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terça-feira, 8 de junho de 2021

O sequestro da bandeira ambiental - Revista Oeste

 Ana Brambilla

A fantasia que apresenta o agronegócio como o grande predador ambiental é fruto de uma miopia estimulada pela desinformação semeada por uma esquerda carente de causas relevantes

A militância de sofá não é um fenômeno recente, mas ganhou força quando a esquerda sequestrou a causa da preservação ambiental. Historicamente marcada pelo idealismo radical, pelo estímulo do conflito e pela terceirização da culpa, a narrativa marxista enxergou nos problemas climáticos o hospedeiro perfeito a parasitar. Além da institucionalização do discurso de gênero e das cotas raciais, salvar o mundo das mãos “predatórias” do capitalismo tem sido objeto de autopromoção de uma esquerda desmoralizada pelo fracasso do regime socialista em todo o mundo.

O tom beligerante dos pregadores da luta de classes persiste nas novas frentes de batalha. Não é diferente com a preservação climática. É mais fácil acusar governos democraticamente eleitos e produtores rurais pelos problemas de escala global do que experimentar a cooperação e fazer algo pelo bairro onde se vive. Ou como escreveu Rodrigo Constantino, colunista da Revista Oeste: “É muito mais fácil ‘salvar o planeta’ do que arrumar o quarto”.

Fantasiado de virtuoso, o estandarte vermelho do clima é erguido por ambientalistas, economistas e bilionários donos de big techs, que exigem da humanidade sacrifícios estruturais enquanto desfilam em Davos a bordo de carros elétricos de US$ 140 mil. A nova esquerda nada tem de proletária. É formada por uma elite intelectual que povoa boa parte do ambiente acadêmico e entidades como ONU, OMS e Unicef.

Acampadas no poder sem a representatividade do voto popular, autoridades à frente de organizações transnacionais buscam reduzir a soberania dos Estados-nação e confiscar o direito de decidir os rumos da economia e do estilo de vida do planeta. Ao exigir o fim da emissão de carbono até 2050 e a eliminação do consumo de proteína animal, a militância tecnocrata desconsidera os bloqueios ao consumo e os riscos à sobrevivência trazidos por medidas como essas.

Embora cereais como o milho e o arroz ajudem as populações mais pobres a manter os índices mínimos de nutrição, jamais poderão ser equiparados aos níveis ideais de caloria fornecida por alimentos de origem animal. Para além do consumo de carnes e laticínios, a participação do gado no cultivo agrícola é fundamental, uma vez que o estrume fertiliza o solo em benefício do homem e do próprio animal.

Caberia questionar se as elites germânicas sobreviveriam sem as salsichas bock e se os franceses renunciariam ao steak tartare, ou, ainda, se os suíços manteriam o padrão dos chocolates sem usar leite de vaca.

Outro obstáculo dificulta a adoção da dieta vegana: a tecnologia necessária para a produção de opções à proteína animal não está presente na maioria dos países mais assolados pela fome. Segundo o Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável, algumas regiões da África manipulam a proteína animal até 20 vezes menos do que em nações desenvolvidas. Em um cenário onde qualquer comida já é escassa, como exigir que a carne disponível seja substituída por sua redentorasintética”, produzida em laboratório sob as bênçãos de Bill Gates, cujo preço chega a 50 dólares por um nugget?

O manual progressista de preservação ambiental nega os princípios de justiça social que seus defensores juram prezar. A um trabalhador, de nada adianta crescer economicamente à custa do próprio esforço, comumente atrelado a políticas liberais: quando ele tiver dinheiro para um churrasco no fim de semana com a família, será impedido de comprar carne. Caberia questionar se as elites germânicas sobreviveriam sem as salsichas bock, ou se os franceses renunciariam ao steak tartare, ou, ainda, se os suíços manteriam o padrão dos chocolates sem usar leite de vaca. Os europeus consomem o dobro de carne e três vezes mais laticínios do que a média mundial.

O engenheiro-agrônomo Xico Graziano, professor da Fundação Getulio Vargas, lembra que um estudo da FAO, organização das Nações Unidas, prevê o aumento no consumo de carne até 2050 — não a estagnação, muito menos a redução. “Adquirir e consumir proteína animal é um direito das populações mais pobres na busca por melhorar sua qualidade de vida”, diz Graziano. “Querer acabar com o consumo de proteína animal é uma coisa retrógrada, que interessa a uma elite.”

A ONU estima que a pecuária responda por cerca de 15% das emissões de carbono na atmosfera, uma fatia que não deve ser menosprezada. A prática também é apontada como uma das principais culpadas pela liberação de outro gás de alto poder de aquecimento da atmosfera: o metano. A substância, diretamente relacionada ao efeito estufa, é produto da ruminação do pasto pelo gado. Especialmente nos últimos 20 anos, porém, sistemas de criação modernos alimentam os animais com pastagens melhoradas e rações suplementares que reduzem 30% do metano eliminado por quilo de carne produzida. Quem explica a transformação tecnológica por trás deste processo é Graziano. Segundo o engenheiro-agrônomo, rações energéticas e ricas em proteína respondem de forma crescente pela alimentação do gado, fazendo com que sobre mais pasto para realizar o “sequestro de carbono” emitido pela criação. O desaparecimento da carne no mercado seria inclusive nocivo à preservação ambiental.

Além disso, a atividade está inserida no agronegócio, um dos mais fortes motores da economia mundial. Criar barreiras para criadores pode gerar um efeito dominó prejudicial a outros setores econômicos. No compromisso militante de apontar culpados, os especialistas da ONU ignoram que o agronegócio é uma das atividades mais comprometidas com a preservação ambiental. No Brasil, o setor agropecuário é responsável pela preservação de mais de 26% das matas nativas

A fantasia que apresenta o agronegócio como o grande predador ambiental é fruto de uma miopia histórica estimulada pela desinformação semeada por uma esquerda carente de causas relevantes. Desde o Brasil imperial, a Coroa portuguesa já se mostrava preocupada e, efetivamente, ocupada com a manutenção da mata nativa. Sob ameaça de pena de morte àqueles que descumprissem a lei de preservação, nossos colonizadores garantiram que a vegetação permanecesse praticamente intacta até o fim do século 19. Apesar de as crianças aprenderem já no ensino infantil que a exploração do pau-brasil devastou as terras brasileiras, foi apenas no fim do século 20 que a Mata Atlântica perdeu cerca de 1 milhão de hectares — mais do que toda a área desmatada durante o período colonial, como mostra Evaristo de Miranda, colunista da Revista Oeste e chefe-geral da Embrapa Territorial.

Não se trata de negar que o meio ambiente exige cuidados e que os recursos naturais precisam ser preservados. Ao contrário: a sobrevivência humana depende da saúde do planeta e somente pessoas inconsequentes não cuidariam da manutenção da própria espécie. O que falta ao debate sobre a “economia verde” é que os atores envolvidos reconheçam que a causa não é nova, tampouco tem raízes nos movimentos de esquerda. A história do Brasil é apenas uma das evidências de que essa é uma pauta conservadora em sua essência.

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