Antropólogo diz que modelo de segurança não atende às expectativas da sociedade
A realidade do Rio de Janeiro não deixa a mínima dúvida de que o modelo
de segurança pública, praticado nos últimos 35 anos, não atende às
expectativas de uma sociedade que quer viver com o mínimo de segurança.
Governos foram sucessivamente eleitos com promessas de aumento de
efetivo, compra de viaturas e de armamento e, recentemente, apostaram na
mobilização de efetivos policiais, ocupação territorial e megaoperações
para resolver problemas tão complexos que, na verdade, têm o mesmo
efeito de um remédio para dor causada por uma doença terminal. A
população, naturalmente avessa à violência, reivindica providências, mas
se posiciona radicalmente contra qualquer procedimento que resulte em
morte, dano material e moral, e interferência na rotina diária da
cidade. Queremos tudo resolvido sem estardalhaços, danos e mortes.
Nunca faltaram especialistas, ao longo desse tempo, que
apontam para a necessidade de melhoria da qualidade técnica do policial,
por melhor seleção, treinamento, remuneração e condições de trabalho.
Também assinalam a necessidade do uso de estratégias e táticas mais
eficientes no policiamento ostensivo, do aumento da capacidade de
elucidação de crimes e da reestruturação do sistema carcerário,
tornando-o mais humano. Reivindicações justas e pertinentes, mas
solenemente ignoradas pelo poder público, pela simples razão de não
obedecer aos programas político-eleitorais dos partidos e de suas
excelências do Executivo e do Legislativo, que se limitam a propor
soluções em discursos efusivos e convincentes nas campanhas, pois todas
essas medidas, para serem implantadas e começarem a produzir resultados,
ultrapassam o tempo de um mandato eleitoral.
Mesmo que todas essas medidas fossem adotadas, acredito que
não seriam suficientes, pois, após um tempo, sucumbiriam ao sistema.
Estamos em um ponto no qual a demanda é maior do que a capacidade de
atendê-la, o que pode significar o colapso da estrutura, caso nada seja
feito. O Sistema de Justiça Criminal, responsável pelas ações que
impactam a segurança pública, é fundamentado na Constituição Federal, na
Lei Penal e Processual Penal e em todas as leis que compõem o
ordenamento jurídico que deveria regular as relações, proteger pessoas e
garantir o bem comum. Ficamos com a impressão de que as leis não
atendem à finalidade de proteger o cidadão de bem, nem pela dissuasão de
cometer crimes, nem pela sanção eficaz, quando a norma é violada. O que
vemos é a criação de um salvo-conduto para menores protagonistas de
atos antissociais, que acabam sendo usados, estrategicamente, por
criminosos maiores de idade; uma série de direitos para quem comete o
delito, diminuindo o tempo de encarceramento, permitindo a progressão de
regime e remunerando o apenado pelo pouco que ficar encarcerado, além
de outros benefícios.
Assim, quem quer cometer um delito encontra muitas
oportunidades, pela falta da efetiva presença policial, muito ocupada em
operações contra o narcotráfico, mas, se for preso em flagrante,
dificilmente ficará preso, pois em Audiência de Custódia poderá ter a
prisão anulada ou responder em liberdade, voltando às ruas para, talvez,
procurar um trabalho de carteira assinada. Sem flagrante, terá a grande
possibilidade de não ser identificado, pela baixa capacidade de
elucidação dos crimes, caso seja aberto um inquérito policial, mas, se
for, terá uma série de justas garantias legais para provar que não é
culpado, o que pode significar não ser inocente. Sobretudo, a lei parece
não ter a mínima capacidade de evitar o crime pela falta de rigor da
pena aplicada, mas, se for, não cumprirá a integralidade da pena, talvez
um sexto dela e parte em regime aberto, quando estará trabalhando,
talvez com carteira assinada. Não podemos esquecer que muitos
legisladores figuram em inquéritos policiais e acabam por usufruir dos
benefícios que eles mesmos criaram.
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