Além da parceria com as empresas que testam no Brasil, o país deve apoiar a iniciativa global da OMS
A situação dramática da pandemia de Covid-19 entre os brasileiros tem um
efeito indireto que, paradoxalmente, poderá ser vantajoso: em virtude
do avanço veloz do novo coronavírus, o Brasil se tornou atraente para o
teste de novas vacinas. Duas candidatas já usam o país como campo de
provas na última fase de testes antes da aprovação pelas autoridades. A
primeira, desenvolvida pela Universidade de Oxford em consórcio com a
anglo-sueca AstraZeneca. A segunda, pela chinesa Sinovac, que anunciou
ontem testes em profissionais da saúde.
A equipe de Oxford publicou nesta semana resultados promissores das duas
primeiras fases de testes clínicos. Outras também têm avançado nas
pesquisas de segurança e eficácia. De acordo com a Organização Mundial
da Saúde (OMS), 24 das mais de 160 candidatas a vacinas no mundo já são
testadas em seres humanos. Tal multiplicidade torna provável que alguma forma de imunização contra a
doença esteja aprovada e disponível já em 2021. Se isso ocorrer, o
prazo de desenvolvimento de vacinas terá caído de algo como dez anos
para pouco mais de um. Seria um feito científico comparável ao pouso da
Apollo 11 na Lua ou ao sequenciamento do genoma humano. Tal conquista
virá, contudo, acompanhada de questões espinhosas.
Quem terá acesso
primeiro à vacina?
Dada a capacidade limitada de produção, como as doses
serão distribuídas pelo planeta?
A que custo?
Quem pagará?
[IMPORTANTE:
Estamos na torcida para que ainda este ano sejam descobertas vacinas contra a covid-19 - de preferência várias vacinas.
Mas, se impõe considerar que apesar do otimismo a que os brasileiros estão sendo conduzidos com a pesquisa da Universidade Oxford, ainda que ela seja descoberta este ano, não será utilizada no Brasil.
Os EUA firmaram compromisso com a AstraZeneca para que sendo a pesquisa exitosa e comece a fabricação ainda este ano, as primeiras 100.000.000 de doses devem ir para os norte americanos - quantidade máxima de doses possíveis de ser fabricada ainda este ano.
Trump adquiriu 300.000.000 de doses e só efetuará o pagamento contra entrega - concordou em adiantar US$ 1.2 bilhão, sendo o restante pago contra entrega.
O compromisso da AstraZeneca e da Universidade de Oxford com o Brasil contempla apenas a transferência de tecnologia para a Fiocruz,cuja capacidade de produção é que definirá quando, e quantas doses, estarão disponíveis para o Brasil.
O mesmo regime vale para a Sinovac e outras empresas.
A adesão à Covax não facilita para o Brasil, já que muitas das empresas conveniadas àquela iniciativa, estão comprometidas com os Estados Unidos - entrega antecipada das 300.000.000 de doses.
As vacinas são um negócio da ordem de dezenas e dezenas de bilhões de dólares - por isso, tanta oposição a qualquer iniciativa que busque meio de cura para peste a preços menores. ]
A adesão à Covax não facilita para o Brasil, já que muitas das empresas conveniadas àquela iniciativa, estão comprometidas com os Estados Unidos - entrega antecipada das 300.000.000 de doses.
As vacinas são um negócio da ordem de dezenas e dezenas de bilhões de dólares - por isso, tanta oposição a qualquer iniciativa que busque meio de cura para peste a preços menores. ]
Fez bem o Brasil em firmar acordos com as iniciativas que têm usado o
país como campo de testes. A AstraZeneca se comprometeu, em caso de
sucesso, a transferir sua tecnologia para que a Fundação Oswaldo Cruz
também possa produzir doses. A Sinovac firmou acordo semelhante com o
Instituto Butantan, em São Paulo.
Mesmo assim, é impossível ter certeza de que, por mais promissoras que
sejam, as vacinas dessas duas empresas terão êxito. É apenas na terceira
fase de testes que questões críticas são esclarecidas, entre elas a
proteção conferida a populações mais vulneráveis (como idosos,
hipertensos e diabéticos), a quantidade de doses necessárias e a
extensão e gravidade dos efeitos colaterais. No caso da vacina de
Oxford, os pesquisadores relatam ter usado um analgésico para tentar
preveni-los, pois 60% dos pacientes manifestaram febre, dores de cabeça,
musculares ou reações alérgicas à injeção.
É por isso que o país precisa, além de apostar nas vacinas testadas
aqui, se resguardar para a possibilidade de elas falharem. Foi preciso
vencer as resistências ideológicas do governo Bolsonaro para que o
Brasil aderisse à Covax, iniciativa promovida pela OMS cujo objetivo é
garantir aos integrantes acesso expresso às primeiras vacinas que derem
certo, num total estimado em 2 bilhões de doses até o final de 2021. O
programa reúne as principais iniciativas promovidas sob a égide dos dois
grandes consórcios financiadores da pesquisa, produção e distribuição
de vacinas no planeta (conhecidos pelas siglas Cepi e Gavi).
No início de junho, o Brasil enfim aderiu à Covax, embora os termos
ainda não estejam claros. As condições envolvem aplicação prioritária em
populações sob maior risco, uma taxa de adesão de US$ 197 milhões e o
investimento necessário para financiar doses para imunizar 20% da
população (patamar considerado o suficiente para proteger os mais
vulneráveis e deter o contágio no primeiro momento).
Fazendo as contas, o custo total para o país iria de US$ 750 milhões a
US$ 2 bilhões, dependendo das doses necessárias para imunização. No
mundo todo, a Covax estima que serão necessários US$ 18,1 bilhões para
pesquisa, produção e distribuição. Pretende arrecadar US$ 11,3 bilhões
entre os países-sócios. Sob qualquer ângulo que se olhe, o custo é pífio
diante do benefício tangível trazido pela vacina. Para um país pobre em
tecnologia como o Brasil, tal investimento poderá render muito mais que
toda a chiadeira contra o “globalismo” da OMS.
Editorial - Jornal - O Globo