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domingo, 30 de janeiro de 2022

Como pular do fogo do ensino público para a frigideira do ensino privado - Gazeta do Povo


Educação - Bruna Frascolla
Foto de perfil de Bruna Frascolla
 
Uma reação comum quando se fala da ideologização no ensino público é atribuir o problema ao fato de ser público
Trata-se de um legado petista para o senso comum brasileiro: a panaceia da privatização. Antes do PT, tínhamos uma boa imagem dos Correios e das universidades federais. 
Essa boa imagem era parcialmente injustificada, já que sempre houve nas federais mais ideologia do que o desejável. 
Ainda assim, ninguém na década de 90 esperaria encontrar alunos pelados, de quatro, arreganhando a bunda e dizendo que isso é arte
Uma coisa era o marxista chique de gola rulê tentando vender sua ideologia entre uma e outra baforada de charuto cubano. 
Outra coisa, bem diferente, é a escatologia normalizada. Isso é posterior à gerência do Ministro Haddad. 
E foi isso que fez com que, pela primeira vez, os pais comuns, despolitizados, temessem, e não mais desejassem, o ingresso dos seus filhos numa federal. Será que o sistema público é tão ruim, ou não fará sentido dizer que o PT esculhambou uma coisa que poderia ser melhor? A resposta a isso eu vou chamar de consenso liberal: o PT só fez o que fez porque era possível. O Estado tem que ser mínimo para não ficar oscilando ao sabor dos mandatários eleitos de quatro em quatro anos. Até aí, tudo bem. O problema é que disso se segue a panaceia da privatização: se todo o ensino brasileiro fosse privado, estaria tudo bem!

Monopolista privado também é ideológico
Nem bem o rótulo “liberalismo” foi reabilitado no pós-PT, os eleitores de Haddad, aqueles esquerdistas “moderados” o tomaram para si. 
A esquerda brasileira se americanizou com o PT, e hoje tudo é coisa de mulher, negro, LGBTQUIABO e girafas da Amazônia. 
Perdendo cada vez mais o pudor, a “esquerda moderada” passou a aderir abertamente à cartilha de grandes corporações. As suas novas pautas cabem na sigla ESG (Governança Ambiental e Social, em inglês), inventada no mundo corporativo para o mundo corporativo. E que é o mesmo pacote ideológico que casa identitarismo (ou wokismo, ou progressismo, ou globalismo – chamem como quiser) com mau ambientalismo.
 
Hoje, é tendência global exigir das empresas a adesão ao ESG para poderem ser listadas na bolsa. A Nasdaq já exige quotas para mulheres e LGBTQUIABOs nos conselhos das empresas. Agora imaginemos: no que depender dessas empresas e elas mandam mais do que muito governo inclusive porque financiam parlamentares e ONGs –, quanto tempo falta para obrigar todas as empresas a terem quotas para mulheres, negros e LGBTQUIABOs? 
Basta alegar que quem não seguir tais quotas é racista, machista e homotransfóbico, que toda uma certa imprensa apoiará a medida e difamará os seus críticos. 
Nisso, fecham-se as empresas pequenas, que não têm condições de contratar mulheres, negros, transexuais, anões, e o que mais calhar, só para preencher a quota da lei.
 
[BOM LEMBRAR:
Não Criarás a Prosperidade se desestimulares a poupança.
Não fortaleceras os fracos por enfraqueceres os fortes.
Não ajudaras o assalariado se arruinares aquele que o paga.
Não estimularás a fraternidade humana se alimentares o ódio de classes.
Não ajudarás os pobres se eliminares os ricos.
Não poderás criar estabilidade permanente baseada em dinheiro emprestado.
Não evitarás as dificuldades se gastares mais do que ganhas.
Não Fortalecerás a dignidade e o anônimo se Subtraíres ao homem a iniciativa da liberdade.
Não poderás ajudar os homens de maneira permanente se fizeres por eles aquilo que eles podem e devem fazer por si próprios.
Abraham Lincoln.]

E quantas empresas não podem ser fechadas com leis ambientais restritivas de aplicação seletiva? Conversando com pequeno produtor rural, a gente descobre fácil que aquele selo de orgânico é pago e é caro; serve para limitar concorrência. E se o selo de orgânico se tornar obrigatório? Basta mostrar imagens de girafas morrendo queimadas por produtores rurais na Amazônia, e uma certa imprensa apoiará a medida. Quem disser que não tem girafa na Amazônia vai preso por fake news e discurso de ódio contra girafas.

Então podemos dizer que o âmbito estatal está longe de ser o monopolista da ideologização. A nossa visão se clareia se considerarmos que existe um grupo político de veio totalitário, e que esse grupo migrou do Estado para as corporações. Não faz o menor sentido supormos que trocar o ensino público pelo privado acabará com a ideologização. Basta que o ensino caia na mão desses monopolistas da ESG.

Um cenário tenebroso e factível
O que os esquerdistas “moderados” que se dizem liberais não defendem é o livre mercado. Defendem monopolistas, e fazem isto às expensas tanto dos pequenos e médios, quanto da livre escolha do cidadão.

Vejamos o caso da pandemia. A política do confinamento foi adotada como verdade inquestionável, muito embora fosse radicalíssima e, de fato, questionável
Se no caso da imposição das vacinas de Covid é fácil apontar o interesse das Big Pharma, que as vendem para os governos, no caso dos confinamentos muitos apontaram, corretamente, que empresas como a Amazon e o Magazine Luiza tinham tudo para ganhar com a situação, pois quebravam os pequenos e levavam seus clientes.

Ora, outro setor que quebrou com a imposição do confinamento foi o da educação privada. Falidos, os pais passaram a dever mensalidades e as escolas afundaram em dívidas. O resultado disso, no Brasil, foi a compra de vários conglomerados educacionais por Jorge Paulo Lehmann. Ele, que já era o monopolista das cervejas, passou a ser também o monopolista da educação básica. Hoje seu conglomerado de educação básica, o Eleva, é um dos maiores do mundo.

Lehmann é o patrono de Tabata Amaral, que se diz defensora da educação. Que tipo de escola Lehmann ofereceria ao público?

Foquemos ainda em Tabata. Onde houver uma “causa nobre” que envolva compra pelo Estado e distribuição para a população, lá estará ela. Na última vez, foi o caso da bolsa modess. A P&G, que fabrica modess, cunhou a expressão “pobreza menstrual”, arranjou estudos para partir o coração do público e disse que o Estado tinha que comprar modess. E lá estava Tabata para combater a “pobreza menstrual”. É isso que é ser “de esquerda” e “liberal” hoje.

Agora olhemos para o ensino superior privado. Com o PT, o Fies e o Prouni passaram a despejar dinheiro público nos bolsos de conglomerados estrangeiros que saíram comprando as faculdades particulares brasileira. A prática do EAD se disseminou e, ao contrário do que muita gente imagina, trata-se simplesmente de aulas gravadas: a empresa paga a um professor para dar aulas uma vez e não os mantém em seus quadros. 
Disso resulta, para o alunado, que as aulas são todas iguais Brasil afora. Já no ensino básico, estamos familiarizados com módulos, que também podem ser iguais Brasil afora. 
Agora imaginem se um Lehmann consegue um megacontrato com o Estado para se responsabilizar pelo ensino das crianças pobres: como não será esse material didático? 
Tenho todos os motivos para crer que seja tão lacrador quanto Tabata, sua aluna modelo.

O cenário que eu enxergo como muito factível no Brasil é a substituição do ensino público pelo privado. Mas isso tende a acontecer com a queda da qualidade (sempre é possível piorar) e da liberdade. Porque você vai fugir de uma escola e encontrar outra igualzinha, com as mesmas aulas gravadas e as mesmas apostilas.

domingo, 12 de dezembro de 2021

A briga inútil do capitão com o almirante da Anvisa - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo

Agência tem razões para se orgulhar de sua conduta durante a pandemia. Barra Torres preservou a credibilidade da instituição, e evitou bate-bocas e provocações

Bolsonaro pintou-se para uma nova guerra: “Estamos trabalhando agora com a Anvisa, que quer fechar o espaço aéreo. De novo, porra? De novo vai começar esse negócio?”

A Anvisa nunca sugeriu que se fechasse o espaço aéreo mas, diante do surgimento de uma nova variante do vírus, o presidente anteviu uma nova batalha. Ele não gosta da vacinação, preferia cloroquina e prefere viver no mundo da negação, supondo que com isso defende a economia. Há um ano, Bolsonaro dizia que a vacina CoronaVac não seria comprada. Comprou-a. Condenava o isolamento social e teve que aceitá-lo.

De fato, pode ser que comece tudo de novo, porque o governador João Doria anunciou que instituirá o passaporte de imunização em São Paulo. Ele comprou a vacina chinesa e em janeiro começou a aplicá-la. [o 'joãozinho', segundo Bolsonaro o 'calcinha apertada' faz qualquer coisa para chamar atenção e o método mais eficiente para ter êxito é ser contra Bolsonaro.]

Arrumou um ministro da Saúde capaz de dizer que prefere perder a vida à liberdade, como se esse dilema estivesse na mesa. Depois de ter fritado dois ministros que tomaram o partido da ciência e de ter amparado um general desastroso, o capitão sente-se confortável com o médico Marcelo Queiroga. É seu estilo, mas não precisava chamar a Agência de Vigilância Sanitária para a briga. Primeiro, porque a Anvisa é um órgão independente. Além disso, porque está atirando em um quadro de sua tropa, o médico e almirante Antonio Barra Torres, cujo pecado seria ter traçado uma linha no chão, além da qual não pisaria.
O Brasil está chegando perto da marca de 300 milhões de doses aplicadas, com cerca de 65% da população imunizada. Apesar disso, Bolsonaro prefere procurar uma nova briga.

Barra Torres pode ser visto como um exemplo do oficial que atendeu ao chamado do capitão. Militar e cavaleiro da Ordem de Malta, foi colocado na direção da Anvisa e em março de 2020, quando os mortos pela Covid eram cinco, acompanhou Bolsonaro numa manifestação que desafiava a pandemia e o Supremo Tribunal Federal. Ele não se entendia com o ministro Luiz Henrique Mandetta e tinha tudo para virar um daqueles aloprados que o general Pazuello levaria logo depois para o Ministério da Saúde.

Recusou-se a patrocinar as virtudes da cloroquina e disse coisas desagradáveis, tais como: “Estamos trabalhando no mundo real, que é o mundo científico”, ou “Vamos deixar de bobagem e vamos vacinar”.

Quando foi pressionado, o almirante deu um recado críptico: “Meu limite está muito longe ainda. Tenho 32 anos de treinamento militar”. Como tem mandato e dirige uma agência independente, não cabia na frigideira em que foi jogado o general Santos Cruz. O almirante preservou a credibilidade da Anvisa, evitou bate-bocas e provocações. Não se colocou como um ativo contraponto à disseminação de superstições.

(...)

Destruição criadora
A financeira digital Nubank tornou-se o banco privado mais valioso da América Latina, superando as grandes casas brasileiras. Seu valor de mercado chegou a US$ 47,6 bilhões. Conseguiu isso em apenas oito anos de operações.
Oito anos parecem ser um tempo mágico para a destruição criadora do capitalismo no mercado financeiro de Pindorama. Fundado em 1943, o Bradesco tornou-se o maior banco privado do país em 1951. Como?

Amador Aguiar, seu patriarca, percebeu que os grão-senhores da banca não gostavam de gente com poucos sobrenomes e sapatos sujos. Diante disso, decidiu que as mesas dos gerentes ficariam na entrada das agências e os funcionários deveriam ajudar os clientes a preencher cheques. Em algumas cidades do Paraná, as agências do Bradesco chegavam antes da luz elétrica.

O Nubank e seus similares fazem coisa parecida no mundo digital de hoje, correndo atrás de uma fatia de consumidores deixada de lado pela grande banca. Facilitam os contatos com a clientela e abrem mão de taxas lucrativas, porém antipáticas.

Destruição destruidora
A gigantesca United Health, dona da operadora brasileira Amil, livrou-se de sua carteira de planos de saúde individuais, com 370 mil clientes. Pagou R$ 3 bilhões a uma financeira para que ela ficasse com os contratos e suas obrigações.
Para a empresa, foi um bom negócio, porque a operação dava prejuízo. Só o tempo dirá o que acontecerá com os clientes.

Na melhor das hipóteses, fica tudo igual.
Na pior, os clientes vendidos, quando desatendidos, deverão recorrer à Justiça.

No século XIX, a Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro pôs um anúncio nos jornais pedindo aos donos de pessoas escravizadas que parassem de depositar negros doentes em seus cemitérios.

A Covid de Trump
Mark Meadows, chefe de gabinete de Donald Trump, revelou que o presidente-machão que desafiava o coronavírus foi ao debate com Joe Biden em outubro do ano passado tendo testado positivo para a Covid. Dias depois, levaram-no para o hospital com a taxa de oxigenação do sangue em 86%, indicando perigo para um homem de sua idade.

Melhorou a marca do tempo que se passa para que se conheça o estado de saúde de um presidente americano. 
A patranha segundo a qual estava tudo bem levou pouco mais de um ano para prevalecer.
Em 1963, depois de levar um tiro na cabeça, o presidente John Kennedy chegou morto ao hospital, mas esse detalhe levou tempo para ser aceito.

Em 1981, o presidente Ronald Reagan tomou um tiro no peito e sua turma espalhou que ele entrou no hospital fazendo piadas. Era mentira. Com um pulmão perfurado, tiraram-no do bico do urubu.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

‘Quartel não tem algemas’

Soldados não deveriam patrulhar ruas, nem os militares devem ficar com a conta dos erros dos governos

O general Leônidas Pires Gonçalves comandou o Exército de 1985 a 1990. Foi um daqueles chefes militares que viram de tudo. Em 1945, estava na cena da deposição de Getúlio Vargas. Em 1961, na escuta dos telefonemas de João Goulart durante a crise da renúncia de Jânio Quadros. Em 1964, viu quando o general Costa e Silva começou a emparedar o marechal Castelo Branco. Em 1984, foi um dos generais que garantiram a eleição de Tancredo Neves. Como ministro do Exército de José Sarney, manteve a disciplina na tropa, inclusive quando enquadrou o jovem capitão Jair Bolsonaro, que emergia como uma espécie de liderança sindical militar. Leônidas ensinava: “Quartel não tem algemas”.

[visto que a matéria cuida do lamentável incidente da morte do músico, cabe lembrar que os soldados não estavam patrulhando ruas e sim uma área de segurança, por sediar a Vila Militar.]

Ele era o ministro do Exército em 1988, quando mandou uma tropa para desocupar a usina de Volta Redonda, ocupada por grevistas, e morreram três operários. Passaram-se 31 anos, e uma patrulha do Exército disparou 80 tiros contra o carro que conduzia uma família e matou o motorista. “Quartel não tem algemas”, os soldados não são profissionais treinados para operações policiais, e quando acontece uma dessas tragédias, quem vai para a frigideira são recrutas, um sargento ou, no máximo, um jovem oficial. Em menos de 24 horas, o comando do Exército prendeu dez militares envolvidos na fuzilaria do Rio. A informação inicial, falsa, de que a patrulha respondeu a “injusta agressão”, foi substituída pelo “compromisso com a transparência”.

Há épocas em que as eternas vivandeiras pedem aos militares que façam isso ou aquilo. A ideia de botar a tropa nas ruas do Rio podia parecer “golpe de mestre”, mas é apenas a criação de novos problemas. Passa o tempo, as vivandeiras vestem as camisetas da ocasião e mandam a conta para os quartéis. Jair Bolsonaro entrou no Palácio do Planalto com um discurso popular de defesa da lei e da ordem, confundindo-se com as Forças Armadas. Há dias o presidente disse que “nasci para ser militar”. Só ele pode falar da própria vocação mas, de cadete a capitão, foi militar durante 14 de seus 64 anos de vida e deixou a carreira marcado por 15 dias de prisão por indisciplina. Daí em diante, Bolsonaro foi parlamentar por 29 anos. Parece mais precisa a avaliação de seu vice, Hamilton Mourão, para quem ele é “mais político do que militar”.
O general Mourão formulou uma perigosa profecia: “Se nosso governo falhar, errar demais, não entregar o que está prometendo, essa conta irá para as Forças Armadas, daí a nossa extrema preocupação.”

Isso não deve acontecer. Primeiro, porque as Forças Armadas não são o governo. Há cerca de cem militares na nova administração, mas quase todos estão na reserva, inclusive Mourão. Apesar de poucas manifestações impróprias durante a campanha eleitoral, nos quartéis prevaleceram a disciplina e o silêncio. Três dos quatro comandantes do Exército deste século não disseram uma única palavra. Ganha um fim de semana em Caracas a vivandeira que lembrar os nomes desses generais.
Nenhuma conta pode ir para as Forças Armadas, a menos que se trapaceie o jogo, coisa que ocorreu no ocaso da ditadura, quando o andar de cima vestiu camisetas amarelas, foi para a campanha das Diretas e jogou o entulho do regime na porta dos quartéis.

Quem namora a ideia da expansão das atribuições dos militares sonha com impasses, talvez um conflito com o Congresso. Nesse sonho, “se o governo falhar”, as Forças Armadas ficariam com a conta. A conta será do governo. Os militares, calados, estão na mesa ao lado.

Elio Gaspari, jornalista - O Globo
 

domingo, 22 de janeiro de 2017

A teatralização do uso da tropa

Só a proximidade do carnaval pode explicar o gesto espetacular e “ousado” de Michel Temer de quarta-feira, colocando as Forças Armadas na frigideira das penitenciárias estaduais. Segundo o próprio governo, os militares revistarão celas, mas não terão contato com os presos. Falta combinar com os detentos, para que eles deixem celulares, armas e drogas sobre as camas na hora dessa inspeção. [a missão de efetuar a  inspeção - que seria totalmente inútil e aviltante para as Forças Armadas, passou a segundo plano com a colocação de tropas das Forças Singulares nas ruas de Natal.
O desenlace,  que colocará a inspeção em último plano,  poderá ser:
- os bandidos param suas ações de terror nas ruas - o que inclui, sem estar limitado, incêndio de ônibus e outros veículos, disparos contra órgãos públicos -  e com isso perdem força e moral;
- os bandidos tentam continuar suas ações de intimidação e retaliação pelo terror,  há confronto com as Forças Armadas, serão abatidos, perdendo força e moral;
- outro cenário altamente improvável  é os bandidos continuarem suas ações sem reação das FF AA, o que seria a desmoralização das tropas o que não ocorrerá;
- a última alternativa, também impossível, seria as tropas federais perderem o confronto com os marginais.
Sem sombra de dúvidas,os dois primeiros cenários são mais prováveis e qualquer um deles permitirá que a própria polícia realize ações de varredura e os bandidos não reagirão pelo simples fato de estarem cientes que qualquer ação de resistência provocará imediata reação da polícia e o crime perderá mais uma vez.
Para a Sociedade, o cenário ideal é o segundo - resultará na eliminação de lideranças de bandidos, lideranças menores mas lideranças - e ficará mais fácil a retomada total do controle dos presídios.]  

Desde 2014, quando o Exército foi usado para combater o crime na favela da Rocinha, as Forças Armadas têm sido mobilizadas em operações espetaculosas da marquetagem política. O grande palco desse teatro sempre foi o Rio de Janeiro. Ora ocupava-se a Rocinha como se fosse uma praia da Normandia, ora tomava-se a o Morro do Alemão, como se fosse Stalingrado. As duas comunidades estão na mesma, o teleférico do Alemão está parado desde outubro, e o ex-governador Sérgio Cabral está em Bangu 8 desde novembro. [o grande erro de toda a defraudar da eficácia das UPP' foi a ocupação das favelas com dia e hora marcados - possibilitando a fuga dos traficantes, levando todo o estoque de drogas e armas - e  após a aparente consolidação das ocupações a retirada das tropas federais, deixando apenas um pequeno efetivo nas UPP', o que facilitou  retorno dos marginais e a reocupação do território do qual nunca foram expulsos, apenas se ausentarem temporariamente.]
 
O uso da tropa em questões de segurança pública funciona quando é pontual e ostensiva. Ela pode levar a paz às ruas de Natal, mas não resolverá o problema da segurança na cidade. A força militar não remedia problemas de comunidades ou penitenciárias onde o poder público capitulou. Como ensinava o general Leônidas Pires Gonçalves, “em quartel não há algemas”. 

Admita-se que a ação das Forças Armadas irá além da alegoria. Suponha-se que o coronel comandante de regimento informa ao general que o diretor do presídio tem negócios com a bandidagem. O general informa ao ministro que há promiscuidade entre as quadrilhas e a cúpula da segurança do estado, e o ministro leva essas informações ao presidente. Em diversos presídios e estados isso pode ser feito em questão de horas, a partir da leitura dos jornais. Em outubro passado, quando a ministra Cármen Lúcia foi a Natal, os hierarcas locais disseram-lhe que não deveria inspecionar a penitenciária de Alcaçuz, pois lá a situação estava “fora de controle.” Estava, e deu no que deu.

A teatralização da mobilização militar teve um dos seus momentos mais ridículos quando a presidente Dilma Rousseff anunciou que “nós estamos mobilizando, da parte do governo federal, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, para nos ajudar nessa ação de prevenção ao vírus zika”. Ministros vestiram camisetas e saíram por aí procurando pneus abandonados. O então presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que era acompanhado por uma patrulha do Exército, achou um numa rua de Brazlândia, a 50 quilômetros de Brasília. Era teatro. 

O ano de 2016 terminou com 1.638 casos de microcefalia produzidos pelo vírus transmitido pelo mosquito. Dilma foi embora, veio Temer prometendo um governo de “salvação nacional”, e o problema chama-se febre amarela.

Fonte: O Globo
 

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O janeiro negro do Planalto



Se alguém planejasse, não armaria tantas trapalhadas para que tantas coisas dessem errado em tão pouco tempo
A eleição do deputado Eduardo Cunha para a presidência da Câmara foi apenas um detalhe na trajetória de um governo que parece ter feito uma opção preferencial pela trapalhada. Vale a pena atrasar o relógio.

A doutora Dilma ainda estava de férias e, em seu nome, saiu do Planalto a bala perdida que acertou a testa do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Levou-o a um recuo público desnecessário, apenas humilhante, por causa de um comentário genérico sobre o salário-mínimo. Pouco depois, veio outra bala perdida, desta vez na direção do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, por ter dito que os critérios do seguro-desemprego estavam ultrapassados, coisa já anunciada pelo seu antecessor. Isso num governo que pretende carregar a bandeira de uma “pátria educadora", e cortou verbas do Ministério da Educação. Deu-se um apagão no sistema elétrico e o ministro de Minas e Energia prontamente informou que foi um acidente. A área técnica do governo desmentiu-o no ato.

Nenhuma dessas coisas precisava ter acontecido. Pátria educadora" é conversa fiada. O Planalto não precisa atirar nos seus próprios ministros. O doutor das Minas e Energia não precisava dizer o que disse. Finalmente, se Eduardo Cunha tinha uma “ascendência irreversível" na Casa, a doutora deveria ter percebido que iria para frigideira com o petista Arlindo Chinaglia. 

Quem seria preferível para presidir a Casa: um petista, ou qualquer um? Conseguiu-se o milagre de dar conteúdo oposicionista ao doutor Cunha. Se a desarticulação política do Planalto e do PT tornavam a derrota inevitável, o ronco de poder emitido pelo comissariado nas últimas semanas foi apenas uma opção preferencial pela trapalhada. Um miado de leão, rugido de gato.

Essas foram iniciativas equivalentes à do sujeito que resolve atravessar a rua para escorregar na casca de banana da outra calçada. Verdadeira mágica, porque do outro lado da rua havia só a banana de Cunha. Na calçada em que anda o Planalto há cachos. O ano de 2014 fechou com o maior déficit das últimas décadas, desmentindo 12 meses de sucessivas lorotas. A Petrobras teve seu crédito rebaixado e suas ações valem menos que dois cocos em Ipanema. Isso e mais a certeza de que a Operação Lava-Jato vai desentranhar as contas do PT. (A regulamentação da Lei Anticorrupção está engavetada há um ano.)

O governo resolveu inflar seus desastres porque, na batalha da comunicação, egocentrismo e megalomania abafam a rotina. Mesmo assim, nem tudo são espinhos. Esse mesmo governo mandou passear o lobby das concessionárias de energia que pretendia espetar na Viúva uma conta de R$ 2,5 bilhões. Mandou passear também os clubes de futebol com suas dívidas de pelo menos R$ 1,5 bilhão. Muito justamente reduziu o crédito estudantil para jovens com desempenho pouco acima do medíocre no Enem. Contrariou os barões das escolas privadas, mas conteve a privatização de seus recursos. Essa batalha ainda não terminou, como ainda não entrou em cena a das operadoras de saúde, começada nos dias das festas de fim de ano.

Resta à doutora Dilma um consolo. Na oposição, a única novidade é que Aécio Neves deixou a barba crescer.

Por: Elio Gaspari, jornalista