Exigir um término à Lava-Jato sem levar em conta as suas causas pode ser um contrassenso, na medida em que ela é efeito
O Brasil
está sendo lavado a jato. Não há semana, senão dia, em que um novo
evento não mostre as entranhas fétidas dos últimos governos petistas,
não envolvendo apenas o partido da presidente afastada, mas, também,
outros partidos que se locupletaram no assalto ao Tesouro nacional.
Nesta última semana, foi a prisão do ex-ministro Paulo Bernardo e a busca e apreensão na sede nacional do PT em São Paulo, além do envolvimento de outros próceres e ministros do partido. Nas semanas anteriores, foi a cúpula mesma do PMDB e ministros recém-nomeados do governo Temer. A abrangência suprapartidária destas investigações e denúncias bem mostra que essas operações não estão a mando de partido nenhum, todos podendo ser igualmente atingidos.
Note-se que esta última operação, denominada Custo Brasil — poderia ser igualmente chamada de Custo PT —, já não se origina na denominada por Lula “República de Curitiba”, mas em São Paulo, envolvendo, além da Polícia Federal, a Receita Federal.
Isto significa que estamos diante de uma efetiva nacionalização da Lava-Jato, espraiando-se por outros estados e seguindo um mesmo padrão de moralidade pública e de operacionalidade. Nada indica que essa operação, desdobrando-se em novos braços, esteja com data definida de término.
A pergunta pelo término desta operação talvez seja uma questão mal formulada, embora possa ter um certo sentido. Mal formulada, porque ela nasce de uma exigência de moralidade pública e de luta contra a corrupção, liderada por setores do Judiciário, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Questão, porém, para alguns pertinente, pois para além do fato de toda operação deste tipo dever ter um término, ela pode talvez ter como consequência um enfraquecimento ainda maior do próprio sistema representativo.
Ocorre que a deterioração do sistema representativo não é um efeito da Operação Lava-Jato, mas a sua causa. Partidos políticos, parlamentares, ministros de Estado — e mesmo o ex-presidente Lula — e funcionários públicos e de estatais se aliaram a empresários inescrupulosos, notadamente de empreiteiras, porém não a eles restritos, para o saqueio da coisa pública. A República veio para eles significar cosa nostra. O Estado brasileiro estava sendo corroído por dentro, aparelhado ideologicamente e partidariamente, quando uma sociedade atuante, graças à sua imprensa e aos seus meios de comunicação, começa a denunciar e noticiar a ruína que estava se aproximando perigosamente.
A atuação de juízes, promotores e policiais federais inscreveu-se, precisamente, neste processo de resistência, procurando reverter a desestruturação completa da coisa pública. Desrespeito à Lei Orçamentária e à Lei de Responsabilidade Fiscal, queda abrupta do PIB, inflação em alta e desemprego galopante são consequências desta República em crise.
Logo, exigir um término à Lava-Jato sem levar em conta as suas causas pode ser um contrassenso, na medida em que ela é efeito. O país deve, antes de tudo, criar condições e mecanismos que impeçam o desvirtuamento da atividade parlamentar e o aparelhamento do Poder Executivo. Ou seja, o Executivo e o Legislativo deveriam começar a tomar medidas políticas que atuem sobre as causas desta deterioração da coisa pública, tornando, neste sentido, desnecessária a própria Lava-Jato e os seus desdobramentos. Uma reforma política seria aqui prioritária.
Se não ocorrer, como tudo indica que não ocorrerá por atingir interesses incrustados nos partidos políticos, nada mais natural que as investigações em curso sigam o seu caminho. Em todo caso, os esquemas desvendados na Petrobras muito provavelmente existem em outras estatais. Outros ministérios continuam também a ser objeto de investigações. Se a faxina continua, é porque existe ainda muita sujeira a ser lavada. Alguns economistas, que deveriam, aliás, rasgar os seus diplomas, fazem o cálculo de quanto o país estaria perdendo economicamente com a Lava-Jato. Deveriam calcular o quanto o país perdeu com os governos petistas, com a corrupção e o desvio de recursos públicos. Parece que a miopia ideológica não permite tal cálculo.
No que diz respeito a um eventual enfraquecimento do sistema representativo, cabe preliminarmente observar que a operação Lava-Jato e o seu imenso apoio na opinião pública mostram que determinadas instituições do Estado estão funcionando. A sociedade civil, por sua vez, tornou-se uma protagonista central neste processo de transformação política. De um lado, a representação partidária foi enfraquecida, de outro, certas instituições republicanas e a sociedade civil se fortaleceram.
Contudo, há uma certa apreensão em relação ao fato de que, consoante com a operação Mãos Limpas na Itália, o enfraquecimento dos partidos políticos poderia levar a aventuras políticas, mediante a eleição de um(a) aventureiro(a) em 2018. O risco existe e é próprio de qualquer sistema eleitoral. A vontade popular pode também optar pelo pior. Já o fez, aliás!
Veja-se a situação na qual nos encontramos, tendo se tornado necessário o próprio impeachment da presidente da República, no pleno respeito à Constituição brasileira. O povo poder fazer péssimas escolhas. É da vida política. [Pelé já reconheceu e disse em alto e bom tom que o povo brasileiro não sabe votar - caso soubesse nunca coisas como Lula e Dilma seriam sequer vereador, quanto mais presidente da República.]
Ora, o que não se pode fazer é optar por frear a Lava-Jato e seus desdobramentos mediante novas leis que perpetuem o status quo político e partidário que está sendo, precisamente, submetido a um duro teste de moralidade pública. Não há indícios de que os partidos políticos estejam efetivamente aprendendo com essa nova cena pública brasileira. A iniciativa cabe precisamente ao novo governo e à representação parlamentar que, com novos exemplos, possam mostrar um novo caminho a ser percorrido, tornando-se a moralidade pública uma bandeira política nacional.
Se isto vier a ocorrer, o término da Lava-Jato será uma consequência deste novo tratamento da coisa pública. Se tardar, ela tenderá a se perpetuar.
Fonte: Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Nesta última semana, foi a prisão do ex-ministro Paulo Bernardo e a busca e apreensão na sede nacional do PT em São Paulo, além do envolvimento de outros próceres e ministros do partido. Nas semanas anteriores, foi a cúpula mesma do PMDB e ministros recém-nomeados do governo Temer. A abrangência suprapartidária destas investigações e denúncias bem mostra que essas operações não estão a mando de partido nenhum, todos podendo ser igualmente atingidos.
Note-se que esta última operação, denominada Custo Brasil — poderia ser igualmente chamada de Custo PT —, já não se origina na denominada por Lula “República de Curitiba”, mas em São Paulo, envolvendo, além da Polícia Federal, a Receita Federal.
Isto significa que estamos diante de uma efetiva nacionalização da Lava-Jato, espraiando-se por outros estados e seguindo um mesmo padrão de moralidade pública e de operacionalidade. Nada indica que essa operação, desdobrando-se em novos braços, esteja com data definida de término.
A pergunta pelo término desta operação talvez seja uma questão mal formulada, embora possa ter um certo sentido. Mal formulada, porque ela nasce de uma exigência de moralidade pública e de luta contra a corrupção, liderada por setores do Judiciário, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Questão, porém, para alguns pertinente, pois para além do fato de toda operação deste tipo dever ter um término, ela pode talvez ter como consequência um enfraquecimento ainda maior do próprio sistema representativo.
Ocorre que a deterioração do sistema representativo não é um efeito da Operação Lava-Jato, mas a sua causa. Partidos políticos, parlamentares, ministros de Estado — e mesmo o ex-presidente Lula — e funcionários públicos e de estatais se aliaram a empresários inescrupulosos, notadamente de empreiteiras, porém não a eles restritos, para o saqueio da coisa pública. A República veio para eles significar cosa nostra. O Estado brasileiro estava sendo corroído por dentro, aparelhado ideologicamente e partidariamente, quando uma sociedade atuante, graças à sua imprensa e aos seus meios de comunicação, começa a denunciar e noticiar a ruína que estava se aproximando perigosamente.
A atuação de juízes, promotores e policiais federais inscreveu-se, precisamente, neste processo de resistência, procurando reverter a desestruturação completa da coisa pública. Desrespeito à Lei Orçamentária e à Lei de Responsabilidade Fiscal, queda abrupta do PIB, inflação em alta e desemprego galopante são consequências desta República em crise.
Logo, exigir um término à Lava-Jato sem levar em conta as suas causas pode ser um contrassenso, na medida em que ela é efeito. O país deve, antes de tudo, criar condições e mecanismos que impeçam o desvirtuamento da atividade parlamentar e o aparelhamento do Poder Executivo. Ou seja, o Executivo e o Legislativo deveriam começar a tomar medidas políticas que atuem sobre as causas desta deterioração da coisa pública, tornando, neste sentido, desnecessária a própria Lava-Jato e os seus desdobramentos. Uma reforma política seria aqui prioritária.
Se não ocorrer, como tudo indica que não ocorrerá por atingir interesses incrustados nos partidos políticos, nada mais natural que as investigações em curso sigam o seu caminho. Em todo caso, os esquemas desvendados na Petrobras muito provavelmente existem em outras estatais. Outros ministérios continuam também a ser objeto de investigações. Se a faxina continua, é porque existe ainda muita sujeira a ser lavada. Alguns economistas, que deveriam, aliás, rasgar os seus diplomas, fazem o cálculo de quanto o país estaria perdendo economicamente com a Lava-Jato. Deveriam calcular o quanto o país perdeu com os governos petistas, com a corrupção e o desvio de recursos públicos. Parece que a miopia ideológica não permite tal cálculo.
No que diz respeito a um eventual enfraquecimento do sistema representativo, cabe preliminarmente observar que a operação Lava-Jato e o seu imenso apoio na opinião pública mostram que determinadas instituições do Estado estão funcionando. A sociedade civil, por sua vez, tornou-se uma protagonista central neste processo de transformação política. De um lado, a representação partidária foi enfraquecida, de outro, certas instituições republicanas e a sociedade civil se fortaleceram.
Contudo, há uma certa apreensão em relação ao fato de que, consoante com a operação Mãos Limpas na Itália, o enfraquecimento dos partidos políticos poderia levar a aventuras políticas, mediante a eleição de um(a) aventureiro(a) em 2018. O risco existe e é próprio de qualquer sistema eleitoral. A vontade popular pode também optar pelo pior. Já o fez, aliás!
Veja-se a situação na qual nos encontramos, tendo se tornado necessário o próprio impeachment da presidente da República, no pleno respeito à Constituição brasileira. O povo poder fazer péssimas escolhas. É da vida política. [Pelé já reconheceu e disse em alto e bom tom que o povo brasileiro não sabe votar - caso soubesse nunca coisas como Lula e Dilma seriam sequer vereador, quanto mais presidente da República.]
Ora, o que não se pode fazer é optar por frear a Lava-Jato e seus desdobramentos mediante novas leis que perpetuem o status quo político e partidário que está sendo, precisamente, submetido a um duro teste de moralidade pública. Não há indícios de que os partidos políticos estejam efetivamente aprendendo com essa nova cena pública brasileira. A iniciativa cabe precisamente ao novo governo e à representação parlamentar que, com novos exemplos, possam mostrar um novo caminho a ser percorrido, tornando-se a moralidade pública uma bandeira política nacional.
Se isto vier a ocorrer, o término da Lava-Jato será uma consequência deste novo tratamento da coisa pública. Se tardar, ela tenderá a se perpetuar.
Fonte: Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul