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domingo, 22 de janeiro de 2017

A teatralização do uso da tropa

Só a proximidade do carnaval pode explicar o gesto espetacular e “ousado” de Michel Temer de quarta-feira, colocando as Forças Armadas na frigideira das penitenciárias estaduais. Segundo o próprio governo, os militares revistarão celas, mas não terão contato com os presos. Falta combinar com os detentos, para que eles deixem celulares, armas e drogas sobre as camas na hora dessa inspeção. [a missão de efetuar a  inspeção - que seria totalmente inútil e aviltante para as Forças Armadas, passou a segundo plano com a colocação de tropas das Forças Singulares nas ruas de Natal.
O desenlace,  que colocará a inspeção em último plano,  poderá ser:
- os bandidos param suas ações de terror nas ruas - o que inclui, sem estar limitado, incêndio de ônibus e outros veículos, disparos contra órgãos públicos -  e com isso perdem força e moral;
- os bandidos tentam continuar suas ações de intimidação e retaliação pelo terror,  há confronto com as Forças Armadas, serão abatidos, perdendo força e moral;
- outro cenário altamente improvável  é os bandidos continuarem suas ações sem reação das FF AA, o que seria a desmoralização das tropas o que não ocorrerá;
- a última alternativa, também impossível, seria as tropas federais perderem o confronto com os marginais.
Sem sombra de dúvidas,os dois primeiros cenários são mais prováveis e qualquer um deles permitirá que a própria polícia realize ações de varredura e os bandidos não reagirão pelo simples fato de estarem cientes que qualquer ação de resistência provocará imediata reação da polícia e o crime perderá mais uma vez.
Para a Sociedade, o cenário ideal é o segundo - resultará na eliminação de lideranças de bandidos, lideranças menores mas lideranças - e ficará mais fácil a retomada total do controle dos presídios.]  

Desde 2014, quando o Exército foi usado para combater o crime na favela da Rocinha, as Forças Armadas têm sido mobilizadas em operações espetaculosas da marquetagem política. O grande palco desse teatro sempre foi o Rio de Janeiro. Ora ocupava-se a Rocinha como se fosse uma praia da Normandia, ora tomava-se a o Morro do Alemão, como se fosse Stalingrado. As duas comunidades estão na mesma, o teleférico do Alemão está parado desde outubro, e o ex-governador Sérgio Cabral está em Bangu 8 desde novembro. [o grande erro de toda a defraudar da eficácia das UPP' foi a ocupação das favelas com dia e hora marcados - possibilitando a fuga dos traficantes, levando todo o estoque de drogas e armas - e  após a aparente consolidação das ocupações a retirada das tropas federais, deixando apenas um pequeno efetivo nas UPP', o que facilitou  retorno dos marginais e a reocupação do território do qual nunca foram expulsos, apenas se ausentarem temporariamente.]
 
O uso da tropa em questões de segurança pública funciona quando é pontual e ostensiva. Ela pode levar a paz às ruas de Natal, mas não resolverá o problema da segurança na cidade. A força militar não remedia problemas de comunidades ou penitenciárias onde o poder público capitulou. Como ensinava o general Leônidas Pires Gonçalves, “em quartel não há algemas”. 

Admita-se que a ação das Forças Armadas irá além da alegoria. Suponha-se que o coronel comandante de regimento informa ao general que o diretor do presídio tem negócios com a bandidagem. O general informa ao ministro que há promiscuidade entre as quadrilhas e a cúpula da segurança do estado, e o ministro leva essas informações ao presidente. Em diversos presídios e estados isso pode ser feito em questão de horas, a partir da leitura dos jornais. Em outubro passado, quando a ministra Cármen Lúcia foi a Natal, os hierarcas locais disseram-lhe que não deveria inspecionar a penitenciária de Alcaçuz, pois lá a situação estava “fora de controle.” Estava, e deu no que deu.

A teatralização da mobilização militar teve um dos seus momentos mais ridículos quando a presidente Dilma Rousseff anunciou que “nós estamos mobilizando, da parte do governo federal, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, para nos ajudar nessa ação de prevenção ao vírus zika”. Ministros vestiram camisetas e saíram por aí procurando pneus abandonados. O então presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que era acompanhado por uma patrulha do Exército, achou um numa rua de Brazlândia, a 50 quilômetros de Brasília. Era teatro. 

O ano de 2016 terminou com 1.638 casos de microcefalia produzidos pelo vírus transmitido pelo mosquito. Dilma foi embora, veio Temer prometendo um governo de “salvação nacional”, e o problema chama-se febre amarela.

Fonte: O Globo