Sistema político e econômico não funciona sem a propina, sem o acerto com o governo, com algum governo
Por 60 reais você compra uma espécie de licença para distribuir
panfletos de propaganda nos semáforos de São Paulo. Você paga ao fiscal e
a outras autoridades para se livrar do cumprimento da Lei Cidade Limpa,
em vigor há dez anos. Com a prática desses anos todos - a prática de
descumprir, claro - consolidou-se uma tabela.
Deu na CBN, em reportagem exclusiva: para distribuir
panfleto, por um dia, preço de 60 a 100 reais, variando conforme o
bairro e, pois, o valor do prédio a ser oferecido, por exemplo. Colocar
um cavalete: de 110 a 160 reais. Uma faixa grande é mais cara. Pode sair
por 200 reais por dia. Como se vê, o mercado funciona. A propina tabelada existe desde que a lei foi aprovada,
atravessou esses anos todos e seguiu firme mesmo durante esse amplo e
profundo processo de combate à corrupção.
E não deveria ter? Olhando assim de fora, a gente imagina que sim. "Caramba,
se estão pegando os grandes lá na Lava Jato, vão pegar os pequenos aqui"
- é razoável supor que um "vendedor" de panfletos pensasse assim e
resolvesse se recolher. Mas não, a "máfia da cidade limpa", como está sendo chamada, continuou na ativa. Logo, devem ter pensado o contrário. Algo assim: "Estão
atrás dos grandes, dos milhões, não vão se incomodar com os nossos
trocados".
Em qualquer caso, ficamos sabendo, de novo, que a
corrupção organizada, tabelada e praticada diariamente no setor público,
do federal ao municipal, vai do bilhão ao sessentinha. Cobra-se a propina conforme o tamanho do negócio. O sistema é o mesmo.
A psicologia também. Políticos e empresários dos grandes
continuaram operando mesmo quando colegas seus já estavam processados e
presos. Assim como a máfia paulistana. A conclusão é clara: esse sistema político e econômico não
funciona sem a propina, sem o acerto com o governo, com algum governo. E daí a conclusão que muita gente tira: não tem como
eliminar toda essa corrupção, o melhor é tentar limitá-la e tolerar
alguma coisa para que a vida, a economia, a política e os negócios
continuem funcionando.
Essa turma não demonstra ou não demonstrava medo até aqui
porque imaginava que estávamos diante de apenas mais um surto de
anticorrupção, desses que surgem quando se apanha alguma roubalheira
grande. Formam-se CPIs, anunciam-se investigações rigorosas, saem
algumas punições - até que o assunto vai morrendo e não se fala mais
nisso. Foi assim durante esses anos todos. A Lava Jato começou a mudar a história ao aprofundar
investigações de uma maneira persistente, tecnicamente sustentada, com
zelo extremo. Muitos dizem: maneiras exageradas.
Mas, caramba, gente, se cobram até para estender uma faixa, é sinal de que exagerada se tornou a corrupção. Nesse quadro, livrar um presidente da República, do jeito
que Temer está se livrando, é dar novo fôlego a um regime baseado na
corrupção. Como diria o funcionário corrupto da prefeitura: se os caras
lá podem pegar malas de 500 mil, vão encrencar logo com o meu
sessentinha? [tem um pequeno detalhe que não pode ser olvidado: NÃO HÁ provas contra Temer.
Outro aspecto é que Temer não está livra das acusações; a decisão CONSTITUCIONAL da Câmara de ontem, apenas adiou - para o BEM do Brasil - a apuração das tais acusações para o final do mandato do presidente.]