Relatório sobre situação dos direitos humanos na Venezuela foi recebido pela esquerda com silêncio
É embaraçoso o silêncio da esquerda sobre o relatório da ex-presidente
chilena Michelle Bachelet a respeito da situação dos direitos humanos na
Venezuela.
Enquanto uma parte da esquerda aceitou acriticamente as explicações do
governo Maduro, a outra parte preferiu um silêncio constrangido para não
se indispor com o primeiro grupo e abalar a unidade do campo num
momento em que o inimigo é o “fascismo”. A decência, porém, indica uma
enérgica dissociação com o monstro bolivariano, inepto e totalitário. O relatório lançado na última quinta-feira mostra um retrato assustador
do que a Venezuela se tornou, com uma mistura de devastação econômica,
corrupção generalizada, supressão de direitos civis e perseguição
política.
A FAO estima que há 3,7 milhões de pessoas subnutridas no país (12% da
população). O salário mínimo de US$ 7 por mês (cerca de R$ 28) permite
comprar apenas 4,7% de uma cesta básica. Embora o governo subsidie e distribua alimentos, há denúncias abundantes de que a distribuição está
condicionada a apoio político e é completamente insuficiente —mulheres
gastam em média dez horas por dia em filas para conseguir alimentos. O acesso à saúde também é calamitoso. A falta de medicamentos em
hospitais nas quatro maiores cidades do país varia de 60% a 100%. Apenas
entre novembro de 2018 e fevereiro de 2019, 1.557 pessoas morreram por
falta de suprimentos nos hospitais.
As liberdades civis e políticas também não são respeitadas. Além do fechamento de jornais e da não renovação por motivos políticos
de concessões de radiodifusão, o governo prendeu e expulsou do país
centenas de jornalistas. Além disso, bloqueou o acesso a websites e a
plataformas de mídia social. Apenas em 2018, 24 pessoas foram presas por
publicações nas mídias sociais. Desde 2016 o país vive em um estado de exceção que confere ao presidente
amplos poderes discricionários sob pretexto de manter a “ordem
interna”. O decreto que o instituiu é renovado a cada 60 dias.
Dissidentes políticos são invariavelmente tratados como “traidores” e
“agentes desestabilizadores”. Desde 2014, pelo menos 15 mil pessoas
foram presas por motivos políticos. A tortura desses presos se tornou
uma prática rotineira, com choques elétricos, sufocamentos e violência
sexual. É chocante pensar que um retrato como esse possa ser respondido com
alegações de que as fontes do relatório não foram oficiais, de que a
culpa da situação econômica é apenas das sanções dos Estados Unidos e de
que na Venezuela não há preso político. Também é chocante que o
relatório possa ser respondido com silêncio.
Pablo Ortellado - Folha de S. Paulo