Na gramática do
governo petista, o responsável pela imensa crise atual é oculto por elipse. A presidente Dilma Rousseff cometeu erros
primários,
mas nem ela nem seus auxiliares são capazes de vir a público e assumir, em primeira
pessoa, a autoria do desastre que se
revela a cada novo balanço da economia. Tome-se, por exemplo, uma recente
entrevista do ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, na qual ele admitiu
os “erros que foram cometidos em 2013 e
2014”. Não é preciso ser catedrático em análise sintática para perceber que
a voz passiva serve para esconder o sujeito que senta na cadeira presidencial e
que, por sua única e exclusiva responsabilidade, colocou o país na trilha do
caos.
Na entrevista, dada à Rádio Metrópole, de Salvador, Jaques Wagner fez um diagnóstico preciso dos
problemas criados pela gestão temerária da economia no governo Dilma. O ministro listou, entre os “erros que foram cometidos”, a “desoneração exagerada” e os “programas de financiamento que foram feitos
num volume muito maior do que a gente aguentava”. Embora tratados pelo
petista como se fossem obras do acaso ou tivessem caído dos céus, essas medidas são
parte da chamada “nova matriz econômica”,
monstrengo que
assegurará a Dilma um lugar de honra na galeria dos piores presidentes da
história do Brasil.
A tal matriz é obra
do, por assim dizer, pensamento de Dilma, desde sempre convencida de que o Estado
tem recursos infinitos e que, por essa razão, deve ser o grande responsável pelo
desenvolvimento do país. Não
há cofre público que baste para tamanha falta de juízo, como sabe qualquer
estudante novato de economia, mas afinal não é possível discutir de forma
racional com quem governa acreditando que basta “vontade” para que se realize a “justiça
social”.
Como a “nova matriz econômica”
é fruto de ideologia, e não de
planejamento sensato, seus graves reveses são tratados não como se fossem
um problema do modelo em si, e sim como resultado de uma combinação de fatores
externos, sabotagem da oposição e, claro, má sorte. Mesmo quando reconhecem
os erros, Dilma e seus ministros tratam
logo de dizer que o problema é sempre dos outros. “Eu sei que isso não consola, mas no mundo inteiro nós estamos vivendo
uma fase de economia complicada”, disse o chefe da Casa Civil na
entrevista.
Quando resolveu dar
um nome ao sujeito da crise, o ministro, previsivelmente, elegeu Joaquim Levy,
visto pelos petistas como o verdugo dos pobres. Ministro da Fazenda, Levy foi o
responsável por aplicar o “remédio que virou veneno”, que “mata o paciente”, disse Wagner.
“O Levy tinha uma visão muito específica do livro-caixa, do cofre, então ele
estava obcecado por aquilo ali”, opinou o ministro. “Aquilo ali”, enfatize-se, é o equilíbrio das contas públicas, sem o qual não é possível manter os
programas sociais tão caros ao PT de Wagner.
Mas a farsa do
ajuste fiscal – que não foi feito na dimensão necessária porque
Dilma nunca o bancou para valer – serve bem aos propósitos populistas dos petistas. “Já cortamos neste ano mais de R$ 130
bilhões, entre programas e despesas. Mas chega um ponto em que, se você cortar
mais, vai matar o paciente”, disse Wagner. E ele foi didático: “Tem seca no Nordeste, tem enchente no Sul,
tem zika vírus com microcefalia, tem que gastar dinheiro para combater o
mosquito. Isso tudo é dinheiro, o que vou fazer? Vou dizer para o cara: ‘Amigo,
você está com microcefalia, mas meu ajuste fiscal diz que não posso lhe dar
dinheiro, morra’. Não pode ser assim”.
Para os petistas, portanto, ajuste fiscal significa
deixar morrer os doentes nos hospitais negando-lhes atendimento por economia de
recursos, como se o dinheiro já não
faltasse em razão justamente da irresponsabilidade dos
governantes, a começar pela própria presidente Dilma Rousseff. Que ninguém se
engane: a “autocrítica” malandra que
Jaques Wagner ensaiou, calculada
para dar a impressão de que vem aí uma nova fase no governo, nada mais foi do que um pretexto para reafirmar as
mesmas crenças que empurraram o país para o abismo.
Fonte: Editorial - O Estado de São Paulo