Os
políticos ejetados enfrentam um problema sem solução: em consequência das investigações
que provocaram um abalo termonuclear na corrupção nacional, há todo um país que
vai sendo desmontado
Há certas
coisas que continuam mais ou menos como eram 2.500 anos atrás, ou algo parecido. Dos tempos da Grécia antiga nos vem,
por exemplo, a história de Diógenes, o filósofo da escola cínica que andava
pelas ruas de Atenas carregando uma lanterna em plena luz do dia. Quando alguém
lhe perguntava “para que isso,
Diógenes?”, ele respondia “para ver
se eu encontro um homem honesto em Atenas”. Troque-se a Atenas de
Diógenes pela Brasília de hoje e não vai ser preciso muito tempo para concluir
que as dificuldades da vida pública não mudaram grande coisa de lá para cá.
É claro que havia muita
gente honesta na Grécia, como há muita gente honesta no Brasil. Mas o filósofo, com sua
lanterna, estava apenas dando um aviso sobre as realidades da política —
particularmente sobre o problemaço que é encontrar pessoas honestas em
quantidade suficiente para construir uma vida pública de qualidade superior.
Falta gente, eis aí a imensa complicação — ou melhor, falta gente que seja ao
mesmo tempo impecável do ponto de vista ético e disposta a entrar de corpo e alma
nas ásperas necessidades da política como ela é. No terremoto que vem
devastando a existência dos políticos brasileiros há mais de um ano, e que
começou a se formar muito antes disso, está cada vez mais claro que o país vive
uma extrema escassez de justos. Onde
estão?
O nome anunciado para substituí-lo no cargo também faz parte dos grupos de risco. Outros, por suspeitas diversas, nem chegaram a ser nomeados. Outros tantos, ainda, vivem diariamente na expectativa de ser formalmente acusados de algum delito — para não falar de todos os que já foram denunciados, encontram-se sob investigação judicial ou estão sendo processados. É óbvio que há muitos homens perfeitamente íntegros no presente governo, e é óbvio que há um abismo de diferenças, em termos de moral comum, entre os governantes que acabam de entrar e os que acabam de sair. Mas é igualmente óbvio que não existe a segurança ética que deveria existir, num momento em que a paciência do Brasil com acusações de má conduta é mínima e a morte política virou mal súbito.
Isso tudo parece provar que as coisas vão muito mal, como nos tempos de Diógenes, e realmente vão. Ao mesmo tempo, podem estar indo melhor do que jamais foram. Aconteça o que acontecer, há no Brasil um fenômeno historicamente inédito e que se chama Operação Lava Jato. Em consequência direta de suas investigações e do abalo termonuclear que causou na corrupção nacional, até há pouco dada como invencível, todo um Brasil velho está morrendo, como morreram um dia o Império Romano, a colonização da África e o comunismo na Rússia — não há volta possível para nada disso.
O ministro Jucá foi ejetado do governo e devolvido ao Senado Federal por causa de gravações em que aparece tentando esfriar a fornalha da Lava Jato. Não apenas foi um erro fatal — ele estava tentando fazer algo impossível. É este, na verdade, o problema sem solução para os políticos do país que está sendo desmontado — os de agora e, mais ainda, os que foram despejados. Nem eles, nem os tribunais mais supremos, nem as organizações mais poderosas têm hoje condições de “parar a Lava Jato”. Há um outro país aí.
Publicado na revista EXAME – J. R. Guzzo