Há
um erro de base, que pode ser simbolizado numa frase: ‘gasto de custeio é vida’
Imaginem a situação de um médico legista diante de
um corpo crivado de balas e que é questionado pelo promotor: “Qual foi
o tiro fatal?”
É a mesma situação quando se
pergunta: qual foi o erro
fatal da presidente Dilma Rousseff? A economia brasileira foi
atingida de tantas maneiras que se chegou a um quadro inédito: recessão com inflação;
preços subindo mesmo com juros elevados; e contas públicas exauridas.
Não se chegaria a isto sem uma
sequência de equívocos. Mas há um erro de base, que pode ser simbolizado numa frase: “gasto de custeio é
vida”. Foi o que disse Dilma, ainda ministra do governo Lula, quando
ajudou a enterrar um plano de longo prazo de controle das contas públicas.
Como o
governo vinha realizando superávits desde o final dos anos 1990, havia espaço
para acelerar o gasto. Mas a presidente conseguiu em
apenas três anos sair de um superávit primário (receita menos despesa antes do pagamento de juros) de R$ 129 bilhões para um déficit de R$ 32 bi.
Desse erro básico resultaram as
pedaladas. A um
determinado momento, o dinheiro arrecadado com impostos
já não era suficiente. A presidente partiu então
para tomar empréstimos, primeiro legalmente,
depois se financiando nos bancos públicos, violando regras sagradas da
Responsabilidade Fiscal.
O
quadro se completou com as desonerações de impostos concedidos a determinados
setores, escolhidos entre os amigos da casa. Em vez de reduzir impostos para
toda a atividade econômica, o movimento foi elevar para
todos e aliviar para alguns. Havia uma suposta lógica: com carga
tributária menor, aqueles setores investiriam mais. Ocorre que não fizeram as
contas e o resultado foi queda de receita, sem investimentos.
Fechou-se o grande erro: mais gasto, menos receita, déficit anual,
crescimento da dívida e da conta de juros. Só o déficit primário chegou a R$ 142 bilhões em
12 meses acumulados até março último.
O segundo erro fatal foi a
redução dos juros, em 2012,
quando o Banco Central fixou a taxa básica em 7,25% ao ano — a mais baixa da história recente. E isso quando a inflação rodava no teto da margem de
tolerância — em torno dos 6,5% ao
ano. O governo fez exatamente o contrário do que determinava o regime de
metas.
De novo,
foi um erro conceitual. Baseava-se na falsa ideia de
que os juros eram altos porque os banqueiros queriam — como aliás a
presidente alardeou na sua campanha de 2014. Os juros eram altos, como são, porque tem inflação e muito déficit
público. Tentou-se combater a inflação do modo mais equivocado: mantendo o dólar baratinho, barateando importados e
dificultando a vida da indústria local. Em
meio a essas intervenções em pontos chaves da macroeconomia — juros e câmbio —, o governo Dilma aplicou controles sobre dois preços básicos: gasolina/diesel e energia elétrica.
A
Petrobras foi obrigada, durante anos, a
importar combustível caro e vender barato aqui dentro. Só nos quatro anos
do primeiro governo Dilma, estima-se que a estatal acumulou um prejuízo de R$
55 bilhões. Nesse mesmo período, a companhia
foi jogada num plano de investimentos megalomaníaco: quatro refinarias, dezenas de navios,
plataformas e sondas, negócios em setores fora de sua área.
Sem caixa, a Petrobras
endividou-se, até chegar ao ponto atual: sem fôlego, cancela investimentos e negócios,
arrasta a indústria de óleo e gás, tem que vender ativos em um momento ruim. E isso sem contar a corrupção. Ainda em 2012, ano da plena aplicação
da “nova matriz econômica”, a presidente Dilma
impôs uma redução de 12% na tarifa de energia elétrica. Isso num
momento em que o custo da energia estava em alta, já sob ameaça da seca.
No mesmo
momento, a presidente aplicou uma reestruturação do setor — o que veio a quebrar a Eletrobrás e impor prejuízos
generalizados para geradoras e distribuidoras.
De início, o governo tentou salvar o setor arranjando
empréstimos. Depois, dado o tamanho do
prejuízo, e uma vez tendo passado as eleições, veio o tarifaço. No primeiro
semestre de 2015, as tarifas subiram em média 50%. Em algumas regiões, quase
dobraram.
Por trás
de tudo, a concepção clássica de uma
esquerda latino-americana. O governo faz tudo: gasta diretamente ou por
meio das estatais; seleciona os setores privados que terão financiamento
subsidiado; controla os preços básicos; manipula as variáveis macro, juros e
câmbio.
Eis os quatro erros fatais.
A produção caiu, os
brasileiros ficaram mais pobres.
Fonte: Carlos Alberto Sardenberg – O Globo