinária e, por óbvio, não pode modificar a Constituição Federal.]
Não há apoio político no Congresso para alterar o próprio artigo 142
da Constituição, como propõe uma PEC do deputado federal Carlos
Zarattini (PT-SP). Para aprovar uma emenda constitucional são necessários três quintos
dos votos em dois turnos, tanto na Câmara quanto no Senado –no caso, uma
quimera, num Congresso de extração conservadora, com uma Câmara
presidida por Arthur Lira (PP-AL), que foi eleitor de Jair Bolsonaro.
Não há tampouco disposição do governo em comprar uma briga desse
porte com os militares, que são frontalmente contra a alteração do
artigo 142, em meio a outras prioridades do Planalto, sobretudo a agenda
econômica.
As movimentações do Executivo desidratam a PEC de Zarattini, anunciada em fevereiro como resposta aos ataques de 8 de janeiro. O artigo 142 da Constituição afirma que as Forças Armadas
“destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais
e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
A PEC de Zarattini, que condensou proposta convergente do colega
Alencar Santana (PT-SP), propõe retirar do texto constitucional a
competência dos militares de garantir os poderes constitucionais e a lei
e a ordem. Para além do escopo amplo, tais atribuições foram distorcidas nos
últimos anos por bolsonaristas para sustentar que as Forças Armadas
poderiam atuar como “poder moderador” em crises institucionais –uma
interpretação já repelida pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Congresso
Nacional. [só que o ministro Dias Toffoli em palestra realizada em 2022 no exterior, declarou ser o STF o Poder Moderador - a ideia não foi contestada pelo STF nem pelo Congresso Nacional.]
O entendimento de Zarattini e de boa parte do PT é que a atual
redação –que de resto é parecida com a de todas as Constituições
republicanas– abre brechas para intervenção indevida dos militares em
temas civis, algo que se tornou mais palpável com a politização das
Forças Armadas promovida no governo Bolsonaro.
Pela proposta, o artigo alterado diria apenas que as Forças Armadas
“destinam-se a assegurar a independência e a soberania do país e a
integridade do seu território”. Para que a PEC comece a tramitar na Câmara, são necessárias 171
assinaturas. Zarattini ainda não as tem e retomou a tarefa de reuni-las a
partir desta semana, no reinício dos trabalhos da Casa após o recesso.
A tarefa é árdua. Embora o presidente da CCJ (Comissão de
Constituição e Justiça) seja o petista Rui Falcão, favorável à proposta,
é improvável que ela prospere, mesmo se alcançadas as assinaturas
necessárias.
A oposição é maioria na CCJ. E, caso aprovada ali, seria preciso que
Lira instalasse a comissão especial necessária para analisar PECs e
depois pautasse sua votação em plenário.
Zarattini reconhece as dificuldades. Considera que no começo da
legislatura teria sido menos custosa a missão e que o governo tem
agendas mais imediatas no Congresso. “Para um projeto efetivamente ser colocado em discussão na CCJ e
progredir, depende de um momento político mais favorável”, afirmou no
começo de junho.
A divulgação do conteúdo das mensagens do tenente-coronel Mauro Cid,
ajudante de ordens de Bolsonaro durante sua Presidência, com mensagens
de militares falando sobre um golpe para impedir a posse de Lula, deu
novo ânimo ao deputado. Zarattini busca forçar o governo a se mexer no tema e, mesmo se vier a
desistir da PEC, gostaria de emplacar parte do conteúdo da proposta –o
texto determina ainda que, para ocupar cargos de natureza civil,
militares devem ir automaticamente para a reserva.
O deputado diz que também incluirá na PEC um dispositivo, semelhante
ao desenhado pelo governo, criando a possibilidade de convocar as Forças
Armadas em caso de crises de segurança e ordem pública. Ele está em contato com comandantes militares, com Múcio e outros
atores envolvidos no debate da mudança da legislação relativa aos
fardados –que envolve outras propostas.
Uma delas, de Múcio com apoio dos comandantes das Forças Armadas,
obriga militares que se candidatem em eleições a ir automaticamente para
a reserva ou inatividade, o mesmo ocorrendo com o oficial que quiser
assumir um ministério. Tanto o titular da Defesa quanto os comandantes são contrários à
mudanças no artigo 142 e também consideram desnecessária a proibição de
GLOs que está sendo desenhada, mas Múcio concedeu aos argumentos de Lula
e Dino de que seria preciso fazer algo.
Ao mesmo tempo, o ministro Alexandre Padilha (Relações
Institucionais) cogita a possibilidade de tentar aprovar o texto
anterior a todos os outros, de uma PEC de 2021 que já está na CCJ, de
autoria da ex-deputada Perpétua Almeida (PC do B-AC), hoje diretora da
Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, que acrescenta ao
artigo 37 da Constituição um inciso proibindo militares da ativa de
ocuparem cargos de natureza civil na administração pública.
De volta ao governo após mais de seis anos na oposição, o PT se
debate entre buscar enfim a subordinação dos militares ao poder civil e
não criar crises com a caserna.
Numa resolução publicada após a última reunião do Diretório Nacional,
em 10 de julho, o tema foi tangenciado. Uma breve menção cobra “punição
severa” aos golpistas de 8 de janeiro, “seus financiadores,
estimuladores civis e militares”.
Durante a reunião, o historiador Valter Pomar, integrante do
diretório, propôs uma emenda ao texto afirmando que “não se poderá falar
em democracia plena no Brasil enquanto persistir a tutela militar” e
convocando uma conferência nacional para debater a política de Defesa
Nacional e o papel das Forças. A emenda foi rejeitada pela maioria do
colegiado.
Em seu blog, em meio a críticas a Múcio e ao que vê como incúria do
governo no tema, Pomar se queixou: “O fato de o Diretório Nacional não
querer debater o assunto e não querer aprovar a emenda citada
anteriormente não impede que o debate exista, muito menos faz a tutela
desaparecer”.
Ainda que à esquerda da direção partidária, Pomar está longe de ser
voz isolada no PT no tema. Ao longo dos últimos anos, seguidas
resoluções do partido cobraram um enfrentamento à chamada “tutela
militar”.[qual o valor de uma resolução do Diretório Nacional do PERDA TOTAL = pt - em tema desta importância? Nos parece que = 3 x 0.]