O Estado de S.Paulo
Diria que a libertação do ex cabe como uma luva na estratégia do presidente
O Supremo Tribunal, em mais uma decisão contraditória com outra decisão
anterior sua relativa à prisão em segunda instância, termina por criar
uma insegurança jurídica que contribui para piorar a sua imagem perante a
sociedade. A libertação de Lula da Silva, assim como a de outros
criminosos, aparece como uma amostra de que a impunidade segue valendo
para os ricos, para os que têm condições de pagar recursos inesgotáveis
em cada uma das quatro instâncias do Judiciário. Infelizmente, conforme a
tradição penal brasileira, os pobres serão os mais prejudicados, por
não terem recursos para pagar advogados caros que atuam por anos, se não
décadas, para os seus clientes. Os “garantistas” conseguiram fornecer,
assim, uma grande garantia: o crime compensa para os poderosos!
Do ponto de vista político, algumas considerações se impõem
imediatamente. A primeira é que os grandes ganhadores da decisão do STF
são Lula e o presidente Jair Bolsonaro, ou seja, o petismo e o
bolsonarismo. Como ambos agem segundo a concepção do político baseada na
distinção entre “amigo e inimigo”, o “nós contra eles”, numa luta que
adquire contornos existenciais, como se a eliminação do outro devesse
ser a regra, eles vão surgir como os principais protagonistas das
eleições de 2022. Entrarão na arena um de olho no outro, como se nenhuma
outra alternativa fosse possível. Pode-se, nesse sentido, esperar um
acirramento dessa disputa nas redes sociais.
[até 2022 muita água vai rolar;
talvez seja interessante considerar que:
- a sentença do condenado petista, a do triplex, deverá ter transitada em julgado - o STF não tem condições de protelar o inevitável, menos ainda de anular a condenação;
- a sentença do Sítio de Atibaia, deverá ser confirmada pela TRF - 4, ainda este mês e,muito provavelmente, terá transitada em julgado;
- o, temporariamente, ex-presidiário, está enquadrado na Lei da Ficha Limpa e esta impede sua candidatura.
- mais sentenças aplicarão novas condenações sobre a cabeça do criminoso, já condenado; e,
- será que o perda total resistirá ao descontrole que a liberdade, temporária, do criminoso sentenciado causará no que já está implodindo?]
A segunda é que convém observar que Lula continua impedido de se
candidatar, pois a decisão do Supremo versa somente sobre a prisão após
condenação em segunda instância, não tem por ora nenhuma repercussão no
que diz respeito à Lei da Ficha Limpa. Lula pode manifestar-se
politicamente, mas não pode ser candidato. Isso significa que deverá
atuar por intermédio de um candidato laranja, o que diminui em muito a
possibilidade de êxito eleitoral para o PT. Dito isto, Lula exerce um
tipo de liderança carismática, muito abalada pela corrupção no exercício
do Poder, mas ainda assim importante do ponto de vista político.
Terceira: as primeiras reações de Lula e do PT sinalizam para a
radicalização. Conforme foi noticiado, o ex-presidente estaria se
reaproximando do MST e já anunciou que não fará nenhum movimento em
direção ao centro do espectro político. Além de Lula e o PT sofrerem
hoje grande rejeição da sociedade, tal postura não ajudará a agregar
votos dos que rejeitam Bolsonaro, mas tampouco querem a volta do
radicalismo e da corrupção de outrora. Se seguir nessa linha, o PT se
voltará apenas para os já convertidos, perdendo a persuasão
relativamente aos que dele não são próximos. Mais importante:
fortalecerá Bolsonaro como candidato preferido destes, fazendo o jogo do
presidente, que só esperava que isso viesse a acontecer. [a suprema decisão que soltou, temporariamente, o condenado petista, não impede a prisão de criminoso condenado que se encontre temporariamente fora da cadeia.
Um dos motivos para o encarceramento imediato deste tipo de criminoso é a perturbação da ordem pública - a reaproximação da organização criminosa perda total com a quadrilha do 'movimento social terrorista = mst' resultará, fatalmente, em atentado contra a ordem pública e para conter situações de convulsão, existe o artigo 142, da CF, que pode ser acionado pelo presidente da República Federativa do Brasil, sem necessidade de aval dos outros dois poderes da República.]
Quarta: Bolsonaro e o bolsonarismo estão sempre em busca do “inimigo” e o
seu inimigo do coração é Lula. Observe-se que nos últimos tempos, seja a
propósito da Argentina ou do Chile, sempre aparece o espectro da
esquerda, do Foro de São Paulo, isto é, do PT e de Lula, que estariam
agindo para abalar a ordem conservadora ou liberal. [o famigerado e carcomido Foro de São Paulo, está sendo substituído pelo Grupo de Puebla, que tem como foco a Guerra Híbrida Continental para a retomada do poder.] Os discursos de
Bolsonaro e as mensagens de seus filhos sempre são contra a “esquerda”, o
“petismo”, e assim por diante. Acontece que isso era ainda muito
abstrato, considerando que Lula na cadeia era apenas um fantasma do que
foi. Os dirigentes petistas, desorientados, seguiam as ordens
desencontradas do seu “líder”. Agora o bolsonarismo ganha um inimigo
real, aquele que deve eliminar nas próximas eleições.
A quinta é que os bolsonaristas estavam ao léu, precisando bater em
alguém, criar um conflito qualquer, desperdiçando energia em suas brigas
internas, rachando o PSL, afastando generais importantes, criticando a
imprensa e os meios de comunicação em geral, vociferando na esfera
internacional, sobretudo, recentemente, na América Latina. Eis que uma
oportunidade única surge: Lula fora da cadeia. Dessa maneira, a
tendência será de reagrupamento dos bolsonaristas, incluídos alguns de
seus críticos, em torno do presidente, como o único capaz de enfrentar e
vencer o PT. Diria que a libertação de Lula cabe como uma luva na
estratégia do presidente. Suas declarações aparentemente desencontradas e
contraditórias têm método. E o seu “método” começará a cobrar
dividendos.
Sexta: Bolsonaro precisa de Lula para esmagar o centro. Seu objetivo
consiste em reunir em torno de si todos os que não aceitam a volta de
Lula e do PT ao poder. Ganhou as eleições por isso e espera poder
repetir essa mesma fórmula. Com Lula na cadeia estava difícil, pois não
seria fácil o convencimento acerca da real ameaça petista. Agora,
contudo, o cenário é outro, uma vez que a sua situação ideal se pode
concretizar: enfrentar em 2022, em segundo turno, um candidato laranja
petista/lulista. Seria o sonho realizado. Se for o próprio Lula, será um
pouco mais difícil, mas exequível. Se fosse uma candidatura de centro, a
sua posição estaria ameaçada.
Sétima: as alternativas de centro para as próximas eleições ficam
prejudicadas. A polarização entre Bolsonaro e Lula tende a reduzir o
espaço de outras candidaturas, na medida em que terão de desbravar
caminho seguindo uma estratégia de não radicalização, porém sabendo
radicalizar contra a radicalização. Deverão saber esgrimir com as armas
dos adversários, transmitindo a mensagem de que essas armas não são as
mais apropriadas para o Brasil. Deverão ser capazes de mostrar que vale a
pena perseverar nos compromissos e diálogos próprios da democracia, sem
namorar inclinações autoritárias. As candidaturas já anunciadas direta
ou indiretamente de João Doria e Luciano Huck deverão adotar uma
estratégia condizente com esse novo cenário político. Se a lógica do
bolsonarismo e do petismo prevalecer, estando então revigorados, esses
outros candidatos não serão naturalmente alternativas. Deverão construir
o seu protagonismo.
Denis Lerrer Rosenfield -
Professor - Espaço Aberto - O Estado de S. Paulo