Um dos pilares do Estado Democrático de Direito é o princípio da igualdade, que assegura que todos são iguais perante a lei
Um dos pilares do Estado Democrático de Direito é o princípio da igualdade, que assegura que todos são iguais perante a lei. Não há castas e não deve haver privilégios. A Constituição de 1988 abre o capítulo relativo aos direitos e garantias fundamentais com a seguinte declaração: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (art. 5º). [lamentavelmente, o artigo 5º - aquele famoso por conceder dezenas de direitos sem a contrapartida de estabelecer deveres e que começou a ser desrespeitado quando se criou o sistema de cotas raciais, que estabeleceu a desigualdade entre iguais e oficializou o racismo às avessas.]
Tal princípio, que parece tão cristalino e tão consensual quando está exposto na Carta Magna, recebe, no entanto, forte resistência no dia a dia. Um exemplo de enfrentamento são os inúmeros projetos de lei que tentam instaurar algum privilégio para determinada categoria social ou profissional. Existem pelo menos 112 projetos de lei tramitando no Congresso ou em Assembleias Legislativas que preveem a isenção, parcial ou total, da tarifa do pedágio em rodovias federais ou estaduais concedidas à iniciativa privada, informa o jornal Valor Econômico.
Os casos são variados. No Paraná, há um projeto de lei para isentar estudantes do pagamento de pedágio. Em Santa Catarina, tenta-se conceder isenção aos condutores com mais de 60 anos. Em Mato Grosso, há um projeto de lei que prevê desconto de 50% no pedágio para os agricultores familiares. Em dezembro de 2017, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou isenção completa de pedágio nas rodovias estaduais para professores, dentistas, médicos, enfermeiros e fisioterapeutas que trabalham na rede pública. O projeto de lei foi enviado para exame do governador Geraldo Alckmin.
Depois de passar pela Câmara, tramita no Senado um projeto de lei, de autoria do deputado Esperidião Amin (PP-SC), que estabelece gratuidade a todos os veículos registrados em nome de quem mora ou trabalha no município em que o pedágio é cobrado. Se o tal projeto for aprovado, romperá com o equilíbrio econômico-financeiro de muitos contratos de concessão de rodovias. Essa situação evidencia como as pretendidas isenções prejudicam os usuários. As gratuidades e os descontos concedidos ao longo do contrato ensejam pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro pelas concessionárias. Dessa forma, leis que parecem preocupadas com alguns usuários acarretam aumento da tarifa para todos os outros que não desfrutam do privilégio. O resultado é claro: quanto menos pessoas pagam, o valor para quem paga é cada vez maior.
É preciso resistir à pressão para conceder exceções. Além de encarecer o valor pago pela maioria dos usuários, esse tipo de privilégio camufla o custo real do serviço prestado. Tal desconexão com a realidade tem inquietantes consequências sociais, já que fomenta a equivocada percepção de que as gratuidades não têm custo. Esse fenômeno é também uma perversão do processo legislativo. Há um perigoso populismo quando os representantes eleitos, em vez de trabalharem pelos interesses de toda a população, buscam benesses para um determinado segmento social, à custa da coletividade. Numa democracia, a dependência que os políticos têm do apoio popular deve levar justamente a uma maior responsabilidade pelo interesse público, e não se tornar um manancial de privilégios para alguns poucos.
A rigor, as exceções afrontam as próprias categorias que recebem o benefício, uma vez que são tratadas como hipossuficientes. É o que ocorre, por exemplo, com os professores. Em vez de pagar salários adequados, opta-se por criar uma série de favores, numa espécie de recompensa indireta. Na prática, reforça-se o estigma de que os docentes estão na base da pirâmide social, necessitados de esmolas do poder público. O reconhecimento que os professores merecem é exatamente o oposto. Além de pouco justo, o caminho das benesses não constrói desenvolvimento econômico e social. É preciso reafirmar a igualdade, a transparência e a eficiência como princípios básicos da atuação do Estado.
Opinião - O Estado de S. Paulo