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sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Abuso de autoridade - Revista Oeste

Silvio Navarro

Supremo Tribunal Federal atropela o processo legal, persegue cidadãos e esconde imagens para sustentar uma agressão que não aconteceu contra o ministro Alexandre de Moraes

 

 Alexandre de Moraes | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Há exatos cem dias, o Brasil está diante do maior caso de abuso de autoridade da história do Supremo Tribunal Federal (STF). Pela primeira vez, um juiz vai exercer também os papéis de acusador e vítima. 
O personagem central do processo kafkiano é o ministro Alexandre de Moraes.

Aos fatos: no dia 14 de julho, quando retornava ao país depois de uma palestra na Universidade de Siena, Alexandre de Moraes foi abordado por três brasileiros no saguão do Aeroporto Leonardo da Vinci, em Roma, na Itália. 
Estava acompanhado do filho, Alexandre Barci, de 27 anos — que usa óculos, e este é um detalhe crucial na trama.

Segundo o ministro,
o trio de brasileiros Roberto e Andreia Mantovani e Alex Zanatta, genro do casal, que vivem na cidade de Santa Bárbara d’Oeste, no interior paulista, agrediu Alexandre Barci com um tapa no rosto. Também teriam disparado algumas hostilidades contra o magistrado: “comunista”, “bandido” e “comprado”.  
Os advogados que defendem os acusados negaram a agressão física e disseram que tudo não passou de uma discussão acalorada na entrada da sala vip.

Um vídeo, aparentemente feito pelo trio, mostra o ministro Alexandre de Moraes visivelmente irritado. Ele diz as seguintes palavras: “Vocês serão identificados”, e depois chama um deles de “bandido”. São as únicas imagens em vídeo conhecidas até agora
 
No Brasil, Moraes registrou um boletim de ocorrência na polícia. Ele diz textualmente: “Roberto Mantovani Filho gritou e, chegando perto do meu filho, Alexandre Barci de Moraes, o empurrou e deu um tapa em seus óculos”. Em seguida, algumas pessoas intervieram para cessar a confusão. A Polícia Federal abriu um inquérito para apurar “crimes contra a honra”.

Desde então, o ministro Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública) disponibilizou quantos homens da Polícia Federal fossem necessários para apurar o caso. O presidente Lula chamou a família Mantovani de “animais selvagens”.  “Precisamos punir severamente pessoas que ainda transmitem ódio, como o cidadão que agrediu o ministro Alexandre de Moraes no Aeroporto de Roma. Um cidadão desse é um animal selvagem, não é um ser humano.”
(Lula, em 17 de julho)

Ao desembarcar no Aeroporto Internacional de Guarulhos, os Mantovani tiveram de prestar depoimento à Polícia Federal, sem a presença de advogados, sobre o entrevero. Mas não foi só: a então presidente do Supremo, Rosa Weber, determinou que a polícia fizesse uma operação emergencial de busca e apreensão dos aparelhos celulares e computadores na casa dos acusados — até hoje não devolvidos. O carro deles também foi vasculhado. O que os agentes buscavam permanece um mistério.

As imagens do circuito interno do aeroporto italiano foram solicitadas pela Polícia Federal. Um relatório com 50 páginas foi entregue no dia 19 de setembro. É assinado pelo agente Clésio Leão de Carvalho. O parecer diz que “possivelmente, por suas expressões corporais, eles podem ter ofendido, injuriado ou mesmo caluniado o ministro”. O filho poderia ter sido alvo de um “aparente tapa, com as costas da mão direita”, que fizeram seus óculos caírem no chão.

Os óculos do filho de Moraes ganharam relevância nessa história porque, para defender o ministro, as redações da imprensa tradicional ficaram escandalizadas com uma cena — que talvez nunca tenha acontecido. O jornal O Globo produziu uma espécie de “tirinha”, ou gibi, retratando um sopapo no rosto do filho do ministro — os óculos, por consequência, voaram. Foto: Reprodução O Globo/18/7/2023

A Polícia Federal tampouco preservou a identidade dos brasileiros, que tiveram a vida vasculhada e exposta pela velha mídia.  
Emissoras de televisão acamparam na calçada de sua residência, no interior paulista, ao lado de vizinhos curiosos. As expressões “bolsonaristas”, “selvagens” e “extrema direita” foram usadas à exaustão por dois dias — até que o jornal Folha de S.Paulo descobriu uma foto de Roberto Mantovani ao lado de Lula, quando este se candidatou a prefeito. Há dezenas de artigos assinados por colunistas que afirmam “estar comprovado” que houve agressão e, por pouco, uma pancadaria no Aeroporto de Roma.

É aqui que começa outro capítulo da trama hollywoodiana. 
 
Perícia proibida

Ao saber do teor do documento
, a Associação Nacional de Peritos Criminais Federais fez uma pergunta básica: por que um profissional especializado não foi designado para fazer o trabalho com rigor científico? “É preocupante que procedimentos não periciais possam ser recepcionados como se fossem ‘prova pericial’, uma vez que não atendem às premissas legais, como a imparcialidade, suspeição e não ter, obrigatoriamente, qualquer viés de confirmação, que são exigidas dos peritos oficiais de natureza criminal”, disse em nota.

A Corregedoria da Polícia Federal achou a nota desaforada e abriu um processo disciplinar contra Willy Hauffe Neto, presidente da associação dos peritos. No despacho, afirma que, como não há suspeitas sobre a integridade, adulteração ou edição das imagens, o trabalho dos peritos era desnecessário.

Você não vai acreditar nos mais novos ABSURDOS que estão acontecendo na investigação do suposto caso de agressão ao ministro Alexandre de Moraes no aeroporto de Roma.

Assista o vídeo até o final e compartilhe! pic.twitter.com/La5JhRm2oM— Deltan Dallagnol (@deltanmd) October 27, 2023


A Polizia di Stato, da Itália, também produziu um relatório. Diz o texto: “Repara-se o único contato físico digno de nota, ocorrido entre Roberto Mantovani e o filho da personalidade. Nessa circunstância, esse último, provavelmente exasperado pelas agressões verbais recebidas, estendia o membro superior esquerdo, passando bem perto da nuca do antagonista, que, ao mesmo tempo, fazia a mesma ação utilizando o braço direito, impactando levemente os óculos de Alexandre Barci de Moraes”.

O advogado Ralph Tórtima, que defende a família de Santa Bárbara d’Oeste, pediu quatro vezes acesso às imagens das câmeras de segurança
O ministro Dias Toffoli, responsável pela investigação, negou todas. 
Por que as imagens permanecem há quase quatro meses em sigilo é outro enigma. 
Por que o caso segue no Supremo Tribunal Federal tampouco faz sentido, já que o trio não detêm o chamado foro privilegiado, destinado a autoridades — ou seja, o juiz de direito seria de primeira instância.

Não para por aí. Por alguma razão inexplicável, esse inquérito da PF foi anexado aos atos de vandalismo do dia 8 de janeiro, em Brasília, que tem condenado pessoas a 17 anos de cadeia — embora a confusão com Moraes tenha acontecido na Europa, seis meses depois, e não tenha nenhuma relação com a eleição no Brasil.
Nem o documento da polícia brasileira nem o documento da polícia italiana concluem que houve agressão física. 
O nome mais apropriado para o que ocorreu é “confusão”. Mas, a partir daí, começou um capítulo ainda mais absurdo.

Do gabinete de Dias Toffoli partiu uma das maiores aberrações jurídicas conhecidas no “estado democrático de direito” brasileiro.  
Toffoli nomeou Alexandre de Moraes como assistente de acusação no processo em que o próprio ministro é a vítima e será, em última instância, também juiz da causa. 
O Ministério Público Federal reagiu imediatamente e afirmou que, além de se tratar de um privilégio incompatível, nem sequer foi apresentada denúncia.  
Ou seja, Moraes vai assumir também a função da Procuradoria-Geral da República?  “Não se tem notícia de precedente de admissão de assistência à acusação na fase inquisitorial. Tal privilégio jamais foi admitido para quaisquer das autoridades acima elencadas, nem mesmo para o presidente da República”, afirmou o Ministério Público Federal em recurso contra a decisão de Toffoli

Toffoli negou o recurso do Ministério Público Federal e dobrou o sigilo das imagens. É evidente que não deve haver tolerância com agressões a qualquer pessoa, seja ela figura pública ou não. 
Mas, antes, é preciso provar que houve agressão para que sejam assegurados dois princípios republicanos básicos: igualdade e legalidade, conforme diz a Constituição.
 
Entrevista com Ralph Tórtima, advogado da família acusada de ofender o ministro Alexandre de Moraes 
 
Por Cristyan Costa
 
Quais ilegalidades o senhor avalia que foram cometidas no processo?

Quando desembarcaram no Brasil, meus clientes foram abordados pela Polícia Federal. 
Os agentes, contudo, não informaram que aquelas pessoas tinham direito a um advogado ou defensor público para ajudá-las naquele momento. 
Trata-se da primeira violação. A segunda diz respeito à divulgação, sem autorização deles, de suas imagens, nomes completos e currículos. Em virtude dessa publicidade, tiveram a vida devassada pela imprensa e se tornaram conhecidos pelo Brasil inteiro. 
A terceira tem a ver com a inclusão do caso no inquérito que apura os protestos do 8 de janeiro. Este último fato é inaceitável, porque o ocorrido entre meus clientes e Moraes se deu em julho deste ano — e na Itália. Portanto, nada a ver com as manifestações. 
Até o Ministério Público interpelou isso, mas, até agora, não houve resposta judicial.

Qual é a estratégia da defesa daqui para a frente?
Esperamos a resposta da Justiça para nos ceder as imagens. Assim, conseguiremos fazer um trabalho mais técnico. O próprio Ministério Público disse não haver viabilidade nos moldes propostos pelo ministro Toffoli, nos quais pode-se apenas ver o vídeo na sede do STF. Quando esse material chegou ao Brasil, deveria ter passado por uma série de etapas. A primeira prevê submetê-lo, lacrado, a uma perícia, que vai abri-lo. E o processo tem de ser fotografado. Nada disso ocorreu. Entregaram o material a um agente da PF, que fez uma seleção com base num critério que desconheço. Esse profissional desprezou trechos importantes e montou um contexto desfavorável ao meu cliente. A própria associação dos peritos queixou-se. Sendo assim, não podemos descartar a possibilidade de todas as provas terem sido maculadas a ponto de ficarem inválidas.
 
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Coluna Silvio Navarro, Revista Oeste