Governo quer mudar regra fiscal para evitar crime de responsabilidade
Uma das possibilidades em estudo é suspender norma por até quatro anos
Quebrar a 'regra de ouro' é complicado Lei impede que
emissão de dívidas federais seja maior que gastos com investimentos. Se tirar
essa base, governo fica livre para gastar e pode perder controle das finanças
O governo
quer aproveitar uma iniciativa do Congresso para reduzir a rigidez do Orçamento
e com isso mudar uma norma que tem dado dor de cabeça à equipe econômica: a
regra de ouro. Por ela, as operações de crédito da União não podem ser maiores
que as despesas com investimentos. Isso está previsto na Constituição e serve
para evitar que o governo aumente sua dívida para pagar despesas correntes,
como gastos com pessoal. Seu descumprimento implica crime de responsabilidade
para os gestores públicos, incluindo o presidente da República.
O
problema é que a crise fiscal tem feito com que as despesas com investimentos
venham caindo ano a ano, enquanto a dívida pública cresce. Assim, a ideia em
estudo é flexibilizar a regra de ouro temporariamente de modo que, caso ela
seja descumprida, não se caracterize o crime de responsabilidade. O assunto
foi discutido pelos ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do
Planejamento, Dyogo Oliveira, ontem, em café da manhã com o presidente da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e parlamentares da base aliada. O projeto está
sendo preparado pelo deputado Pedro Paulo (PMDB-RJ), que vai tratar do assunto
com técnicos da equipe econômica.
Em 2017,
o governo conseguiu resolver o problema da regra de ouro com a ajuda do BNDES.
A equipe econômica negociou com o banco de fomento a devolução ao Tesouro
Nacional de R$ 50 bilhões em recursos que foram emprestados à instituição nos
últimos anos. Em 2018, a saída também será via BNDES. O governo quer que o
banco devolva R$ 130 bilhões ao Tesouro. Isso está previsto no Orçamento de
2018, embora haja resistências dentro da instituição.
Medidas
de redução de despesas
Segundo
Pedro Paulo, a ideia é fazer um amplo pacote que ajude a reduzir o engessamento
atual do Orçamento, permitindo uma melhor gestão das contas públicas. Dentro
das medidas está a possibilidade de dar ao governo um waiver, ou seja,
uma dispensa temporária (que pode ser de três ou quatro anos) de cumprimento da
regra de ouro. Durante esse período, o governo se comprometeria a adotar
medidas de redução de despesas correntes. Podem ser suspensas, por exemplo, a
concessão de incentivos fiscais e a criação de novas despesas obrigatórias,
como a realização de concursos e o reajuste de servidores. — Ao
cortar despesas obrigatórias, o governo abre espaço para fazer mais
investimentos — explicou o deputado.
Ele destacou
que a rigidez orçamentária no Brasil dificulta a alocação de recursos. Há
muitas receitas que têm vinculação obrigatória, o que acaba fazendo com que
algumas áreas tenham recursos garantidos enquanto outras fiquem descobertas.
Por isso, outra possibilidade em estudo é ampliar o mecanismo da DRU
(Desvinculação de Receitas da União). Hoje, o governo pode usar livremente 30%
dos recursos do Orçamento para distribuir entre diferentes áreas. Esse
percentual, por exemplo, poderia subir para 50%. O pacote completo, que envolve
uma PEC (proposta de emenda constitucional) e uma lei complementar, deve ser
apresentado quando o Congresso voltar do recesso parlamentar.
Segundo
dados do Tesouro Nacional, a margem de segurança para assegurar o cumprimento
da regra de ouro tem ficado cada vez menor. Considerando os valores acumulados
em 12 meses, a diferença entre as despesas com investimentos e as operações de
crédito encolheram gradualmente nos últimos anos. Em dezembro de 2012, a margem
era de R$ 283,6 bilhões. Esse número caiu para R$ 160,2 bilhões em 2013, para
R$ 96,2 bilhões em 2014, chegando a R$ 62 bilhões em 2015. Em 2016, o número
subiu um pouco, para R$ 86 bilhões.
Margem
ainda menor este ano
Para
2018, o governo quer que o BNDES devolva R$ 130 bilhões aos cofres públicos, o
que reforça as receitas financeiras e assegura a regra. Mesmo assim, a margem
ficaria bem reduzida, em R$ 17 bilhões, já que a previsão para as despesas de
capital é de R$ 1,657 trilhão e, para as operações de crédito, de R$ 1,640
trilhão. Integrantes
da cúpula do BNDES, no entanto, afirmam que a instituição não pode garantir que
esse valor será pago integralmente. Eles explicam que os desembolsos do banco
caíram muito em 2017 — foram de R$ 70 bilhões —, sendo que podem subir para
algo próximo de R$ 100 bilhões este ano.
— Já se a
economia crescer em um ritmo mais forte, a demanda por recursos do BNDES pode
aumentar e não haveria espaço para desembolsar todos os R$ 130 bilhões. Também
é preciso saber quanto o banco tem que devolver ao FAT, o que impacta o caixa —
disse um interlocutor do BNDES. O Brasil
tem hoje três regras com o objetivo de equilibrar as contas públicas e
estabilizar a dívida pública. Além da regra de ouro, existem ainda o teto de
gastos e a meta fiscal.
O Globo