O que você prefere, trabalhar 49 anos e se aposentar aos 65 ou retirar-se aos 50 anos com pensão integral
É verdade que está cada vez mais difícil colocar um político à
esquerda ou à direita. Mas, quando se diz que a francesa Marine Le Pen é
de extrema-direita, ninguém estranha. Pois então, ao se lançar
oficialmente candidata à Presidência, Le Pen colocou em sua plataforma a
redução da idade mínima de aposentadoria.
Já no Brasil, todos os partidos e organizações que se dizem de
esquerda estão em campanha contra a “reforma direitista e golpista” do
governo Temer que pretende aumentar a idade de aposentadoria para 65
anos. E aí, quem está mesmo à esquerda ou à direita? Nem tentem responder. Não será por aí que se classificarão as
forças políticas. Essas reformas, que visam a equilibrar o gasto público
e dar mais dinamismo à economia — a capitalista, claro —, dependem de
visão de longo prazo e de líderes capazes de criar ou de aproveitar a
oportunidade histórica de fazê-las.
Não é fácil liderar essas mudanças que só produzem efeitos a longo
prazo. Pensando no imediato, não há dúvida: o que você prefere,
trabalhar 49 anos e se aposentar aos 65 ou retirar-se aos 50 anos com
pensão integral? Para os trabalhadores que já estão no mercado há algum tempo, a
coisa é ainda mais delicada. O cidadão achava que ia se aposentar em
cinco anos e vai ter que encarar mais dez.
É por isso que essas mudanças em geral ocorrem quando o país está
em crise, e as pessoas entendem que, bem, do jeito que está não dá para
ficar. Ainda assim, é preciso que uma liderança saiba aproveitar a
oportunidade.Na edição em que trata da eleição francesa, a revista “The
Economist” fez uma comparação exemplar. Em 2002, registrou, Alemanha e
França tinham renda per capita equivalente. Naquele ano, o esquerdista
Gerhard Schröder, do Partido Social Democrata, iniciou um programa de
reformas de modo a recuperar a ameaçada competitividade da economia
alemã. Na França, Jacques Chirac, da direita, falou em reformas, mas
recuou diante das dificuldades políticas.
Hoje, o poder de compra dos alemães é 17% superior ao dos
franceses. Os custos trabalhistas caíram na Alemanha e subiram na
França. Assim, o desemprego, que era parecido nos dois países, caiu para
4% na Alemanha e permaneceu nos 10% na França, sendo de 25% entre os
jovens de menos de 25 anos. Chirac não fez as reformas porque cedeu à pressão da esquerda, dos
sindicatos e dos populistas, para sustentar a “proteção e os direitos
sociais dos trabalhadores”. Resultado concreto, 15 anos depois, observa
“The Economist”: uma geração de jovens franceses cresceu à margem do
famosamente protegido mercado de trabalho nacional.
Não há no Brasil de hoje uma liderança sequer parecida com a de
Schröder dos anos 2000. Não apenas ele entendeu a necessidade das
reformas como convenceu seu partido, alguns sindicatos, tradicionalmente
ligados à social-democracia, e os eleitores. Fernando Henrique Cardoso foi um líder assim nos anos 90. Vindo da
esquerda, emplacou um programa de reformas liberais que mudou a cara do
país e criou bases para o crescimento.
Mas, reparem: Schröder perdeu as eleições seguintes, e Lula ganhou atacando o “neoliberalismo” de FHC.
Hoje, se não temos um outro FHC, temos uma situação econômica tão
ruim que cria a oportunidade para as reformas. Aliás, essas reformas
necessárias hoje são, no essencial, as mesmas da era FHC e do primeiro
mandato de Lula e que foram destruídas pelo próprio Lula e,
especialmente, por Dilma. Trata-se de refazer o ajuste das contas
públicas (com o teto de gastos, a reforma da Previdência e a recuperação
fiscal dos Estados); dar mais competitividade ao ambiente de negócios
(mudanças na lei trabalhista, terceirização e simplificação tributária) e
trazer mais capital privado, com as privatizações.
O presidente Temer e o ministro Meirelles têm procurado aproveitar a
circunstância. Seu discurso: ou saem as reformas já ou o país não
retoma o crescimento e quebra mais à frente, quando o ajuste será feito
da pior maneira possível. É o que têm de fazer. O problema é a crise da representação
política. Mas, de todo modo, há um ponto interessante: Temer só salva
seu governo se fizer as reformas. Precisa convencer disso os outros
políticos.