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domingo, 19 de abril de 2020

Nordeste aposta na ciência como arma - Míriam Leitão

O Globo

Em duas entrevistas concedidas esta semana ao Edição das 10 da Globonews, Nicolelis falou com entusiasmo sobre o trabalho e com lucidez sobre o tamanho do risco que está diante de nós neste momento:
Esta é uma guerra biológica, uma guerra multidimensional, híbrida, diferente de todas as tradicionais. O front da guerra muda constantemente. E você tem que ter a habilidade de se mover no tempo do vírus. É um inimigo centrado em atingir seu objetivo, que é sobreviver às nossas custas. E nós deveríamos estar centrados no objetivo de eliminar essa invasão a qualquer custo.

Uma das poucas informações que se tinha sobre o vírus, a de que ele no calor não teria o mesmo desempenho, está se revelando falsa diante do que acontece no Norte e no Nordeste do Brasil. Por isso, só o aprofundamento dos estudos em todas as áreas pode nos trazer respostas. – Na realidade, havia a hipótese de alguns pesquisadores americanos, que tinham essa esperança de que ele não prosperaria da mesma forma em clima quente. Isso não está tendo confirmação. O colapso de Manaus é muito assustador. No Nordeste, o número de mortes com síndromes respiratórias agudas graves é impressionante.

Nicolelis acha que o primeiro passo para vencer esta guerra é conhecer o inimigo:
– Para isso a ciência tem que ser colocada em primeiro plano. Tem que ser reconhecida como uma arma mais poderosa que a humanidade tem para sair da defensiva e armar o contra-ataque. Todas as vezes que os políticos bateram de frente com a biologia, a biologia ganhou de goleada. É preciso reconhecer o estado de guerra. Neste momento os países não estão pensando em ajuste fiscal. É preciso jogar tudo na saúde e na busca de respostas. Como é o inimigo? Como ele nos ataca? Quais são as melhores formas de proteger a população? Para fazer isso tem que ter mensagem clara, tem que ter um estado maior, um comando centralizado. Visão macroscópica. A ciência nos ajuda a pensar o multidimensional.

Ele contou que a revista “The Lancet” publicou um estudo na última semana que lhe tirou o sono com a informação de que o vírus sobrevive por 30 dias nas fezes das pessoas infectadas, depois que elas não têm mais o vírus nas vias respiratórias. Isso num país sem saneamento seria uma tragédia sem precedentes. Precisa ser confirmado com mais pesquisas.

Outro problema apontado por ele é que no Brasil há agora a tempestade perfeita. O surto cresce exatamente na sazonalidade das outras gripes, como influenza.
A “Science” publicou que não vai ser uma onda só. Vão ser múltiplas ondas e ainda não temos vacina. A discussão sobre quando sair da quarentena é prematura. O Brasil não tem essa perspectiva clara, até julho. O distanciamento social agora é vital. É o que vamos apresentar para os governadores. Os modelos matemáticos mostram que o distanciamento achata a curva agora e ajuda a diminuir a curva que virá.
Nicolelis disse que eles criaram uma ferramenta digital, o Monitora Covid-19. Se uma pessoa digita no seu telefone o que está sentindo, isso é visto na sala de situação. E eles podem direcionar as pessoas e separar casos graves de leves:

– É integração de tecnologia, conhecimento médico e ação no campo, na trincheira.

O comitê iniciou um trabalho com base na pesquisa do professor Rafael Raimundo, da Universidade Federal da Paraíba. Será acompanhar o potencial do espalhamento do vírus pela malha rodoviária do Nordeste. A técnica foi usada para estudar o avanço da dengue e ganhou repercussão internacional.
Para Nicolelis agora é preciso ter um comando claro:
– Não se ganha uma guerra sem estado maior. Não se subestima o inimigo. É assim que se perdem as guerras. Ainda dá tempo para salvar a maior parte das pessoas, mas é preciso dizer que a prioridade é salvar vidas. A economia a gente revive depois.

[Nenhum governador pode exercer este comando - surgirão fogueiras de vaidades, ações contraditórias e quem sairá ganhando é o vírus.
A Constituição Federal de 1988, tão respeitada é clara quando distribui as obrigações de cada ente federativo e de cada um dos Poderes da República.
Ou será que a Carta Magna só prevalece quando dispões o que pode ser interpretado contra o Poder Executivo Federal?

Míriam Leitão, jornalista - Jornal O Globo - Com Alvaro Gribel, de São Paulo