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domingo, 31 de janeiro de 2021

A pajelança das va$$inas - Vexame de compra de vacinas por empresas foi produzido - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo

Vexame de compra de vacinas por empresas foi produzido pela opção preferencial de um governo disfuncional 

Descobriu-se que eventuais compradores não queriam entrar no projeto

Çábios do Planalto e libélulas da plutocracia jogaram o andar de cima num dos maiores vexames dos últimos tempos

Do nada, na semana que começou no dia 18, apareceu a ideia de se juntar pelo menos 12 grandes empresas brasileiras para comprar 33 milhões de vacinas Oxford/AstraZeneca. Metade dos imunizantes iriam para o SUS, e a outra metade serviria para vacinar funcionários das empresas e seus parentes.

Deu-se um fenômeno raro na história do capitalismo. Em poucos dias, descobriu-se que eventuais compradores não queriam entrar no projeto e que o eventual vendedor também não estava oferecendo a mercadoria. Durante a semana, o assunto foi discutido com o presidente Jair Bolsonaro, e o governo avalizou a operação na sexta-feira, dia 22, com uma carta enviada ao fundo BlackRock, acionista da AstraZeneca.

Na segunda-feira, a repórter Julia Chaib mostrou a girafa, informando que pelo menos cinco das empresas listadas já haviam se dissociado da iniciativa. Se a Ambev, a Vale, o Itaú, o Santander e a JBS não queriam entrar no negócio, algo havia de esquisito nele. Nos dias seguintes, nove das 12 empresas listadas haviam saltado. As empresas saltaram por diversos motivos. O preço de US$ 23,79, quatro vezes superior aos US$ 5,25 do mercado, não fazia sentido nem era explicado. Também não se conhecia a engenharia do negócio. Além dessas questões, havia também o risco da associação das marcas de grandes empresas a uma operação fura-fila.

A proposta viria do fundo BlackRock, a quem foi dirigida a carta do governo. O presidente-executivo da empresa no Brasil, Carlos Takahashi, detonou a mentira para os repórteres Vera Brandimarte e Francisco Goes: “Isso é ficção, se estão usando o nome da BlackRock, é fraude. (...) Nunca tivemos nada a ver com isso e não conhecemos essas empresas e essas pessoas que estão usando o nome da BlackRock. (...) Estes rumores são completamente falsos. Autoridades em todo o mundo já alertaram para esquemas relacionados com a suposta comercialização de vacinas, e é importante que as empresas e os governos se mantenham vigilantes.”

O laboratório, por sua vez, informou que não negocia com particulares. Ademais, a AstraZeneca está encrencada com suas encomendas europeias. O vexame foi produzido pela opção preferencial de um governo disfuncional, que vai da marquetagem à fantasia, e dela às fake news sem qualquer constrangimento.

(.....) perder em 48 horas 16% do ativo que negocia, vai para a rua.

A ideia de privatizar parte das vacinas é coisa que ainda não apareceu em outro país. Foi aparecer logo em Pindorama.Para efeito de raciocínio, admita-se que a ideia deva ser discutida. Isso pode ser feito de forma clara e competente, longe do escurinho dos palácios. As dúvidas que levaram grandes empresas a fugir do modelo que foi posto em circulação ainda não foram respondidas. Por que uma vacina de US$ 5,25 será comprada por US$ 23,79?

Folha de S. Paulo - Jornal O Globo - Elio Gaspari, jornalista - MATÉRIA COMPLETA

 

domingo, 8 de março de 2020

O golpe do IRB, um teste para a CVM - Elio Gaspari

O Globo

IRB: otimismo direcionado e lucrativo 

Espalhar boato para provocar a alta de uma ação é ideia velha, mas novidade estaria na exposição das minúcias

Espertalhões usaram o Instituto de Resseguros do Brasil para dar um golpe     
Quando o Instituto de Resseguros do Brasil era estatal, aconteciam por lá coisas tenebrosas. Saneado e privatizado, parecia ter tomado jeito. Agora se vê que alguns espertalhões usaram a empresa para dar o mais primitivo dos golpes: espalhar um boato otimista, faturá-lo e ir em frente. No mundo do papelório adora-se otimismo, desde que na outra ponta alguém esteja disposto a comprá-lo. Em dezembro de 2018 os çábios falavam que em 2019 o Produto Interno Bruto cresceria 2,55%. Cresceu 1,1%.

Com o IRB houve um otimismo direcionado, funcional e lucrativo. Desde janeiro as contas da empresa estiveram debaixo de chumbo até que, tchan, surgiu a informação de que Warren Buffett faria um investimento na empresa. O “Mago de Omaha” é aquele que toca numa ação e ela vira ouro. O interesse de Buffett foi chancelado por çábios do mercado que juram ter ouvido a informação no próprio IRB e até mesmo de operadores do “Mago”. Num só dia as ações do IRB subiram 6,6% e chegaram a valer R$ 45.

Na quarta-feira, a empresa de Buffett soltou uma nota dura e humilhante, dizendo que “não é acionista, nunca foi acionista e não tem interesse em se tornar acionista” do IRB. Em apenas quatro dias da semana passada, a empresa perdeu R$ 13,4 bilhões em valor de mercado.  Nesse angu há de tudo. O presidente do Conselho pediu o chapéu em meados de fevereiro. O presidente do IRB e seu diretor financeiro caíram na quarta-feira. Lá atrás, a diretoria se habilitou a receber um bônus de R$ 61,9 milhões. A queda do valor da ação para R$ 17 sugere que havia algo errado nas contas do IRB mesmo antes da patranha envolvendo Buffett. Pedro Guimarães, presidente da Caixa e novo titular do conselho de administração da empresa, passou a tesoura em alguns bônus e informou que “queremos entender, no detalhe, essa questão”.

(.....)

Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e acredita que resolveu dois problemas, o da comunicação do governo e outro, bem maior. Para a comunicação, o cretino acha que o capitão Bolsonaro deveria transferir para o comediante Márvio Lúcio dos Santos (com direito a faixa de seda verde-amarela) a função de porta-voz. Convenceu-se disso vendo seu desempenho no cercadinho do Alvorada, explicando o crescimento do PIB.

O outro problema, bem maior, Eremildo acredita que poderá ser resolvido dando-se amplos poderes ao juiz Dalton Conrado, da 5ª Vara Federal de Campo Grande. Ele determinou que Adélio Bispo, o cidadão que esfaqueou Jair Bolsonaro em 2018, seja retirado da penitenciária onde está e “internado em local apropriado ao cumprimento da medida de segurança, com estrutura, equipe técnica e medicamentos necessários ao tratamento da sua enfermidade mental”. Uma junta médica atestou que Adélio sofre de transtorno delirante persistente.

Eremildo acredita que se o magistrado tiver seu poderes ampliados, podendo determinar também a internação de quaisquer pessoas soltas, prestará um serviço à coletividade, desde que poupe os idiotas.

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Lula e o Grande Satã
Durante sua passagem por Paris, onde recebeu o título de cidadão honorário da cidade, Lula escreveu o seguinte:  “Um dia vocês vão perceber que quase todos os conflitos no século 20 e 21 estão ligados ao petróleo. E que todos envolvem a atuação dos Estados Unidos.”

Um dia ele perceberá que andou dizendo bobagens. Nos séculos 20 e 21 os Estados Unidos entraram em sete guerras. Nos dois conflitos mundiais (1914-18 e 1939-1945) não havia petróleo. Nem na Coreia, muito menos no Vietnã (uma guerra que durou quase 20 anos). Houve petróleo nas duas guerras do Golfo, mas não o há no Afeganistão.

Folha de S. Paulo e O Globo - Elio Gaspari, jornalista


domingo, 18 de novembro de 2018

A reunião da irresponsabilidade fiscal

Para quem temia que depois da eleição viesse mais do mesmo, ressurge a maldição do príncipe de Salinas no romance “O Leopardo”: “Depois será diferente, porém pior”

Bolsonaro fala em 'regeneração moral' e governadores eleitos armam superpedalada

No mesmo dia em que anunciou um "momento de regeneração", Jair Bolsonaro foi a uma esquisita reunião de governadores eleitos copatrocinada pelo paulista João Doria. Nada havia sido combinado com sua equipe. O que muitos governadores querem é suspender as exigências e os efeitos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Uma legítima superpedalada, capaz de superar os çábios da "contabilidade criativa" que custou a Presidência a Dilma Rousseff.

Como o presidente eleito ainda não desceu do palanque, fez brincadeira com a sua presença no conclave: "O que eles querem, eu também quero, dinheiro". Antes fosse, o que eles querem é atropelar a lei que obriga os estados a limitar em 60% o comprometimento das receitas com o pagamento de despesas de pessoal. O Rio está com um comprometimento de 70%. Mato Grosso do Sul 76% e o Rio Grande do Sul, 69%. Isso para não falar no campeão Minas Gerais, com 79%. Ao todo, são 14 os estados que ofenderam a LRF, mas nove governos comportaram-se como deviam. Os governadores querem mais dez anos de prazo para cumprir uma lei de 2000 e prometem um conjunto de medidas para buscar o equilíbrio financeiro. Velha conversa, como a do Supremo Tribunal Federal, que quer o aumento para já, prometendo o fim dos penduricalhos dos juízes para depois. Ademais, dentro de dez anos os governadores serão outros.

Bolsonaro deveria ter desarmado a cilada da reunião, expondo a irracionalidade do pleito. Doria, que governará o estado que exibe melhor desempenho (54% de comprometimento, graças a Geraldo Alckmin), poderia ter evitado a ribalta.  Para quem temia que depois da eleição viesse mais do mesmo, ressurge a maldição do príncipe de Salinas no romance "O Leopardo": "Depois será diferente, porém pior".

Elio Gaspari, jornalista - O Globo