Tem muito capitalismo de amigos mundo afora. Na América Latina então... Nisso o Brasil está na frente: só aqui tem Lava-Jato
De Marcelo Odebrecht, em depoimento ao juiz Sérgio Moro, tal como está gravado:
"Essa questão de eu ser um grande doador, de eu ter esse valor, no
fundo, é o que? É também abrir portas.... Toda relação empresarial com
um político infelizmente era assim, especialmente quando se podia
financiar. Os empresários iam pedir. Por mais que eles pedissem pleitos
legítimos - investimentos, obras, geração de empregos - no fundo, tudo
que você pedia, sendo legítimo ou não, gerava uma expectativa de
retorno. Então, quanto maior a agenda que eu levava, mais criava
expectativa de que eu iria doar tanto".
Eis uma demonstração prática do "capitalismo de amigos". Não por
acaso, o codinome de Lula na contabilidade de propinas da Odebrecht era
"Amigo", segundo informou o próprio Marcelo. Nesse tipo de sistema não importa se o "pleito" é legítimo ou não.
Pleito, entende-se pelo conjunto da delação, é o projeto de uma obra,
aqui ou no exterior, ou um financiamento em banco público ou uma
vantagem "legal" para a empresa - uma legislação que a beneficie, por
exemplo.
Num regime capitalista competitivo, se fosse tudo legítimo, como
Marcelo Odebrecht diz ser sua agenda, não haveria necessidade de um
"pleito" ao governo, aos políticos que o controlam. Já no capitalismo de
amigos, o "pleito" é indispensável, primeiro porque quase tudo depende
do governo - de concessão de obras a financiamentos. Segundo, porque os
políticos armavam o balcão de negócios dada a necessidade de arrumar
doadores para as campanhas eleitorais.
Reparem que a defesa de muitos dos acusados vai mais ou menos
assim: qual o problema? Era um projeto legítimo, bom para o Brasil, e
depois o empresário fazia uma doação para a campanha, às vezes no caixa
dois, certo, mas apenas um pequeno deslize.
Errado, claro. A necessidade de pleito legítimo abre a possibilidade dos
ilegítimos. E com isso, desaparece a diferença entre o legítimo e o
ilegítimo. Se tudo precisava ser um pleito aprovado pelo governo, por
que empresas e políticos se limitariam aos projetos legais e bons para o
país?
Por exemplo: se uma obra tem uma restrição ambiental, era mais
fácil resolver o problema com um pleito em Brasília do que com um
projeto técnico. Construir plataformas para a Petrobras? Um bom pleito e boas
contrapartidas levariam a diretoria da estatal a fazer as necessárias
encomendas. Um financiamento para obras em Angola? Melhor falar com quem tem
poder sobre o banco público do que batalhar o crédito no mercado,
digamos, normal.
E, finalmente, se o conjunto pleito/doação resolve, por que limitar o preço da obra? Uns bilhões a mais, quem vai notar? E há um outro efeito nessa história toda. Mais do que eliminar a
diferença entre o legítimo e o ilegítimo, entre o bom projeto e o
roubado, esse capitalismo dos amigos transforma tudo em corrupção,
traição e safadeza. Por exemplo: a empresa apresenta ao ministro o pleito de um
financiamento no BNDES. O ministro diz ok e manda a empresa seguir com a
agenda, que é apresentar a proposta formalmente no banco.
Digamos que os técnicos do banco aprovem, tecnicamente. O ministro
vai dizer isso ao empreiteiro ou vai assumir a paternidade e, pois, as
doações? Isso coloca todo mundo sob suspeita, desmoraliza toda a ação
pública. Não é de admirar que as pesquisas mostrem o desprezo da
população por tudo que se aproxima de governo, políticos e grandes
empresas. Tem mais. Como, no final, tudo que sem ser feito em segredo, em
departamentos especiais, enfim, num imenso caixa dois, a esperteza corre
solta. Podem apostar: deve estar rolando briga feia entre clientes da
Odebrecht. Imaginem a bronca: quer dizer que era só um milhão, é? E onde
estão os outros três que o Marcelo delatou?
Tudo considerado, está aí uma das principais causas da baixa
produtividade da economia brasileira. Vale o pleito, não eficiência. E por aí se vê o feito inédito da Lava Jato. Desmontou a velha tese
do "rouba mas faz" que, na versão moderna, apareceu como "pleito
legítimo/doações de campanha".
O tiro fatal foi quando o pessoal de Curitiba sustentou - e o STF
aceitou - que mesmo os recursos do caixa um, formalmente declarados,
podiam ser e frequente eram ilegais, propina - tudo resultante de um
sistema econômico e político que distribuía dinheiro público para os
amigos em geral. Tem muito capitalismo de amigos pelo mundo afora. Na América
Latina, então... Nisso, pelo menos, o Brasil está na frente. Só aqui tem
Lava Jato.