Eleito pelo voto do contra, Jair Bolsonaro não adquiriu do dia para a noite o physique du rôle de
um presidente da República. Mas o principal atributo que o capitão
irradiou no imaginário do seu eleitorado —a sensação de que nada seria
como antes— continua presente na montagem do ministério. Do ponto
de vista econômico, o dono da aura de Bolsonaro é o liberalismo radical
de Paulo Guedes. E do ponto de vista político, seu governo algemou-se ao
prestígio de Sergio Moro, numa manobra cujo êxito dependerá da
liberdade que o ex-juiz tiver para infundir na máquina estatal o padrão
Lava Jato. Diante desse cenário pós-tsunami, a satanização de
Bolsonaro perdeu relevância. Atônitos, os adversários do novo presidente
demoram a perceber algo simples: ninguém se afoga por cair na água, mas
por permanecer lá. Restaram à oposição duas alternativas.
Os
antagonistas de Bolsonaro podem flutuar agarrados a um feixe de ideias
ou ir ao fundo com o sentimento da raiva amarrado ao pescoço. Hoje, a
oposição passa a impressão de que procura uma ideia desesperadamente.
Mais ou menos como um cachorro que caiu do caminhão de mudança e
esqueceu onde escondeu o osso. Considerando-se que a
presidência-tampão de Michel Temer é herança do petismo, a posse de
Bolsonaro representará o fim de um ciclo de 16 anos. Temer foi levado ao
trono graças à traição de legendas que sustentaram o PT. E manteve na
Esplanada figurões que enfeitaram o primeiro escalão de Lula e da
própria Dilma.
Mudança drástica e genuína ocorrerá em 1º de
janeiro de 2019. Goste-se ou não, o capitão chegou ao Planalto pelo
voto. O que torna despiciendo qualquer debate sobre a legitimidade do
resultado. Depois da posse, o governo despejará sobre o Congresso suas
propostas. E a oposição terá de informar o que quer da vida. O
economista Paulo Guedes colocará sobre a mesa, por exemplo, uma proposta
de reforma da Previdência. O ex-juiz Sergio Moro desembrulhará o seu
pacote anticorrupção e anticrime organizado. Como votar contra o
equilíbrio fiscal e o combate à roubalheira? A qualidade da oposição
depende dessa resposta.
Num instante em que o PT continua
embrulhado na bandeira ‘Lula Livre’ e o PSDB está em chamas, abriu-se no
Congresso uma avenida para o surgimento de uma nova oposição, menos
venenosa e mais ativa. A maioria do petismo quer virar a mesa, não
sentar em torno dela. O tucanato prefere ficar embaixo da mesa. Terceiro
colocado na disputa presidencial, Ciro Gomes já enxergou as
oportunidades que a conjuntura oferece. Mas o esboço de entendimento que
existe entre o seu PDT, o PSB, o PPS e a Rede está longe, muito longe
de constituir uma frente sólida de oposição.
Por ora, há em
Brasília apenas dois polos nítidos de oposição ao projeto de Bolsonaro: o
próprio Bolsonaro e os auxiliares dele. O capitão não passa semana sem
atirar contra os seus pés. O último disparo foi a indicação do trumpista
Ernesto Araújo para o posto de chanceler. E alguns dos seus auxiliares
dedicam-se a transformar a transição de governo numa canoa dividida
—metade da tripulação olhando para um lado e metade remando para o
outro.
Blog do Josias de Souza
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segunda-feira, 19 de novembro de 2018
Governo já tem uma cara, a oposição ainda não
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