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domingo, 19 de fevereiro de 2023

Mentiras alimentam a fome no Brasil - Revista Oeste

Joice Maffezzolli

De onde surgiram os 33 milhões de famintos que os aliados de Lula usam como moeda política e a CNBB vai resgatar na Campanha da Fraternidade

Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock  
 

“Nós, com meio por cento do PIB, acabamos com a fome entre 2003 e 2010. Acabou. Ninguém mais ouvia falar. Você não via criança no sinal de trânsito. Não tinha mais.” É uma frase como essa, dita pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na manhã da quarta-feira 15, no coração da Avenida Faria Lima, em São Paulo, que separa o verdadeiro drama da fome de quem faz política com o prato vazio no Brasil.

Na contramão da velha mídia politicamente correta, a reportagem de Oeste escolheu o caminho mais difícil para tratar do tema: quais são os dados reais sobre a fome no país? Quem financia essas pesquisas? Onde estão os 33 milhões de famintos?  
E, principalmente, por que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) embarcou no sensível discurso sem filtro?  
O tema bíblico da Campanha da Fraternidade é: “Dai-lhes vós mesmos de comer”.

A primeira resposta possível está numa pesquisa encomendada no ano passado ao Instituto Vox Populi e à Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional). Chama-se “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 (Vigisan)”. A Penssan é formada por profissionais de esquerda ligados a instituições públicas de ensino e pesquisa e foi criada com apoio financeiro de entidades nacionais e estrangeiras. Entre ela, a Fundação Friedrich Ebert (Alemanha), Fundação Ford (Estados Unidos) e Oxfam e ActionAid (Inglaterra). Em outubro de 2021, Lula e Martin Schulz, presidente da Friedrich Ebert, encontraram-se em Berlim. Em agosto de 2018, o empresário já havia visitado Lula na prisão em Curitiba.

Uma das referências do projeto da Penssan se chama José Graziano. Ele foi nomeado em 2003 para ser ministro de um programa que nunca existiu: o Fome Zero é uma fábula, uma embalagem tão ruim que até o PT o largou pelo caminho
Como o programa deu errado, Lula o indicou para um cargo decorativo na FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura).

José Graziano da Silva | Foto: Divulgação

Publicado em 2022, o Vigisan foi usado como base para que a CNBB afirmasse em seus relatórios que “o Brasil é considerado o celeiro do mundo, mas carrega uma grande contradição”. Qual contradição? Nessa resposta começa o problema: “A fome é real e atinge hoje cerca de 33 milhões de brasileiros”. De onde surgiu esse número?

Para afirmar que o Brasil tem 33 milhões de famintos, a Penssan comparou dois inquéritos encomendados a ela mesma. O primeiro levantamento foi realizado em dezembro de 2020, no primeiro ano da pandemia, em 2.180 domicílios localizados nas cinco regiões do país. O resultado dizia que 9% da população — 19 milhões de brasileiros — estava em situação de vulnerabilidade alimentar. Ou seja, alarmante, muita gente.

A segunda sondagem foi pior, porque teve uma abrangência maior: durante seis meses — de novembro de 2021 a abril de 2022 —, os pesquisadores visitaram 12.745 domicílios
A conclusão foi que 15% dos brasileiros estavam passando fome. 
Foi essa pesquisa que deu origem aos 33 milhões de famintos no Brasil.

Margem de erro
Assim como a fala de Haddad sobre os meninos no semáforo, os 33 milhões de famintos geraram muito ruído em ano eleitoral. De novo: por que a Igreja Católica embarcou? O vereador Rodinei Candeia, da cidade gaúcha de Passo Fundo, afirma que, na romaria de São Miguel, a mais tradicional do interior do Rio Grande do Sul, um bispo e seis sacerdotes citaram a pesquisa para atacar o então presidente Jair Bolsonaro, em plena campanha eleitoral.

“Logo na apresentação, há uma declaração de apoio ao governo do PT, fixando a data que as políticas públicas eram válidas, até 2016, e a partir daí entra num rumo de insegurança”, afirmou. “Foi um ato político, muito bem pensado e organizado, para atacar o governo federal e fortalecer o discurso de Lula e da esquerda”

A pesquisa, realizada em plena pandemia de covid-19, era baseada em oito perguntas. O corte temporal é explícito. Todas as questões dizem respeito exclusivamente ao sentimento de cada entrevistado nos últimos três meses:

Nos últimos três meses, os moradores deste domicílio tiveram a preocupação de que os alimentos acabassem antes de poder comprar ou receber mais comida?

Nos últimos três meses, os alimentos acabaram antes que os moradores tivessem dinheiro para comprar mais comida?

Nos últimos três meses, os moradores ficaram sem dinheiro para ter uma alimentação saudável e variada?

Nos últimos três meses, os moradores deste domicílio comeram apenas alguns poucos tipos de alimentos que ainda tinham porque o dinheiro acabou?

Nos últimos três meses, algum morador deixou de fazer alguma refeição porque não havia dinheiro para comprar comida?

Nos últimos três meses, algum morador comeu menos do que achou que devia porque não havia dinheiro para comprar comida?

Nos últimos três meses, alguma vez sentiu fome, mas não comeu porque não tinha dinheiro para comprar comida?

Nos últimos três meses, algum morador fez apenas uma refeição ao dia ou ficou um dia inteiro sem comer porque não havia dinheiro para comprar comida?

A representatividade nacional da amostragem de domicílios e municípios deixa muitas dúvidas, dada a falta de informações e de dados no documento publicado. A pedido de Oeste, o cientista de dados Leonardo Dias analisou a amostragem. De acordo com o especialista, houve uma sucessão de erros.

Em primeiro lugar, foi usada a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015, sendo que já está disponível a PNAD 2021, que tem uma proporção de amostra de salário bem diferente”, afirmou Dias. “Na edição mais recente, 38% da população ganhava até dois salários mínimos; 40%, de dois a cinco; e 22%, acima de cinco salários”, diz.

A Vigisan trabalhou com 6% acima de cinco salários, o que é totalmente fora da realidade. Ou seja, focou a amostra e os pesquisados numa população muito mais pobre do que a média brasileira em 2021


Prato meio cheio
Os dados indicam a possibilidade de uma amostragem superestimada nas Regiões Norte e Nordeste, onde a situação da insegurança alimentar é mais grave, e subestimada nas Regiões Sul e Sudeste, onde o problema é menor.Não houve um recorte estatístico adequado para chegar a esse resultado”, afirma Dias. “De certa forma, o que aconteceu é muito similar ao que foi feito por algumas pesquisas eleitorais, embora ainda pior”, diz. “É de esperar esse tipo de pergunta, ainda mais sendo uma pesquisa com um forte viés ideológico.”
 
Não há dúvidas de que a fome existe no Brasil. Mas afirmar que 33 milhões de brasileiros passam fome seria algo como a população do Peru ou da Austrália.  
Nesta semana, Oeste visitou uma comunidade da periferia de Osasco, na Grande São Paulo, o Conjunto Habitacional Vitória, antiga Favela “Pinga Pus”, local que até os anos de 1990 era considerado um dos mais perigosos da cidade. Somados o conjunto e a favela vizinha, chamada Fazendinha, 6 mil moradores vivem ali. Muitos passam dificuldade, mas fome, não. “Conheço pessoas que têm necessidades, mas não passam fome”, conta a líder comunitária Lourdes Maria Pereira Mello. “Pode não ter uma carne, não ter mistura todos os dias, mas tem arroz e feijão. Fome ninguém passa.”
Lourdes Mello é liderança do Conjunto Vitória há 25 anos - 
 Foto: Arquivo pessoal

Jucélia do Amor Divino Andrade mora na favela com os dois filhos há 12 anos. Desempregada e tratando de um câncer, ela recebeu neste mês R$ 400 do Auxílio Brasil. Até o mês passado, o valor era de R$ 600. Jucélia usa o dinheiro para pagar as contas de água, luz e gás. Os alimentos vêm de doações, uma cesta básica da igreja e outra da prefeitura.

Jucélia Andrade tem comida suficiente para ela e os dois filhos - 
 Foto: Arquivo Pessoal

“Nunca fiquei um dia sem refeição”, diz. “Alguém sempre ajuda, e eu corro atrás. Troco a carne pelo ovo, uma salsicha, uma amiga compra umas misturas para mim, e assim vou levando, mas, graças a Deus, fome nunca passei e não conheço ninguém que esteja nessa situação.”

Lourdes é um exemplo de que o sentido da vida é continuar. Natural de Nova Londrina, no Paraná, ela perdeu os pais aos 4 anos e foi doada. Passou apuros até os 19 anos, fugiu e foi morar na rua. Engravidou e foi abandonada pelo pai da criança. Quando encontrou a chance de trabalhar, agarrou com toda força.

Lourdes agarrou as oportunidades e venceu na vida - 
Foto: Arquivo Pessoal

Ao passar pelo Hospital das Damas, em Osasco, nos anos 1990, viu uma placa anunciando uma vaga para faxineira e entrou. A vaga já estava preenchida. Havia outra, para secretária de enfermagem. O médico que a entrevistou pediu que ela datilografasse uma carta. Embora não soubesse ler nem escrever, Lourdes topou o desafio, até que começou a chorar. Comovido, o médico lhe deu um emprego. “Me ensinaram a escrever, a ler, alugaram uma casa para mim, acolheram meu filho. Passei a ter um pouco de conhecimento e descobri que a vida não era só tristeza. Você precisa dar o primeiro passo”, diz. “Ali, eu me transformei na pessoa corajosa que sou hoje: a Dona Lourdes do Conjunto Vitória.”

Indústria da fome
No começo do ano, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) usou um número ainda mais esdrúxulo, também extraído do relatório da Penssan: disse que 120 milhões de pessoas — ou seja, mais da metade da população — passam fome no Brasil. É algo como a população do Japão.
Marina segue a cartilha Vigisan: 125 milhões vivem com “insegurança alimentar”. 
Mas o que isso significa, afinal? 
 Na prática, são pessoas que não se alimentam como deveriam? 
Ou convivem com a incerteza quanto ao acesso à comida no futuro?
 
Como isso faz sentido num país cuja agropecuária alimenta o mundo? Em carnes, por exemplo, o segmento nacional ofertou 20 milhões de toneladas para o mercado interno em 2021, somando proteínas de origem bovina, suína e de frangos.  
São quase 100 quilos por ano para cada habitante, conforme os dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). 
De arroz e feijão, mistura favorita do brasileiro, a safra de 2021 soma praticamente 15 milhões de toneladas, o que equivale a quase 200 gramas de grãos crus por habitante por dia. 
 Batata e mandioca, por exemplo, aproximadamente 300 gramas por dia. E trigo, mais 100 gramas diários.

O material da CNBB sobre a Campanha da Fraternidade é explícito: a culpa pela fome no país é da grande propriedade rural. “Uma das mais importantes causas da fome no Brasil faz referência à concentração de terras, ocasionando uma distribuição excludente e causadora de desigualdades socioeconômicas de modo que é fundamental uma justa redistribuição da terra”, afirma.

Segundo Bruno Lucchi, diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), rebate o argumento ao lembrar que, graças à força da agropecuária nacional, o país conseguiu passar pela pandemia e enfrentar as consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia sem que faltasse nenhum tipo de alimento na mesa do brasileiro. “O setor mostrou a importância que tem no país não só do ponto de vista econômico, de gerar riqueza por meio de valores de exportação e a geração de empregos, mas principalmente em garantir o abastecimento da população brasileira.”

No ano passado, a CNA entregou um documento aos candidatos à Presidência da República e ao Congresso, com um capítulo exclusivo sobre segurança alimentar. “Não podemos comemorar que há mais gente entrando nas bolsas da vida, porque aí estamos dando um atestado de que a política econômica do país não está sendo satisfatória. Ela tem que receber o auxílio, mas também tem que ter uma reinserção no mercado de trabalho e conseguir se sustentar de forma independente.”

É aí que a conta não fecha. Em abril de 2014, durante uma entrevista coletiva para blogueiros progressistas, o vencedor das eleições, agora presidente Lula, confessou que, quando era oposição, costumava citar números aleatórios que não condiziam com a realidade. “Era bonito a gente viajar o mundo e falar que no Brasil tem 30 milhões de crianças de rua… No Brasil, a gente nem sabia”, afirma. “Não esqueço nunca: estava debatendo eu, o Roberto Marinho e o Jaime Lerner, em Paris. Não sei de que entidade era, mas eu estava dizendo que no Brasil tem 25 milhões de crianças de rua. Quando eu terminei de falar, o Jaime Lerner falou para mim: ‘Oh, Lula, não pode ter 25 milhões de crianças de rua, porque senão a gente não conseguiria andar na rua, Lula, é muita gente’.”

Joice Maffezzolli, colunista - Revista Oeste


quinta-feira, 25 de junho de 2020

O agro salva. Se o governo não atrapalhar - Carlos Alberto Sardenberg

Coluna publicada em O Globo - Economia 25 de junho de 2020

Só um país vai escapar da recessão neste ano, a China. Pelo último panorama global do FMI, conhecido ontem, a China vai salvar um crescimento de 1% no seu Produto Interno Bruto. É verdade que, para os  chineses, crescer 1% é quase como uma recessão. A média do país tem sido de 6% de expansão anual.



De todo modo, estará no positivo. O resto, no vermelho. Para o PIB global, o FMI prevê uma retração de 4,9%, tudo por conta da Covid-19. Os piores desempenhos são esperados para três dos mais importantes países europeus: Espanha, Itália e França, todos com queda esperada do PIB de mais 12%. Ainda na Europa, o melhor resultado deve ser o da Alemanha, uma recessão de “apenas” 7,8%. A diferença, de novo, vai por conta do modo como os respectivos governos lidaram com a pandemia. Quem demorou a perceber a gravidade da crise vai pagar mais caro. Quem foi rápido e tinha melhores sistemas de saúde – além de dinheiro em caixa para gastar rapidamente – vai salvar uma boa parte do ano.

Entre os grandes do mundo rico, o Japão terá o resultado menos ruim, uma queda no produto de 5,8%Os EUA, cujo governo também se atrasou no reconhecimento da pandemia, deve registrar uma recessão de 8%. Mas dada a flexibilidade de sua economia, tem capacidade de reação rápida. E por falar nisso, indicadores referentes a junho indicam que Europa e Estados Unidos estão se recuperando mais depressa que o esperado. Para o mundo rico, a expectativa é uma volta ao crescimento já no segundo semestre de 2020. Não será suficiente para salvar o ano, mas para garantir uma expansão de 4,8% em 2021.

E os emergentes, grupo no qual se inclui o Brasil? À primeira vista, parece uma situação melhor: queda do produto de 3,0% neste ano e bom crescimento de 6% em 2021. Mas é basicamente por causa da China, para a qual se espera um poderoso crescimento de 8,2% no próximo ano. Melhor, portanto, olhar só para a América Latina, e aí o quadro piora: recessão de 9,4% neste ano e pequena expansão de 3,7% em 2021, insuficiente para recuperar o que se terá perdido. E assim chegamos ao Brasil. A recessão é certa para este ano. Os números variam. Por aqui, os economistas estão prevendo uma queda em torno de 6%. O FMI acha que será pior: um tombo de 9,1%. Mas as duas partes coincidem na previsão para 2021: PIB crescendo a 3,5%. O que é pouco, considerando-se que o Brasil vinha crescendo em torno de 1% ao ano depois de uma recessão que nos havia levado quase 8% da riqueza nacional.

Há ressalvas importantes para todo o mundo. O vírus continua por aí, de modo que todos os países estão sujeitos a uma segunda onda, que pode piorar o desempenho global. Inversamente, tudo pode melhorar, a começar pelo humor, se os cientistas conseguirem a vacina ou um medicamento específico para a Covid-19. Há pesquisas promissoras.
Voltando ao Brasil, um dado chama a atenção. Apesar de se prever uma queda geral, o agronegócio de novo será salvação da lavoura. Segundo dados do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, o PIB da agropecuária terá expansão de 2% neste ano, um resultado notável dada a retração geral.

Olhando estritamente para os dados econômicos, as perspectivas são boas para este e para os próximos anos. No momento, a demanda externa é forte, a interna está preservada e o dólar caro aumenta a renda do setor. Não há sinais de que essa combinação positiva se altere significativamente nos meses adiante. Na verdade, segundo o estudo do Bradesco – e de muitas outras instituições, como a FAO – o Brasil já um grande fornecedor global de alimentos e pode aumentar esse papel
As exportações estão batendo recordes.

A maior ameaça está em outro ponto. É cada vez maior em todo o mundo a consciência ambiental, o que exige produção responsável. Por exemplo: rastreabilidade e certificação serão cada vez mais exigidos. Ou seja, será preciso certificar, por exemplo, que soja e carnes, os dois principais produtos, não vêm de área desmatada.

[Situação  fácil de ser resolvida:
Nenhum país compra do Brasil por amor aos brasileiros ou a nossa Pátria Amada.
Precisam de soja,  em quantidade e qualidade, mas não aceitam que provenha de área desmatada, comprem dos que produzem soja orgânica e carne 'politicamente correta'.
Vão concluir que é mais vantajoso comprar do Brasil, sem certificação, mas podem comprar mais e de ótima qualidade, e com desmatamento controlado - tendo em conta que só a área de reservas indígenas,  sendo reserva não pode ser desmatada, somada às áreas preservadas, por determinação legal, atende as necessidade de preservação do meio ambiente.]

O governo Bolsonaro age na direção contrária, para preocupação do agronegócio responsável.
E para o Brasil crescer além do agro? Muita reforma.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista


quinta-feira, 12 de março de 2020

Órgãos de "faz de conta" - As “boquinhas” da ONU entregues a políticos do 3º Mundo - J.R. Guzzo

Gazeta do Povo

A cada vez que aparece algum problema de extensão mundial nas áreas da saúde, alimentação, educação, direitos individuais e outras questões ligadas mais diretamente aos interesses das pessoas fica claro, na frente de todo mundo, a inutilidade de todos esses órgãos das Nações Unidas que foram sendo criados ao longo dos anos para, justamente, ajudar na solução de tais dificuldades.


A alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet
Comissária da ONU para os Direitos Humanos, a chilena Michelle Bachelet ganha a vida falando contra “a direita” e contra os “preconceitos”. -  Foto: Fabrice Coffrini/AFP

Essas organizações não são mais, se é que foram algum dia, entidades destinadas a prestar serviços. Foram transformadas em deploráveis "boquinhas" internacionais, entregues a políticos de Terceiro Mundo que ficam desempregados. Ali eles ganham altos salários, uma penca de mordomias “padrão Brasília” e a oportunidade de ficar dando palpites com uma nota só: todos os problemas do planeta, da ignorância à doença, da pobreza à violência, do ambiente à violação dos direitos individuais são culpa dos Estados Unidos. Ou do capitalismo, do 1% mais rico da população mundial, da indústria, do comércio, das bolsas de valores, da iniciativa privada e por aí afora.

Como nada disso vai ter solução amanhã, os burocratas cinco estrelas que ocupam essas super boquinhas se sentem autorizados a não fazer nada, nunca, em relação a nenhum dos problemas que são pagos para cuidar. Fazem discursos, viajam pelos quatro cantos do mundo, pedem “mais ajuda financeira dos países ricos” – e dão por cumpridas as suas obrigações de trabalho.

Temos o exemplo, agora, desse diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, um etíope que descolou o emprego em alguma “negociação”. Ele e a sua OMS são absolutamente nulos na missão de colaborar com o combate do coronavírus; tudo o que conseguiu foi fazer uma pregação contra o perigo dos “preconceitos”.

Nada disso, é claro, sai de graça. O Brasil, que não tem onde cair morto, é obrigado a contribuir com sua quota anual de uns tantos milhões de dólares para sustentar os diretores e os demais marajás que formam o funcionalismo das organizações internacionais. Nenhum dá expediente em Carapicuíba. Só cuidam de problemas dos “pobres”, mas seus locais de trabalho são Paris, Roma, Genebra, Nova York.

Não são apenas os salários, em nível de magistrado de um TRF brasileiro, que é preciso pagar. Junte aí as viagens, os “eventos”, as conferências, os reembolsos, as aposentadorias com remuneração integral – a coisa vai longe. O mais interessante da história toda é que são os Estados Unidos, justamente o país mais odiado pela ONU, suas organizações e seus altos burocratas, os que mais pagam, disparado, para cobrir as despesas da coisa toda – que, naturalmente, não param de crescer.

É a vida. A “alta comissária” da ONU para os “direitos humanos (sim, também existe essa boquinha: “alto comissário”) é a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, que ganha a vida falando contra “a direita” e contra os “preconceitos” menos os seus, é claro. O diretor-geral da FAO, que cuida das questões ligadas à alimentação e agricultura, chegou a ser aquele homem do “Fome Zero”, que Lula inventou e logo desinventou. Nem ele aguentou o companheiro, e tratou de despachá-lo para longe daqui. Não é preciso dizer mais nada.

J. R. Guzzo, jornalista - Vozes - Gazeta do Povo


terça-feira, 9 de julho de 2019

Silêncio irresponsável

Relatório sobre situação dos direitos humanos na Venezuela foi recebido pela esquerda com silêncio

É embaraçoso o silêncio da esquerda sobre o relatório da ex-presidente chilena Michelle Bachelet  a respeito da situação dos direitos humanos na Venezuela.

Enquanto uma parte da esquerda aceitou acriticamente as explicações do governo Maduro, a outra parte preferiu um silêncio constrangido para não se indispor com o primeiro grupo e abalar a unidade do campo num momento em que o inimigo é o “fascismo”. A decência, porém, indica uma enérgica dissociação com o monstro bolivariano, inepto e totalitário. O relatório lançado na última quinta-feira mostra um retrato assustador do que a Venezuela se tornou, com uma mistura de devastação econômica, corrupção generalizada, supressão de direitos civis e perseguição política.

A FAO estima que há 3,7 milhões de pessoas subnutridas no país (12% da população). O salário mínimo de US$ 7 por mês (cerca de R$ 28) permite comprar apenas 4,7% de uma cesta básica. Embora o governo subsidie e distribua alimentos, há denúncias abundantes de que a distribuição está condicionada a apoio político e é completamente insuficiente —mulheres gastam em média dez horas por dia em filas para conseguir alimentos. O acesso à saúde também é calamitoso. A falta de medicamentos em hospitais nas quatro maiores cidades do país varia de 60% a 100%. Apenas entre novembro de 2018 e fevereiro de 2019, 1.557 pessoas morreram por falta de suprimentos nos hospitais.

As liberdades civis e políticas também não são respeitadas. Além do fechamento de jornais e da não renovação por motivos políticos de concessões de radiodifusão, o governo prendeu e expulsou do país centenas de jornalistas. Além disso, bloqueou o acesso a websites e a plataformas de mídia social. Apenas em 2018, 24 pessoas foram presas por publicações nas mídias sociais. Desde 2016 o país vive em um estado de exceção que confere ao presidente amplos poderes discricionários sob pretexto de manter a “ordem interna”. O decreto que o instituiu é renovado a cada 60 dias.

Dissidentes políticos são invariavelmente tratados como “traidores” e “agentes desestabilizadores”. Desde 2014, pelo menos 15 mil pessoas foram presas por motivos políticos. A tortura desses presos se tornou uma prática rotineira, com choques elétricos, sufocamentos e violência sexual. É chocante pensar que um retrato como esse possa ser respondido com alegações de que as fontes do relatório não foram oficiais, de que a culpa da situação econômica é apenas das sanções dos Estados Unidos e de que na Venezuela não há preso político. Também é chocante que o relatório possa ser respondido com silêncio.

Pablo Ortellado - Folha de S. Paulo
 
 

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Os números que não mentem

O Brasil tem lições a dar em questões ambientais, mas está na defensiva


Números e narrativas não necessariamente coincidem e o Brasil é vítima de uma delas, com relevante repercussão internacional, sobretudo diante do anunciado acordo de livre-comércio entre União Europeia e Mercosul.  Exemplo clássico de números absolutos que não conseguem “narrar” corretamente uma situação é o da criminalidade. No Atlas da Violência do Ipea, verifica-se que São Paulo, com 4.631 mortos, figura entre os primeiros na lista de homicídios de 2017. Com menos da metade desse número – 2.203 casos – o Rio Grande do Norte está “confortavelmente” lá no meio da lista. Mas, em termos relativos, o Rio Grande do Norte apresentou uma taxa de 62 mortos (arredondando) por 100 mil habitantes em 2017. A mesma taxa para São Paulo era de 10, brutalmente inferior à do Rio Grande do Norte.

Vamos agora a um dos pontos nevrálgicos da discussão que o governo brasileiro terá de enfrentar ao tentar convencer europeus – governos e, especialmente, consumidores de produtos agrícolas brasileiros – de que o País atende aos padrões internacionais para o emprego de agrotóxicos. A narrativa consolidada é a de que o Brasil é o campeão mundial de uso de agrotóxicos, e o número absoluto não mente. Agrotóxicos são commodities, cotadas em dólares, e o valor do consumo brasileiro é o maior do mundo (indicando, portanto, a quantidade de toneladas compradas).

Mas, considerados em relação à área cultivada, ao tamanho da produção e à média de produtividade em função do uso desses agrotóxicos (um cálculo que leva em conta o consumo em dólares de pesticidas em relação à produtividade média por hectare de agricultura), os números da FAO, a agência da ONU para alimentação e agricultura, colocam o Brasil em situação incomparavelmente mais confortável do que potências europeias como França, Alemanha, Itália e Reino Unido (para curiosidade, os grandes vilões nessa comparação são Japão e Coreia).

Em outras palavras, é o Brasil que deveria acusar e não ser acusado de abusar do uso de agrotóxicos. Mas o País está acuado no debate internacional e não foi capaz ainda de encontrar uma fórmula para provar que os números que não mentem e contam como são os fatos relevantes deveriam favorecê-lo nas negociações duríssimas, com intrincados interesses cruzados (objetivamente, ambientalistas e protecionistas, por exemplo), que estão apenas começando.

Nessa questão específica, a do uso de agrotóxicos, sucessivos governos brasileiros perderam a batalha de comunicação doméstica também. Projeto de lei tramitando no Congresso para atualizar normas legais e permitir acesso a agrotóxicos mais modernos (menos tóxicos e venenosos, e que podem ser aplicados em dosagem menor) virou “PL do veneno”. O debate já se afastou dos argumentos científicos, suplantados pelo berreiro ideologizado.

De fato, o Brasil tem exemplos a dar para o mundo em energia renovável, biocombustíveis, aumento da produtividade na agropecuária e é uma formidável potência produtora de alimentos sem, para isso, ter aumentada a área cultivada. Mas não é esta sua imagem externa, uma situação apenas em parte criada por grupos organizados vinculados ou não a interesses governamentais estrangeiros e comerciais. Diante das avenidas que podem se abrir com o acordo entre Mercosul e União Europeia, o governo brasileiro está diante da urgente necessidade de desenhar uma estratégia que o tire da atual postura defensiva. Proferir frases contundentes em reuniões internacionais de cúpula, como o G-20, energiza e mobiliza o público cativo interno. Mas é pouco.




William Waack - O Estado de S. Paulo


segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Populismo e desnutrição

Para  que a insegurança alimentar seja eliminada de vez no Brasil e na América Latina, será preciso ir muito além da assistência direta aos mais pobres


A grave crise econômica que se abateu sobre grande parte da América Latina nos últimos anos continua a fazer estragos em indicadores sociais básicos no continente, como mostra o relatório Panorama da Segurança Alimentar e Nutricional na América Latina e Caribe 2018, produzido por vários órgãos da ONU, entre os quais a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).  Segundo esse estudo, o número de pessoas subalimentadas aumentou pelo terceiro ano seguido, atingindo 39,3 milhões, ou 6,1% do total de habitantes do continente. Somente na América do Sul, esse número cresce há quatro anos seguidos, atingindo um total de 21,4 milhões de pessoas. 

O país em situação mais grave é o Haiti, com quase metade de sua população em condições que beiram a fome. Mas o caso que mais chama a atenção é o da Venezuela, país com grande potencial econômico – dispõe das maiores reservas de petróleo do mundo – e que teve no chavismo, no poder há exatas duas décadas, a promessa de eliminar a pobreza por meio da redistribuição forçada dessas riquezas e da estatização da economia. Conforme o relatório, a prevalência da subnutrição quase triplicou na Venezuela entre os triênios 2010-2012 e 2015-2017, passando de 3,6% para 11,7%. O estudo acentua que “assim se perderam os avanços muito importantes que o país havia alcançado na década de 2000”. 

Olhando-se de perto, no entanto, os avanços a que se refere o relatório da ONU eram insustentáveis, porque lastreados em uma política econômica suicida. A brutal interferência do Estado venezuelano nas relações econômicas, em nome do alardeado “socialismo do século 21”, não apenas desorganizou o sistema produtivo local, causando inflação e escassez, como elevou a corrupção a níveis epidêmicos. A indústria do petróleo, de onde saíram os vastos recursos que sustentaram por algum tempo a aventura chavista, hoje é incapaz de cumprir até mesmo sua função primária, que é produzir petróleo – a produção caiu 60% em 20 anos. 

Como resultado, a economia venezuelana, com uma inflação de país em guerra – que, segundo o Fundo Monetário Internacional, deverá chegar a 10.000.000% em 2019 – e com uma perspectiva de recuo de 68% no PIB nos próximos cinco anos, está tecnicamente falida. O efeito disso sobre a população é devastador, como bem sabem os milhões de venezuelanos que fugiram do país nos últimos tempos, muitos em direção ao Brasil. Os pobres da Argentina, embora em muito menor escala, também sofreram os efeitos do populismo que vicejou no país entre 2003 e 2015. O relatório mostra que o porcentual de argentinos em situação de insegurança alimentar grave saltou de 5,8% no triênio 2014-2016 para 8,7% no triênio 2015-2017. O aumento tem clara relação com a deterioração das condições econômicas do país, principal legado do kirchnerismo, não por acaso intimamente relacionado ao chavismo. 

No Brasil, os indicadores da ONU mostram uma estabilidade no número de pessoas em situação de subnutrição. O País está entre aqueles que, segundo o estudo, “lideram a luta contra a fome na região”, com um índice de subalimentação inferior a 2,5%. Os quadros da pesquisa mostram que no triênio 2000-2002 esse índice era de 10,6%, caindo para 2,5% logo no triênio seguinte – um resultado bastante expressivo, que denota o relativo sucesso das políticas de distribuição forçada de renda do primeiro mandato de Lula da Silva na Presidência. 

Para que a insegurança alimentar seja eliminada de vez no Brasil e na América Latina, será preciso ir muito além da assistência direta aos mais pobres, que tanto capital eleitoral rendeu a populistas de variadas extrações, mas que se tornou inócua diante da crise gerada pela exaustão fiscal do Estado. Somente com o crescimento sustentável da economia – sem fórmulas mágicas cujo resultado invariavelmente é o descontrole das contas públicas, com consequências funestas para os mais pobres – o continente se verá definitivamente livre dessa chaga.