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sábado, 6 de janeiro de 2018

(In)Segurança pública


A constante utilização das Forças Armadas para a garantia da segurança pública em diversos Estados vem provocando grande debate interno, e a tendência é que, a exemplo do que vai acontecer no programa do Rio de Janeiro, uma atenção especial seja dada à modernização e treinamento das forças de segurança locais para evitar que as Forças Armadas tenham que intervir com tanta constância nos Estados.

Recentemente, o general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, usou sua conta no Twitter para reclamar do constante emprego de militares em operações de Garantia da Lei e da Ordem(GLO). Usou como exemplo a mobilização do Exército para atuar na segurança pública no Rio Grande do Norte, onde as Forças Armadas foram usadas três vezes num espaço de 18 meses.

Também o ministro da Defesa, Raul Jungman, que está envolvido no planejamento da atuação das Forças Armadas no Rio de Janeiro, prorrogada até o final deste ano, considera que, para reduzir a frequência com que as Forças Armadas são requisitadas para ajudar a manter a ordem nos Estados, “(...) é necessário que corpos profissionais de segurança sejam melhorados para preservação da ordem pública, da segurança das pessoas e do patrimônio público, atuando também em situações de emergência e calamidades públicas”.

Jungman, em recente artigo sobre o tema, sugeriu que uma saída seria “a ampliação da Força Nacional de Segurança Pública com mais e melhores recursos”. Sugeriu também “(...) outras medidas que garantam a presença do Estado em todas as comunidades, sobretudo na área social, a fim de apoiar o contínuo trabalho das forças de segurança e o pleno exercício da cidadania”.

 Esse parece ser o objetivo de longo prazo, aperfeiçoar as forças de seguranças locais para que não necessitem o apoio das Forças Armadas. O manifesto público dos governadores pedindo a atuação do governo federal num plano nacional de segurança é exemplar da urgência que o tema ganhou nos anos recentes, quando a questão da segurança pública passou a ser uma questão de segurança nacional, já não é uma questão isolada de estados.

Em todos os estados há quadrilhas organizadas que se intercomunicam e dominam os presídios, com características muito semelhantes. São quadrilhas de traficantes, e não mais bandidos individuais, que estão tomando conta dos territórios. Um plano nacional de segurança é fundamental para fazer um combate organizado, com funções específicas para as Forças Armadas, como controle de entrada de armamentos e drogas.

O plano de segurança integrado das Forças Armadas com as administrações estaduais, como o que está sendo planejado para o Rio de Janeiro, deveria ser nacional e levado a outros estados.  A atuação das Forças Armadas no Rio será feita com um programa mais estruturante, envolvendo a reorganização dos esquemas de segurança pública como os que são responsáveis pelos presídios, a modernização e treinamento das polícias civil e militar, o aperfeiçoamento das corregedorias, para fiscalizar e punir os agentes públicos cooptados pelo crime organizado, e patrulhamento das fronteiras.

Outros estados deveriam participar também desta tentativa de integrar as Forças Armadas com as de segurança, num projeto nacional. Nos últimos anos, a criação de um posto de comando hierárquico elevado na estrutura do governo para tratar do assunto foi sempre um tema presente, e em 1997 o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou a Secretaria Nacional de Segurança Pública, mas ligada ao Ministério da Justiça.

No governo petista que começou em 2003, houve a sugestão de que esse secretário ficasse ligado diretamente à Presidência da República, e foi escolhido o antropólogo Luiz Eduardo Soares. Mas questões políticas impediram essa mudança de hierarquia do cargo. O ministro da Justiça à época, Márcio Thomaz Bastos, não queria perder o controle dessa função crítica, e o ministro-chefe da Casa Civil na época, José Dirceu, tinha discordâncias políticas com Soares e convenceu Lula de que não deveria ligar sua figura presidencial a tema tão delicado politicamente.

O fato é que o combate ao crime organizado não pode ser responsabilidade exclusiva dos estados, como teimam os que interpretam restritivamente a Constituição. Narcotráfico e tráfico de armas são crimes federais, transnacionais. Nada impede que o governo federal assuma a responsabilidade de coordenar as ações para a defesa da Segurança Pública, muito menos restringe a ação do governo federal no combate aos crimes transnacionais.

Até que um grande programa nacional esteja implantado, com a reorganização das forças de seguranças estaduais, com o controle dos presídios pelas autoridades locais uma Força Nacional de Segurança Pública permanente e bem treinada esteja em ação, e as Forças Armadas atuando nas fronteiras de maneira eficiente para coibir o tráfico de armas e drogas como questão de segurança nacional, teremos que conviver com a frequente requisição das Forças Armadas para ajudar na segurança pública dos Estados. Leva tempo e custa dinheiro, muito dinheiro.  


Merval Pereira - O Globo