Blog do Noblat - Por GAUDÊNCIO TORQUATO
A intermediação público/privado surge nos ciclos históricos e nos primeiros dicionários da política.
Há tempos tramita
pelo Congresso projeto para regulamentar o lobby, que prevê a atuação de
lobistas cadastrados perante órgãos e entidades federais. O que
sustenta sua necessidade? De pronto, a observação: houvesse
transparência do sistema de pressão sobre a administração pública por
parte de grupos interessados, teríamos fenomenal queda nos índices de
corrupção. O lobby faz parte do processo
de articulação da sociedade e significa expandir a democracia
participativa. Pode haver aí uma saraivada de críticas, pois a atividade
está estigmatizada, associada à corrupção, tráfico de influência ou
apropriação indevida do Estado.
Pincemos a lição de
Bobbio: democracia é o governo do poder público em público. Sinaliza
“manifestação, evidência, visibilidade”, contrapondo à coisa “confinada,
escondida, secreta”. E arremata: “Onde existe o poder secreto há,
também, um antipoder igualmente secreto ou sob a forma de complôs,
tramoias”. A intermediação público/privado surge nos ciclos históricos e nos primeiros dicionários da política. Rousseau, no Contrato Social,
falava da oportunidade de cada cidadão participar da política, pois há
“inter-relação contínua” do trabalho das instituições com as “qualidades
psicológicas dos indivíduos que interagem em seu interior”. É o
fundamento da democracia participativa: cidadãos e suas representações
livres para influir no processo decisório.
O lobby bebe nessa fonte.
Mas foi conspurcado à sombra do poder invisível, na confluência de
interesses espúrios e alianças entre máfias e castas que se alimentam da
corrupção. O Estado moral soçobrou diante do império imoral. A quebra da ética se
acentuou em razão da despolitização e desintegração das fronteiras
ideológicas. A administração das coisas substituiu o governo dos homens. O cerco utilitarista se expandiu com novo triângulo do poder: partidos, burocracia administrativa e negócios privados. Desvirtuado do ideário,
os lobbies viraram extensões de interesses escusos e fontes de
escândalos. Ao mesmo tempo, entre nós, observou-se saudável movimentação
da sociedade organizada, graças à CF/1988, que incentivou a formação de
entidades e movimentos. Afastados de partidos, milhares de cidadãos
procuraram refúgio em núcleos comprometidos com suas expectativas
(associações, sindicatos, movimentos, etc).
Ocorreu o encontro de
águas limpas com torrentes sujas. Diferentes tipos de interesse
passaram a fazer pressão sobre os Três Poderes, reivindicando a
salvaguarda de situações e direitos, enquanto setores antagônicos
transferiam uns aos outros ônus e encargos. Jogo de soma zero. Os lobbies contam com ajuda de grupos incrustados na administração e outros, poderosos, atuando às margens do Estado.Quando se divisa a
legalização do lobby, a exemplo dos Estados Unidos, a abordagem é a de
transparência. Lobistas terão nome, endereço e farão uma articulação
aberta – modos de atuação, coletividades representadas e interesses. O marco regulatório
diminuirá a taxa de corrupção. A publicidade das ações distinguirá o
justo do injusto, o lícito do ilícito, o gato de lebre.
A democracia se aproximará de seu real significado: o regime do poder visível.
Blog do Noblat - Veja - Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político