O governo tem falado de várias iniciativas que tomará, mas ainda são
intenções. A liberação de dinheiro do FGTS tem fôlego curto. A reforma
tributária ainda não foi explicada. As privatizações não aconteceram.
Mas a tentativa de mudar o mercado de gás teve algum avanço. O acordo do
Cade com a Petrobras para acabar com o monopólio da empresa no setor
foi um passo na direção correta. Há muitos obstáculos a superar para viabilizar o gás do pré-sal a preços
competitivos. O maior deles será construir a infraestrutura de
transporte, o que deve consumir bilhões de dólares em investimentos e
alguns anos em obras.
Outro problema será lidar com as concessões estaduais de distribuição,
que não poderão ser revistas de uma hora para outra e vão exigir muita
negociação para evitar que o tema seja judicializado. O ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP) David Zylbersztajn
diz que o acordo entre o órgão de defesa da concorrência e a Petrobras
aconteceu muito mais por iniciativa da empresa, que precisa vender
ativos e se concentrar nas áreas mais lucrativas do negócio. Para se ter
uma ideia, a taxa de retorno na exploração de petróleo pode chegar a
30%, enquanto no setor de gás gira em torno de 7% a 8%. Ele acha que o
Cade demorou demais a agir contra o monopólio e lembra que o órgão só se
manifestou oficialmente após a greve dos caminhoneiros. —É um movimento atrasado, mas antes tarde do que nunca. Hoje, para fazer
gasoduto é muito mais difícil do que há 20 anos. Há um adensamento
populacional que dificulta a passagem do duto. Há restrições ambientais
maiores e custos mais elevados para aumentara rede, que é incipiente no
Brasil. Vamos termais gás do que infraestrutura aqui —afirmou.
Segundo dados do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) o Brasil
produz 112 milhões de m3 de gás natural e a expectativa é dobrar esse
número nos próximos 10 anos. O investimento é alto: para levar o gás do
pré sal até a costa terão que ser construídos mais três gasodutos a um
custo de US$ 9 bilhões. Hoje, há apenas dois, e um terceiro está em fase final de obras. Além
disso, será preciso mais três Unidades de Processamento de Gás Natural,
que custariam US$ 3 bilhões, e a malha de transporte e distribuição em
terra teria que ser ampliada fortemente. — A infraestrutura brasileira tem 9,4 mil km de gasodutos de transporte e
34,6 mil km de gasodutos de distribuição. Os Estados Unidos têm uma
malha cerca de 100 vezes maior. A Argentina, com 1/3 do território
brasileiro, tem 16 mil km de gasodutos de transporte, quase o dobro do
Brasil — explica Adriano Pires, do CBIE.
Zylbersztajn diz que há três opções em estudo sobre a melhor opção de logística para o gás do pré-sal: — Esse gás pode chegar à costa por dutos, mas pode também ser
transformado em energia elétrica no alto-mar, construindo uma térmica ao
lado das plataformas e aí se levar a energia. Há ainda uma terceira
possibilidade, que é construir uma usina de liquefação e trazer o gás de
navio. Tem que ver o que é mais competitivo.
Seja como for, o gás tem aumentado a sua importância na matriz
energética mundial, porque é fonte mais barata e pouco poluente. É o
combustível de transição na busca de uma matriz com menos emissão. O
Brasil terá que aproveitar as enormes reservas do pré-sal não só do
ponto de vista econômico, mas também ambiental.
O gasoduto Brasil-Bolívia já não tem mais a importância que teve no
passado. Hoje, representa 30% do gás que é consumido no país, mas isso
poderá ser substituído pelo gás da costa brasileira. Zylbersztajn acha
que é possível renegociar contratos para ter preços mais baratos dos
bolivianos: —Estamos falando de um projeto que já tem 20 anos e que já foi bastante
amortizado. Na época, fazia sentido, porque o Brasil tinha pouco gás.
Hoje, temos o pré-sal e é viável tentar uma renegociação para reduzir os
preços.
A negociação com as distribuidoras de gás ainda é incerta. Elas têm
contratos de concessão de longo prazo que garantem o monopólio nos
estados. A Petrobras é sócia em várias delas e terá que vender sua
parte, pelo acordo com o Cade. Há muita a fazer. Mas o Brasil será
empurrado para aproveitar o gás do pré-sal porque há um limite técnico
do que pode ser reinjetado nos poços, como acontece hoje. E queimar o
gás aumenta as emissões. Por tudo isso, os especialistas acham que o
projeto irá adiante.
Coluna da Míriam Leitão, por Alvaro Gribel - Publicada em O Globo