Mas não há nada que a Constituição e o arcabouço legal de forma ampla não prevejam. O Estado tem instrumentos legais para gerenciar situações como esta. O ponto-chave é que muito foi concedido, a um custo financeiro estimado em quase R$ 10 bilhões, a ser arcado por toda a sociedade. Deve-se lembrar que a União continua a acumular déficits anuais pesados. Para este ano, sem incluir o custo da dívida, R$ 159 bilhões. Mais esta despesa terá de ser bancada pela sociedade. A garantia de preço fixo do diesel durante períodos predeterminados, o aceno de transporte pelos autônomos de parte da carga gerada pela Conab, de desconto para caminhões em pedágios e até de preço mínimo para frete consagram retrocessos graves. Na prática, volta-se aos congelamentos, à reserva de mercado, ao controle de preços e até à insegurança jurídica, com o rompimento unilateral de contratos assinados por concessionárias de estradas.
É preciso haver ações de redução de danos, para que não se repitam movimentos que usem a população como refém para vergar o governo. A classe política está convocada a atuar no apaziguamento geral. Compreende-se a impossibilidade de os caminhoneiros gerenciarem a vida sem um mínimo de previsibilidade na fixação do preço do diesel. É correta a política de preço real da Petrobras, sem permitir que a estatal subsidie o consumidor. Foi assim, no governo Dilma, que a empresa acumulou perdas de dezenas de bilhões de reais, uma conta que cedo ou tarde seria apresentada ao Tesouro. Com o peso da corrupção, causa do superfaturamento de contratos, a Petrobras virtualmente quebrou.
O acordo com os caminhoneiros transfere para o Tesouro o ressarcimento da empresa quando os custos (cotação do petróleo e câmbio) suplantarem os preços na bomba. Pode-se apagar um incêndio na emergência, mas este não é um modelo aceitável. Mesmo que sejam necessários ajustes na política de realismo tarifário, é crucial que se preserve a filosofia de concorrência no mercado de combustíveis, e de custos transparentes na estatal. Se o mercado de distribuição está oligopolizado, há organismos de Estado que tratam do problema. Não devem faltar interessados em atuar neste ramo de negócios. O mesmo vale para o refino, e para isso a estatal precisa continuar seu projeto de atrair novos investidores em refinarias. Há um extenso balanço a ser feito de tudo, até para o aprendizado no gerenciamento dessas situações, sempre dentro dos marcos da democracia. É essencial, no lado dos manifestantes, saber o momento de recuar, mais ainda quando se constata que a greve foi vitoriosa.
Editorial - O Globo