Apesar do Tesouro, MP para corte de jornada pode gerar perda salarial elevada
O governo Jair Bolsonaro deu novos passos para atenuar o impacto
econômico da crise provocada pelo coronavírus, mas infelizmente ainda
parece hesitar diante dos desafios impostos pela calamidade. Medida provisória publicada na quinta (2) criou mecanismos para proteção
do emprego e da renda de trabalhadores do setor formal, oferecendo
algum alívio às empresas atingidas pela paralisia da economia e aos seus
funcionários.
De acordo com as regras do novo programa, o governo pagará uma parte do
salário dos trabalhadores que tiverem a jornada reduzida ou o contrato
suspenso nos próximos meses, em troca do compromisso de que suas vagas
sejam mantidas. Sujeita a questionamentos legais, a MP garante o pagamento, pelo
Tesouro, de uma fatia do benefício a que os trabalhadores teriam direito
se fossem demitidos e recorressem ao seguro-desemprego, até o limite de
R$ 1.813 por mês, como complemento à parcela do salário a cargo dos
patrões.
O mecanismo será suficiente para preservar a renda dos empregados com
vencimentos menores no período que se afigura como a fase mais aguda da
crise, mas os que recebem salários mais altos sofrerão perdas
significativas. Um trabalhador com rendimento mensal de R$ 5.000 que tiver a jornada
reduzida em 70%, por exemplo, receberá R$ 2.769 com o programa
—conservará o emprego, mas perderá 44,6% de sua renda.
Em alguns países da Europa, onde pacotes de combate ao coronavírus
incluíram medidas semelhantes, os governos se comprometeram a garantir
parcelas entre 60% e 80% dos salários de quem tenha a jornada reduzida
ou fique impedido de trabalhar na quarentena. O Ministério da Economia estima que o novo programa custará R$ 51
bilhões e ajudará a preservar 12 milhões de empregos, mas é provável que
se revele tímido para lidar com as consequências recessivas do avanço
da Covid-19.
A lentidão do governo aumenta a insegurança da população. Basta recordar
que a primeira versão do novo programa, divulgada há duas semanas e
prontamente revogada, simplesmente autorizava a suspensão de contratos
de trabalho sem nenhuma compensação. Na segunda-feira (30), o Congresso aprovou a criação de um auxílio
emergencial de R$ 600 para os trabalhadores do setor informal, que
tendem a sofrer ainda mais com a crise. Bolsonaro demorou dois dias para
sancionar a lei, e ainda não se sabe ao certo quando o dinheiro chegará
aos beneficiários. Embora as medidas adotadas até aqui sigam direção correta, a demora na
sua implementação reflete desorganização e mostra que ainda falta ao
governo o sentido de urgência exigido.
Editorial - Folha de S. Paulo