Janio de Freitas
Os interessados no ato contra o Congresso e o Supremo persistem no seu propósito
A receosa intranquilidade de muitas das pessoas mais informadas e experientes, no decorrer da semana, teve motivos que o coronavírus, paradoxalmente, abrandou. Mas só por um tempo incerto. O conjunto de indícios comuns a investidas antidemocráticas fez concluir por um alto risco: a propensão do ato contra o Congresso e o Supremo, marcado para hoje, de tornar-se movimento de agitação de massa — sem controle do seu desenvolvimento, como é próprio das ações de turbas incitadas.
[os atos não são contra o Congresso nem o Supremo e sim a favor do Brasil e do governo do Presidente Bolsonaro;
Agora se, for a favor do Brasil, for contra o Congresso e o Supremo, quem é maior - o Brasil, permanente e soberano e acima de todos ou o Congresso e o Supremo, cujos integrantes são provisórios e contidos pelas normas constitucionais/
As manifestações - um legítimo exercício de um direito concedido pela Constituição - foram, atendendo sugestão do presidente Bolsonaro, suspensas. Persistindo a motivação poderão ser realizadas.]
O coronavírus esvaziou o ato, sem deixar dúvida de que os interessados,
os organizadores e os empresários pagadores persistem no seu propósito. Por vias institucionais, o caminho lhes é hostil, com Câmara e Senado
mostrando-se mais altivos do que as últimas legislaturas. O bolsonarismo
crente ou ganancioso é parte da massa pastosa que se amolda a qualquer
sedução esperta ou endinheirada. É a alternativa, portanto.
Bolsonaro esperou sair de Brasília para, em Boa Vista no sábado (7),
deixar de fingir-se alheio à manifestação contra as duas principais
instituições democráticas, e chamar o povaréu a engordá-la. A convocação original era explícita contra o Congresso e o Supremo, e
ainda engrossava suas intenções com menção ao general Heleno,
remanescente do mais antidemocrático na ditadura. Já em Miami, na segunda (9) Bolsonaro desfecha o seu avanço contra o
Congresso, em torno da distribuição de verbas orçamentárias. [Congresso que não tem a atribuição constitucional nem a responsabilidade de governar, não arrecada impostos, mas que quer o bônus de liberdade para gastar.] Paulo
Guedes e o general Luiz Eduardo Ramos haviam chegado a um acordo com as
lideranças parlamentares, mas Bolsonaro tanto o aceitou como logo o
desmoralizou. Com o apoio do vernáculo de sarjeta do irado general
Heleno contra o Congresso. Reduzir o acordo a uma crise de fundo
institucional foi ato conjugado, assim como a data. A investida dos dois
foi informativa nesse sentido.
Bolsonaro seguiu adiante. Ou para trás. Além de outras estocadas no
Congresso, ainda nos EUA voltou, de repente, à acusação de fraude nas
eleições presidenciais de 2018. Ele, como vítima. E, hoje, “com provas”,
que não exibiu nem explicitou. Ataque direto à Justiça Eleitoral, mas
não só: ataque ao Judiciário, logo, às instituições vigentes. [fosse a conduta do presidente Bolsonaro criminosa ou ilegal, com certeza teria sido denunciado pelas instituições agredidas.] No Brasil, mais atividade bolsonarista em torno da manifestação
convocada, exibindo-se já alguns cartazes definidores: “Intervenção
militar já”, “Intervenção sem Congresso e Supremo”, e outras não menos
eloquentes.
O confronto governo/Congresso cresceu, a especulação financeira
aproveitou e acionou o lucrativo desce-sobe da Bolsa, Bolsonaro usou o
tema para mais um ataque à imprensa por notícias de crise: “Durante o
ano que se passou, obviamente temos momentos de crise”. Esse que chegou a capitão do Exército não consegue expressar nem a ideia
mais simplória. Como sempre, falatório longo, esticando, em todos os
sentidos da palavra, desinteligências. E mais um tema. Necessário, porque o coronavírus levava à suspensão de muitas atividades
mundo afora, e era preciso evitar, não a expansão do vírus no Brasil,
mas a proibição de aglomerações como a manifestação antidemocrática.
“Coronavírus não é tudo isso, muito do que tem ali é fantasia, a questão
do coronavírus, que não é tudo isso que a grande mídia propaga. O que
eu ouvi até o momento outras gripes mataram mais do que esta”. Era o
melhor estilo Bolsonaro, a serviço da grande causa: manter a
manifestação.
Não deu. Ainda houve tempo para que Deltan Dalagnol aderisse com um
ataque ao Congresso e ao Supremo, que “dificultam a a tarefa da Lava
Jato”. É, só fechando. Um dia o coronavírus acaba. Como disse Bolsonaro
em rede social, “daqui a um mês, dois meses, se faz. Foi dado um
tremendo recado”. De fato. Quem não o quiser ouvir, perde por antecipação as condições de
defesa caso se depare com quebra-quebras, empastelamentos, violências
pessoais, a ferocidade das PMs bolsonaristas, das milícias formais e das
informais que se coordenavam em São Paulo e Rio. Ou mais do que isso.
Porque, como diz Bolsonaro, “daqui a um, dois meses, se faz”.
O coronavírus traiu seu destino perverso, mas também ele morre.
Jânio de Freitas, colunista - Folha de S. Paulo - UOL