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quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Temer e sua órbita de fantasias


Há gafes e gafes, a história das saboneteiras ofendeu agentes do Estado e iludiu a boa fé do público

Michel Temer deve um pedido de desculpas aos servidores públicos que batalham no combate ao trabalho escravo. Numa entrevista ao repórter Fernando Rodrigues, ele disse o seguinte: “O ministro do Trabalho me trouxe aqui alguns autos de infração que me impressionaram. Um deles, por exemplo, diz que se você não tiver a saboneteira no lugar certo significa trabalho escravo.”

Se uma empresa foi autuada só por isso, a arbitrariedade foi gritante, e o argumento usado pelo presidente da República justificaria uma revisão das normas existentes. A história era bem outra. Em 2011, a construtora MRV sofreu 44 autos de infração pelas condições de seus operários num canteiro de obras em Americana (SP). A empresa atrasava salários e retinha carteiras de trabalho (golpe velho). Nos seus alojamentos faltavam colchões e água potável. Sem saboneteiras, os banheiros eram inadequados.
O caso foi para a Justiça, a MRV foi condenada a pagar uma indenização de R$ 10 milhões por danos morais e em 2014 fez um acordo, pagando R$ 2 milhões. O que foi apresentado pelo presidente como prova de um absurdo era justamente o contrário, uma demonstração de que a fiscalização punia maus empresários. O acordo assinado pela MRV coroava a eficácia da legislação. Dias depois, perguntado sobre o caso, Temer justificou-se, lembrando que as informações lhe haviam sido dadas pelo seu ministro do Trabalho.
Quando o repórter Ricardo Mendonça lembrou-lhe que havia outras outras infrações no processo, esquivou-se: “Ah, aí eu não sei.” Trapalhadas acontecem, e às vezes são produzidas por assessores ou ministros. Winston Churchill sentou-se a uma mesa de almoço com o filósofo Isaiah Berlin, supondo que ele era o compositor Irving Berlin.
Em outros casos, são apenas produto da distração. Temer estava na Noruega quando anunciou que ia se encontrar com o rei da Suécia, Ronald Reagan estava em Brasília quando saudou “o povo da Bolívia”, e Lula disse que Napoleão foi à China.
As chamadas “gafes” de Temer são de dois tipos. Umas são chatas, porém banais. Outras, como a da saboneteira, traem um propósito e sugerem que o presidente tem uma propensão para construir convenientes realidades paralelas. No capítulo das banalidades desastrosas estão as falas em que associou a relevância das mulheres à capacidade que elas têm de acompanhar os preços nos supermercados, ou quando ele se encontrou com o governador Pezão, restabelecido de um tratamento quimioterápico, e disse: “Você está até mais bonito, acabou sendo uma coisa útil”.
A segunda família das “gafes” tem a ver com a capacidade dos poderosos de dizer o que querem, confiando na credulidade de quem os ouve. Ele ainda era vice-presidente e cabalava a deposição de Dilma Rousseff quando foi ao ar um áudio no qual apresentava um programa de governo. Explicou que foi um acidente. Vá lá. No discurso de posse lembrou-se de que num posto de gasolina havia uma faixa dizendo: “Não pense em crise, trabalhe”. O posto Doninha fechara havia anos.
Temer pode acreditar no que quiser, mas a Presidência da República pede que nela esteja uma pessoa em quem se acredita. “Ah, aí eu não sei” é coisa de vendedor de pomada milagrosa.


Fonte: Elio Gaspari, jornalista - O Globo