Entre um tuíte polêmico e outro, na última semana, o presidente Jair
Bolsonaro usou sua rede social preferida também para comemorar o
resultado primário positivo registrado pelo governo central, de R$ 30,2
bilhões em janeiro passado. O superávit elevado não é algo mesmo a ser
desprezado, mas Bolsonaro exagera, e muito, ao usar o dado como uma
suposta prova de que sua gestão já está mudando a cara das contas
públicas brasileiras. "Nós estamos mudando o Brasil! Resgatar o crescimento de nossa economia é
um dos primeiros passos rumo à prosperidade. Se tudo correr como
planejamos, avançando nas mudanças necessárias, o Brasil aumentará
consideravelmente seus investimentos. Ganha a população brasileira",
disse o presidente em sua postagem no Twitter.
[se Bolsonaro erra, malham: se tuíta, malham; se comemora um resultado bom,. de janeiro, dizem que não é consequência do governo dele; se o resultado é negativo, de janeiro, já dizem que a culpa é do Bolsonaro.
Óbvio que as várias alternativas mostradas se referem a vários órgãos da Imprensa.]
A realidade é que o número forte verificado em janeiro não tem qualquer
relação com a nova gestão do país, ainda que o chefe da Economia, o
ministro Paulo Guedes, esteja, desde a campanha eleitoral, prometendo
zerar o déficit primário neste ano. Os dados de janeiro refletem, como admitiu o próprio secretário do
Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, na entrevista coletiva para comentar
aquele resultado, uma sazonalidade favorável para o período. Lembrou
que o número tradicionalmente bom do mês "não significa coisa nenhuma,
pois o que interessa é o resultado do ano".
Vale ressaltar, também, que o saldo positivo refletiu outros fatores,
como o início de um governo completamente novo e que ainda está se
habituando com os meandros da máquina pública e precisa aprender como
executar seus programas.
A ponderação do secretário do Tesouro, que foi herdado do governo Michel
Temer, é relevante, ainda mais quando se observa que o desempenho do
mês foi até pior, ainda que pouca coisa, do que o verificado no mesmo
período de 2018, quando o saldo positivo, sem atualização, foi de R$
30,8 bilhões. Em 12 meses, o resultado primário do governo central é negativo em mais
de R$ 120 bilhões. Ou seja, a gravidade do problema fiscal brasileiro
não abre espaço para a comemoração presidencial na rede. O desempenho da
Previdência continua muito ruim. E a atividade econômica segue em ritmo
muito lento, impedindo ganhos maiores de arrecadação, tanto a
administrada como a direcionada para financiar aposentadorias e pensões.
Ao tentar faturar politicamente com o desempenho de janeiro, o
presidente parece não entender a gravidade da situação fiscal e
econômica do país e o quanto há por fazer. Essa percepção fica reforçada
após a confusão armada pelos improdutivos tuítes sobre temas
carnavalescos, a infeliz declaração sobre o papel das Forças Armadas na
democracia e a cada vez mais clara falta de articulação na base aliada. Não à toa, o mercado financeiro ficou mais nervoso na última semana. Ao
notar a deterioração do humor dos investidores, que vinham demonstrando
otimismo com o novo governo até antes do carnaval, Bolsonaro resolveu
tentar mostrar um pouco mais de dedicação à defesa da reforma, como já
haviam recomendado insistentemente seus conselheiros e os analistas.
Ainda assim, na chamada "live" realizada na última quinta-feira, o tema
foi abordado sem o tom de prioridade e gravidade com que é tratado por
sua equipe econômica, que considera que a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) enviada ao Congresso no mês passado é um jogo de
vida ou morte para a economia brasileira. Antes, o presidente já
apontara pontos que aceitaria mudar no projeto da reforma sem que a
negociação com o Congresso sequer tivesse começado. De qualquer forma, já é um sinal melhor que o chefe da Nação demonstre
mais comprometimento em defender politicamente a PEC que enviou ao
Congresso. A postura de gastar o enorme capital político originado das
urnas com polêmicas estéreis ou que geram inquietações sobre o tamanho
do seu compromisso com a democracia é simplesmente equivocada.
Por mais que os temas da moral e dos costumes sejam parte fundamental da
agenda política de Bolsonaro, bem exposta na campanha para se eleger, o
programa de ajuste econômico, que em grande medida depende da reforma,
também o é. E o presidente não deveria colocar em risco a mudança
estrutural na Previdência. Tuítes, lives e polêmicas não vão gerar
nenhum emprego ou ponto porcentual a mais de PIB para o Brasil. Mas,
como mostram os estudos do Ministério da Economia, a Previdência deve
ter impactos significativos sobre esses dois pontos e, consequentemente,
para o futuro político de Bolsonaro.
Editorial - Valor Econômico