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sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Na prática, Temer revoga a Lei de Responsabilidade Fiscal, entre outras e deixa a porteira aberta para gastar à vontade. PEC deve ser tão ou mais dificil de aprovar quanto a reforma da Previdência

Governo quer mudar regra fiscal para evitar crime de responsabilidade

Uma das possibilidades em estudo é suspender norma por até quatro anos 

Quebrar a 'regra de ouro' é complicado Lei impede que emissão de dívidas federais seja maior que gastos com investimentos. Se tirar essa base, governo fica livre para gastar e pode perder controle das finanças

O governo quer aproveitar uma iniciativa do Congresso para reduzir a rigidez do Orçamento e com isso mudar uma norma que tem dado dor de cabeça à equipe econômica: a regra de ouro. Por ela, as operações de crédito da União não podem ser maiores que as despesas com investimentos. Isso está previsto na Constituição e serve para evitar que o governo aumente sua dívida para pagar despesas correntes, como gastos com pessoal. Seu descumprimento implica crime de responsabilidade para os gestores públicos, incluindo o presidente da República.

O problema é que a crise fiscal tem feito com que as despesas com investimentos venham caindo ano a ano, enquanto a dívida pública cresce. Assim, a ideia em estudo é flexibilizar a regra de ouro temporariamente de modo que, caso ela seja descumprida, não se caracterize o crime de responsabilidade. O assunto foi discutido pelos ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, ontem, em café da manhã com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e parlamentares da base aliada. O projeto está sendo preparado pelo deputado Pedro Paulo (PMDB-RJ), que vai tratar do assunto com técnicos da equipe econômica.

Em 2017, o governo conseguiu resolver o problema da regra de ouro com a ajuda do BNDES. A equipe econômica negociou com o banco de fomento a devolução ao Tesouro Nacional de R$ 50 bilhões em recursos que foram emprestados à instituição nos últimos anos. Em 2018, a saída também será via BNDES. O governo quer que o banco devolva R$ 130 bilhões ao Tesouro. Isso está previsto no Orçamento de 2018, embora haja resistências dentro da instituição.

Medidas de redução de despesas
Segundo Pedro Paulo, a ideia é fazer um amplo pacote que ajude a reduzir o engessamento atual do Orçamento, permitindo uma melhor gestão das contas públicas. Dentro das medidas está a possibilidade de dar ao governo um waiver, ou seja, uma dispensa temporária (que pode ser de três ou quatro anos) de cumprimento da regra de ouro. Durante esse período, o governo se comprometeria a adotar medidas de redução de despesas correntes. Podem ser suspensas, por exemplo, a concessão de incentivos fiscais e a criação de novas despesas obrigatórias, como a realização de concursos e o reajuste de servidores. — Ao cortar despesas obrigatórias, o governo abre espaço para fazer mais investimentos — explicou o deputado.

Ele destacou que a rigidez orçamentária no Brasil dificulta a alocação de recursos. Há muitas receitas que têm vinculação obrigatória, o que acaba fazendo com que algumas áreas tenham recursos garantidos enquanto outras fiquem descobertas. Por isso, outra possibilidade em estudo é ampliar o mecanismo da DRU (Desvinculação de Receitas da União). Hoje, o governo pode usar livremente 30% dos recursos do Orçamento para distribuir entre diferentes áreas. Esse percentual, por exemplo, poderia subir para 50%. O pacote completo, que envolve uma PEC (proposta de emenda constitucional) e uma lei complementar, deve ser apresentado quando o Congresso voltar do recesso parlamentar.

Segundo dados do Tesouro Nacional, a margem de segurança para assegurar o cumprimento da regra de ouro tem ficado cada vez menor. Considerando os valores acumulados em 12 meses, a diferença entre as despesas com investimentos e as operações de crédito encolheram gradualmente nos últimos anos. Em dezembro de 2012, a margem era de R$ 283,6 bilhões. Esse número caiu para R$ 160,2 bilhões em 2013, para R$ 96,2 bilhões em 2014, chegando a R$ 62 bilhões em 2015. Em 2016, o número subiu um pouco, para R$ 86 bilhões.

Em 2017, graças à devolução de R$ 50 bilhões do BNDES ao Tesouro, a regra conseguiu ser cumprida, mas ficou muito próxima do limite legal. Os números oficiais ainda não foram divulgados, mas, até novembro, a equipe econômica previa que a margem da regra de ouro terminaria o ano 
em R$ 20,7 bilhões. 

Margem ainda menor este ano
Para 2018, o governo quer que o BNDES devolva R$ 130 bilhões aos cofres públicos, o que reforça as receitas financeiras e assegura a regra. Mesmo assim, a margem ficaria bem reduzida, em R$ 17 bilhões, já que a previsão para as despesas de capital é de R$ 1,657 trilhão e, para as operações de crédito, de R$ 1,640 trilhão. Integrantes da cúpula do BNDES, no entanto, afirmam que a instituição não pode garantir que esse valor será pago integralmente. Eles explicam que os desembolsos do banco caíram muito em 2017 — foram de R$ 70 bilhões —, sendo que podem subir para algo próximo de R$ 100 bilhões este ano. 

— Já se a economia crescer em um ritmo mais forte, a demanda por recursos do BNDES pode aumentar e não haveria espaço para desembolsar todos os R$ 130 bilhões. Também é preciso saber quanto o banco tem que devolver ao FAT, o que impacta o caixa — disse um interlocutor do BNDES.  O Brasil tem hoje três regras com o objetivo de equilibrar as contas públicas e estabilizar a dívida pública. Além da regra de ouro, existem ainda o teto de gastos e a meta fiscal.

O Globo