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segunda-feira, 30 de novembro de 2020

A tempestade passa - Fernando Gabeira

In Blog

Coragem, o fim da tempestade está próximo. Tenho vontade de escrever isso, sem hesitações. Mas temo parecer muito otimista. No passado, velhos como eu muito otimistas me davam uma ligeira aflição. Mas vamos aos fatos. Historicamente, costuma haver uma espécie de renascimento depois das grandes epidemias. A vacina está no horizonte. Podemos esperar alguma euforia e otimismo, caso seja eficaz e distribuída adequadamente.

O principal obstáculo é o governo negacionista, que minimiza a Covid-19 e duvida de vacinas. Tradicionalmente, o Brasil tem capacidade de produzir vacinas e realizar grandes campanhas de imunização. [ao que nos parece, o ilustre articulista desconsidera um FATO: 
o chamado negacionismo do nosso presidente e do Trump e de qualquer outro estadista com os pés firmes no chão em NADA, ABSOLUTAMENTE NADA, representa,  ou representou, empecilho para que as pesquisas sobre uma vacina que propicie a imunidade contra a covid-19 sejam exitosas. 

O que existe é um açodamento, normal, na busca por uma vacina e que resulta na apresentação por grande parte da mídia de possibilidades em quase fatos.

Tão logo surja uma vacina que atenda a todos os requisitos exigidos pela ciência e, consequentemente, seja aprovada, será aceita com alegria por TODOS.

Negar o que não existe não é negacionismo e sim bom senso.]

O governo federal falhou nos testes, deixando 6,8 milhões deles esquecidos num galpão em São Paulo. O general Pazuello é considerado um especialista em logística. Fez um bom trabalho em Roraima, na Operação Acolhida, que recebeu os venezuelanos. Ele vem sofrendo alguns desgastes. Contraiu Covid-19 e foi obrigado a se curvar diante de Bolsonaro. Não sei se o corpo mole é resultado da influência do próprio Bolsonaro, que, aliás, duvida de vacinas e acha melhor encontrar um remédio para o coronavírus.

Se conseguirmos ultrapassar a barreira mental de Bolsonaro e de seus subordinados, a vacina pode, sim, representar o fim da pandemia. [não resistimos à recorrência: a vacina precisa existir para ser utilizada.] Com ela, é possível também pensar numa recuperação econômica, numa retomada das relações presenciais. Sem desprezar os ganhos da imersão no virtual, novas energias vão aflorar.

A política ambiental do Brasil é absurda; a política externa, um disparate inédito em nossa história. Num dia, Bolsonaro ameaça usar pólvora contra Biden; no outro, o filho Eduardo acusa os chineses de potencial espionagem na tecnologia.[é doloroso ter que constatar que o pupilo presidencial esqueceu de considerar que em termos de tecnologia o Brasil é quem precisa espionar, e muito, a China. 
Reiteramos nossa sugestão ao presidente Bolsonaro: boa parte dos aborrecimentos de Vossa Excelência cessarão se lembrar aos seus filhos que o Brasil não é uma monarquia =  não há príncipes herdeiros = filhos do presidente NÃO PODEM e NEM DEVEM interferir na política de governo - exceto se forem nomeados para cargo oficial e  que permita tal ingerência.]

Além das duas potências mundiais, restaram poucos alvos para o insulto bolsonarista. O próprio Bolsonaro fez referências criticas à Alemanha e à Noruega, comentários machistas sobre a primeira-dama francesa e previsões catastróficas sobre o governo argentino. [criticar não é crime e a postura da Alemanha,  reconhecida por permitir que empresas sediadas em seu território adquiram madeiras ilegais oriundas do Brasil = não havendo compradores para produtos de crime, os crimes perderão a razão de ser. Isto vale para drogas e também para madeira.

Vale o mesmo para empresas da Noruega, com a agravante de que  critica o Brasil mas suas empresas fazem  'sujeiras', desrespeitando o meio ambiente, em solo brasileiro. - comprove. ] Os ultrarrealistas dirão: nada disso importa, se houver um pequeno crescimento econômico. A verdade é que o Brasil precisa de um crescimento econômico sustentado, e essa tarefa é mais complexa do que um simples voo de galinha.  Quando passar a tempestade sanitária, as pessoas que compreendem este governo como a grande pedra no caminho terão mais mobilidade. Talvez possam ir para as ruas, sem a preocupação de atrair grandes massas no princípio.[com ou sem pandemia, perturbar a ordem pública continua sendo crime, justificando intervenção policial, com o uso da força necessária. Aliás, a democrática Alemanha e França também pensam, e agem, com o  entendimento da necessidade de reprimir atos criminosos.]  

A imprensa brasileira acostumou-se a julgar manifestações de forma apenas quantitativa. É um equívoco. Dentro dessa lógica, se recebesse a notícia de que houve algo com os 18 do Forte, não mandaria ninguém a Copacabana. Ou mesmo com o grupo de intelectuais que protestou contra a ditadura diante do Hotel Glória: eram só oito resistentes diante de um poderoso governo militar. A multiplicidade de protestos, a fermentação, tudo isso acaba conduzindo a movimentos mais amplos, desses que encantam os contadores de gente na rua e impressionam os políticos míopes.

Num texto anterior, afirmei que Bolsonaro estava derretendo. Baseava-me numa análise que está se confirmando nas pesquisas. Não sou otimista o bastante para supor que Bolsonaro vá se derrotar sozinho. Não basta se sentar na poltrona e acompanhar seus movimentos autodestrutivos. Será preciso muito movimento, troca de ideias e, em caso de avanço, sensatez política para evitar que, no desespero, ele envolva as Forças Armadas numa trágica aventura. [com todas as vênias ao ilustre articulista este parágrafo não combina bem com o 'estado democrático de direito' - especialmente quando aquele 'estado' é invocado para tolher a expressão de opiniões dos favoráveis do presidente Bolsonaro.]

Essa ideia não se relaciona diretamente com eleições. É possível votar em candidatos diferentes mas, simultaneamente, compreender o conceito de adversário principal. A esta altura do processo, é possível afirmar que qualquer um representa um perigo menor para o Brasil. Os ultrarrealistas que me perdoem: Bolsonaro nunca mais. Nunca houve na história recente do Brasil uma sucessão de erros tão graves, embora o processo de [o próprio processo de redemocratização foi um gigantesco equívoco = o pai de todos os erros. Foi com tão grave erro que foi possível surgir a 'coisa' chamada a Nova República.] redemocratização tenha sido marcado por alguns equívocos e escândalos de dimensão continental.

Uma das características de um governo voltado para a destruição ambiental é que pode levar alguns biomas a um ponto de não retorno.  Embora iniba política vitais, a roubalheira desvia o trabalho morto, simbolizado no dinheiro público desviado.

Blog do Gabeira - Fernando Gabeira, jornalista

Artigo publicado no jornal O Globo em 30/11/2020