Bolsonaro quer refundar o país. Lula também queria, acabou prisioneiro
do mensalão e das maracutaias na Petrobras. Dilma naufragou, abraçada à
“nova matriz econômica”. À sua maneira, os três interpretaram a vitória eleitoral como “força do
povo” para a concentração de poder na Presidência, relegando ao segundo
plano as instituições representativas, Câmara e Senado. A definição
disso é: autoritarismo. E essa concepção não tem futuro, como ensina a
história ou se pode ver na Venezuela.
A retórica de Bolsonaro sobre a “velha política” é mera contrafação de
um discurso de Lula em 1993: “Há no Congresso uma maioria de uns 300
picaretas que defendem apenas seus próprios interesses”. A frase de Lula inspirou Herbert Vianna na ácida letra de “Luis Inácio”
para os Paralamas do Sucesso. Por ironia, a canção foi censurada a
pedido do procurador da Câmara, o deputado mineiro Bonifácio Tamm de
Andrada. Na época, Bolsonaro integrava o baixo clero do Congresso.
Agora, na Presidência, avança célere para o isolamento a bordo de um
projeto de ruptura. Não construiu maioria com sua “nova política”, mas
se diz eleito pela “vontade de Deus”. Convicto da “missão que me foi
dada”, aposta na Providência.
Bolsonaro já está imobilizado no confronto com o Congresso. Das sete
Medidas Provisórias, seis projetos de lei e uma proposta de emenda à
Constituição que enviou em 12 semanas, nenhuma teve andamento. Ele sabe o significado. Como deputado apresentou 172 projetos. Só
conseguiu aprovar três — um deles permitia a venda de uma inócua “pílula
do câncer” (fosfoetanolamina).
Acomodava-se no fracasso alegando “discriminação” ideológica. Acena
agora com a repetição da fórmula, como justificativa para governar acima
das instituições. É um flerte com o desastre. Entrou em rota de colisão com um Congresso
aparentemente coeso e disposto ao uso da sua força institucional. Entre
outras coisas, corre o risco de ser surpreendido por uma reforma da
Previdência Social divergente da proposta que assinou.