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segunda-feira, 11 de março de 2019

Comemorações perdidas

Entre um tuíte polêmico e outro, na última semana, o presidente Jair Bolsonaro usou sua rede social preferida também para comemorar o resultado primário positivo registrado pelo governo central, de R$ 30,2 bilhões em janeiro passado. O superávit elevado não é algo mesmo a ser desprezado, mas Bolsonaro exagera, e muito, ao usar o dado como uma suposta prova de que sua gestão já está mudando a cara das contas públicas brasileiras. "Nós estamos mudando o Brasil! Resgatar o crescimento de nossa economia é um dos primeiros passos rumo à prosperidade. Se tudo correr como planejamos, avançando nas mudanças necessárias, o Brasil aumentará consideravelmente seus investimentos. Ganha a população brasileira", disse o presidente em sua postagem no Twitter.
[se Bolsonaro erra, malham: se tuíta, malham; se comemora um resultado bom,. de janeiro, dizem que não é consequência do governo dele; se o resultado é negativo, de janeiro, já dizem que a culpa é do Bolsonaro.
Óbvio que as várias alternativas mostradas se referem a vários órgãos da Imprensa.]

A realidade é que o número forte verificado em janeiro não tem qualquer relação com a nova gestão do país, ainda que o chefe da Economia, o ministro Paulo Guedes, esteja, desde a campanha eleitoral, prometendo zerar o déficit primário neste ano. Os dados de janeiro refletem, como admitiu o próprio secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, na entrevista coletiva para comentar aquele resultado, uma sazonalidade favorável para o período. Lembrou que o número tradicionalmente bom do mês "não significa coisa nenhuma, pois o que interessa é o resultado do ano".
Vale ressaltar, também, que o saldo positivo refletiu outros fatores, como o início de um governo completamente novo e que ainda está se habituando com os meandros da máquina pública e precisa aprender como executar seus programas.
A ponderação do secretário do Tesouro, que foi herdado do governo Michel Temer, é relevante, ainda mais quando se observa que o desempenho do mês foi até pior, ainda que pouca coisa, do que o verificado no mesmo período de 2018, quando o saldo positivo, sem atualização, foi de R$ 30,8 bilhões. Em 12 meses, o resultado primário do governo central é negativo em mais de R$ 120 bilhões. Ou seja, a gravidade do problema fiscal brasileiro não abre espaço para a comemoração presidencial na rede. O desempenho da Previdência continua muito ruim. E a atividade econômica segue em ritmo muito lento, impedindo ganhos maiores de arrecadação, tanto a administrada como a direcionada para financiar aposentadorias e pensões.
Ao tentar faturar politicamente com o desempenho de janeiro, o presidente parece não entender a gravidade da situação fiscal e econômica do país e o quanto há por fazer. Essa percepção fica reforçada após a confusão armada pelos improdutivos tuítes sobre temas carnavalescos, a infeliz declaração sobre o papel das Forças Armadas na democracia e a cada vez mais clara falta de articulação na base aliada. Não à toa, o mercado financeiro ficou mais nervoso na última semana. Ao notar a deterioração do humor dos investidores, que vinham demonstrando otimismo com o novo governo até antes do carnaval, Bolsonaro resolveu tentar mostrar um pouco mais de dedicação à defesa da reforma, como já haviam recomendado insistentemente seus conselheiros e os analistas.
Ainda assim, na chamada "live" realizada na última quinta-feira, o tema foi abordado sem o tom de prioridade e gravidade com que é tratado por sua equipe econômica, que considera que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) enviada ao Congresso no mês passado é um jogo de vida ou morte para a economia brasileira. Antes, o presidente já apontara pontos que aceitaria mudar no projeto da reforma sem que a negociação com o Congresso sequer tivesse começado. De qualquer forma, já é um sinal melhor que o chefe da Nação demonstre mais comprometimento em defender politicamente a PEC que enviou ao Congresso. A postura de gastar o enorme capital político originado das urnas com polêmicas estéreis ou que geram inquietações sobre o tamanho do seu compromisso com a democracia é simplesmente equivocada.
Por mais que os temas da moral e dos costumes sejam parte fundamental da agenda política de Bolsonaro, bem exposta na campanha para se eleger, o programa de ajuste econômico, que em grande medida depende da reforma, também o é. E o presidente não deveria colocar em risco a mudança estrutural na Previdência. Tuítes, lives e polêmicas não vão gerar nenhum emprego ou ponto porcentual a mais de PIB para o Brasil. Mas, como mostram os estudos do Ministério da Economia, a Previdência deve ter impactos significativos sobre esses dois pontos e, consequentemente, para o futuro político de Bolsonaro.
 
Editorial - Valor Econômico
 
 
 
 

sábado, 19 de setembro de 2015

A presidente sem poder

Com um plano de ajuste econômico baseado em aumento de impostos, Dilma Rousseff busca apoio no Congresso. Está difícil 

Existem, na política, líderes e governantes comuns. Os líderes se diferenciam dos governantes comuns pela maneira com que enfrentam crises. Eles veem, nos momentos difíceis, oportunidades para unir o país em torno de reformas amplas, necessárias, estruturais. Ou seja, têm a coragem de fazer o que tem de ser feito. Os casos de Bill Clinton e Margaret Thatcher, que enfrentaram crises econômicas e recolocaram seus países no rumo, são inspiradores. Quando o Brasil perdeu o selo de bom pagador, segundo a classificação da agência Standard & Poor’s, configurou-se no país uma situação parecida. Como se dizia nos tempos em que havia orelhão, caiu a ficha de que havia uma crise grave – e o fato deixou sem discurso mesmo os que, por miopia ou conveniência política, teimavam em negá-la. Há a crise, e há a consciência clara do que tem de ser feito. Economistas de diversos matizes, incluindo Bernard Appy, que trabalhou sete anos em governos petistas, concordam no básico: é hora de cortar gastos no curto prazo, fazer uma reforma estrutural no longo prazo e evitar aumentos de impostos que possam piorar ainda mais a situação. Dilma Rousseff, no entanto, não foi a líder que os brasileiros esperavam, ou precisavam. Sabendo o que precisava ser feito – cortar despesas –, não o fez. Sabendo o que não deveria ter feito – aumentar impostos –, apresentou um pacote que se assenta sobre um tributo cuja implantação trará, entre outros efeitos, a alta nos preços e o aumento do desemprego.

 Capa da nova edição de Época
Nas bancas a partir deste sábado. Já disponível para tablets e smartphones.
Dez minutos antes de o pacote fiscal ser anunciado no salão Oeste do Palácio do Planalto na segunda-feira, dia 14, Dilma ligou para o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Seguiu-se um diálogo protocolar, sem rapapés. Presidente, eu sei que o senhor é contra o aumento de impostos com a recriação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), mas eu gostaria de avisar que isso vai estar no pacote”, disse Dilma. Cunha respondeu com um seco “tudo bem”. Dilma não se limitou a procurar Cunha. A presidente, que é frequentemente acusada de não gostar de articulações, reuniu-se duas vezes com um grupo de parlamentares, líderes e vice-líderes da base aliada. Ela própria fez o convite, e todos riram juntos de algumas piadas. Ao final do primeiro encontro, quando a presidente disse que ligaria para marcar um café da manhã, alguns ironizaram: “Ué, mas a senhora tem o número do nosso celular?”. “Fique tranquilo, a nossa telefonista te acha de um jeito ou de outro”, disse Dilma.

Por trás da encenação política, havia uma tensão indisfarçável. Dilma precisa convencer os parlamentares a aprovar as medidas de ajustes nas contas públicas.  E a maior parte do ajuste proposto virá do aumento de impostos. Seu governo vive um momento que a clínica médica chama de “efeito lazaroide”: até se movimenta politicamente, mas são espasmos descoordenados, involuntários, sem um comando nervoso central. Por mais que tenha se esforçado, mais uma vez Dilma não convenceu.

A chance de o Planalto conseguir aprovar o retorno da CPMF na Câmara é mínima. O corte na própria carne – com a provável fusão de ministérios – foi considerado uma cortina de fumaça para fazer passar o aumento de impostos. “Esse é um pacote de ‘faz de conta’ que, na prática, não corta nada. De tudo o que o governo anunciou, só vai cortar R$ 2 bilhões da própria carne”, diz Eduardo Cunha. Tão logo divulgou os cortes de gastos, o Planalto recebeu sinais de que teria dificuldades para sair vitorioso no Congresso. Dilma escalou então sete governadores que entraram em campo para pressionar pela aprovação do imposto, cujo impacto na arrecadação é de pelo menos R$ 32 bilhões por ano. A comitiva, encabeçada pelo governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, tentou convencer os parlamentares a aumentar a alíquota de 0,20%, conforme sugerido por Dilma, para 0,38%. 

A diferença de 0,18% seria embolsada pelos Estados. A pressão, aparentemente, não deu certo na Câmara, tampouco no Senado. Uma categoria mitológica da política nacional é o poder dos governadores sobre as bancadas estaduais de deputados e senadores. Esse poder é residual. Produz foto, declarações, mas não muda voto no Congresso. O governo diz que a CPMF vai ajudar a tapar o buraco da Previdência e os governadores afirmam que ajudará os Estados, mas, na verdade, esse imposto cria um problema: as empresas vão repassar o custo para o produto final. E quem vai pagar a conta? "O povo brasileiro, claro”, diz o senador Paulo Paim (PT). 

 Fonte:  Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana