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quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Uma estrela que se apaga


Quem ainda aguenta ouvir falar da presidente afastada Dilma Rousseff? Talvez somente ela mesma, e os 81 senadores que começarão a julgá-la por crime de responsabilidade a partir do próximo dia 25. Quanto a esses, só por obrigação. Contam os dias que faltam para mudar de assunto. A carta que Dilma escreveu aos senadores, e que divulgou ontem, é a prova definitiva de que ela nada mais tem a dizer de novo aos seus juízes e aos brasileiros. Nem em defesa do seu mandato, prestes a ser cassado. Nem em defesa do que fez ou deixou de fazer no seu período presidencial de cinco anos. Vejamos:
"Na jornada para me defender do impeachment me aproximei mais do povo, tive oportunidade de ouvir seu reconhecimento, de receber seu carinho. Ouvi também críticas duras ao meu governo, a erros que foram cometidos e a medidas e políticas que não foram adotadas. Acolho essas críticas com humildade e determinação para que possamos construir um novo caminho".

(A falsa humilde não cita um só erro que tenha cometido. Não apresenta uma só ideia capaz de iluminar o que ela chama de “novo caminho”.)
"Quem afasta o presidente pelo 'conjunto da obra' é o povo e, só o povo, nas eleições. Por isso, afirmamos que, se consumado o impeachment sem crime de responsabilidade, teríamos um golpe de Estado".

(Havia uma dezena de referências ao “golpe” no original da carta. Restaram duas referências apenas. Dilma só oferece uma opção aos senadores que a julgarão: absolvê-la. Do contrário merecerão ser chamados de “golpistas”. Por tabela, igualmente de “golpista” merecerá ser chamado o presidente do Supremo Tribunal Federal, que comanda a fase final do impeachment.)
"Os atos que pratiquei foram atos legais, atos necessários, atos de governo. Atos idênticos foram executados pelos presidentes que me antecederam. Não era crime na época deles, e também não é crime agora".

(Em pelo menos três ocasiões até aqui, os senadores reconheceram que os atos cometidos por Dilma, e pelos quais será julgada, configuram crime, sim senhor. Dilma perdeu todas as ações que impetrou na Justiça para abortar o processo de impeachment.)
"Jamais se encontrará na minha vida registro de desonestidade, covardia ou traição. Ao contrário dos que deram início a este processo injusto e ilegal, não tenho contas secretas no exterior, nunca desviei um único centavo do patrimônio público para meu enriquecimento pessoal ou de terceiros e não recebi propina de ninguém".

(Dilma não será julgada por desonestidade, covardia ou traição. Mas por ter gasto muito além do que o Congresso autorizara. Isso configura crime de responsabilidade, segundo a Constituição. No futuro, poderá ser julgada por ter tentado obstruir a Justiça e até por corrupção, a depender do que ainda está sendo investigado pela Lava-Jato.)  "A restauração plena da democracia requer que a população decida qual é o melhor caminho para ampliar a governabilidade e aperfeiçoar o sistema político eleitoral brasileiro".

(O parágrafo acima tem a ver com a proposta feita por Dilma de realização de um plebiscito para que os brasileiros decidam se querem antecipar a próxima eleição presidencial. Ela também propôs uma reforma política. A ideia da reforma é velha. Ela falou em reforma muitas vezes e nunca a levou adiante. Quanto a antecipação da eleição presidencial de 2018, nem o Congresso concorda nem mesmo o PT.)
"A vida me ensinou o sentido mais profundo da esperança. Resisti ao cárcere e à tortura. Gostaria de não ter que resistir à fraude e à mais infame injustiça”. (...) "Quem deve decidir o futuro do país é o nosso povo. A democracia deve vencer".

(Aí está o cerne da narrativa que Dilma tenta construir para passar à História: a guerrilheira urbana que lutou contra a ditadura, que foi presa e torturada, foi também eleita presidente duas vezes e acabou derrubada vítima de um golpe infame. Dilma acha que o país lhe deve os sofrimentos que passou no cárcere. Dilma será deposta pelos muitos erros que cometeu. O que ela chama de “golpe” tem o nome de impeachment na Constituição.)


Fonte: Ricardo Noblat – O Globo