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sexta-feira, 31 de março de 2023

Sherloques de picadeiro - Augusto Nunes

Revista Oeste

Todo detetive de agência de checagem quer ser, quando crescer, mais um Jornalista Investigativo que nada apura 
Ilustração: Shutterstock
 
Ilustração: Shutterstock
 
Na tarde deste 29 de março, um recado por e-mail desembarcou na redação da Revista Oeste. A primeira linha tem uma palavra só: Prezados. Assim mesmo: Prezados, no plural e sem o acompanhante obrigatório. O plural sugere que o texto foi endereçado a mais de um vivente, mas a ausência de nomes impossibilita a identificação dos destinatários. 
Também o remetente refugiou-se no anonimato. Depois de um entediado “Att” na penúltima linha, aparecem três palavras — Equipe Aos Fatose o logotipo dessa obscenidade parida pelos discípulos de Lula: a agência de checagem.

O palavrório se divide em três parágrafos, reproduzidos abaixo em negrito, com apartes do colunista entre uma e outra sopa de letras.

“Estamos fazendo um especial investigativo que reuniu mais de 690 conteúdos desinformativos ou golpistas virais que circularam desde o segundo turno das eleições e até a invasão dos prédios dos Três Poderes no dia 08/01. Entre os conteúdos estão trechos de vídeos da Revista Oeste em que seus comentaristas disseminam desinformação ou defendem pautas golpistas.”

Vamos lá. O que é um “especial investigativo” Um trabalho escolar? 
Uma composição à vista de uma gravura? 
Um teste eliminatório para o ingresso num curso de formação de detetives? E por que o “virais” depois do “golpistas”?  
Querer derrubar o governo já é uma enormidade. Espalhar tamanho ato antidemocrático pela internet é coisa para 20 anos de prisão preventiva e 30 de domiciliar (com tornozeleira e sem passaporte), além da multa de US$ 15 milhões (por semana). 
O “e” entre eleições e até só existe em discurso de lulas e dilmas. 
O zero antes e 8 e do 1 é tão dispensável quanto revelador: quando se trata de datas, o zero à esquerda é apreciado apenas por gente que vale menos que um zero à esquerda.
Por que o deserto de vírgulas? O poeta Ferreira Gullar ensinou que a crase não foi feita para humilhar ninguém. Nem a vírgula, parece desconfiar o autor do recado. 
Quando não se sabe onde colocar os sinaizinhos, melhor assassiná-los. Mas uma dupla de vírgulas sobreviventes geme nos curtos parágrafos seguintes:

“Dessa forma, gostaríamos de abrir espaço para a revista se posicionar sobre o assunto”.

Posicionar, posicionamento e outros palavrões do gênero só servem para revelar a posição do orador: está de cócoras para Lula e no meio do bando que voltou à cena do crime.

“Nosso prazo para publicação é hoje (29/03) até as 19h. Caso não consigam responder dentro do prazo, podemos incluir o posicionamento posteriormente sem prejuízo.”

O prazo concedido pelos sherloques de picadeiro já se esgotara quando o e-mail foi repassado à direção de Oeste
Nenhum problema, consola a agência, que se dispõe a examinar “o posicionamento posteriormente sem prejuízo”. 
Sem prejuízo do quê?, perguntaria qualquer professor de português convidado a avaliar o palavrório insolente — antes de castigá-lo com o merecidíssimo zero com louvor.

A cópia em papel do recado já decolava rumo à lata de lixo quando bati os olhos num aviso no rodapé: “Viu algum conteúdo suspeito nas redes? Fale com a Fátima”. Acabara de ver um conteúdo mais que suspeito: a mensagem é uma sequência de agressões à Constituição, à democracia, à liberdade, ao idioma, à moral e aos bons costumes. Estava pensando na conversa com a Fátima quando notei que também é sigiloso o paradeiro dessa misteriosa padroeira dos caçadores de fake news.

Fórum Econômico Mundial
Oeste e a constante batalha contra a censura disfarçada de 
agência de checagem | Foto: Shutterstock
Pausa para a viagem no tempo. Aos 14 anos, estreei como redator da seção de nascimentos e óbitos do Nosso Jornal, semanário em que meu irmão mais velho mantinha uma coluna política. Ocorrida a primeira morte, Flávio me passou instruções. 
Cumpria-me investigar informações indispensáveis: o nome do defunto, a grafia correta, a idade e quantos parentes próximos deixara (além de avaliar pessoalmente o tamanho do enterro). No dia seguinte, a chegada ao mundo de mais um taquaritinguense expandiu o manual de regras. Além dos nomes dos pais e do dia do parto, era preciso investigar o peso do bebê e, com especial rigor, o prenome dos recém-nascidos. 
Já começara a praga dos Wellyngttons, das Myrellas e outras misturas de duplas consoantes com rabiscos com som de vogal ausentes do abecedário oficial.
 
Poucos meses num semanário do interior paulista bastaram-me para compreender que todo jornalismo é investigativo. Notícia sem apuração é como texto sem palavra: não existe. 
Por muitas décadas, pareceu-me claríssimo que não se pode separar os profissionais da imprensa entre os que investigam e os que nada apuram. Sempre houve bons e maus perseguidores da verdade. Mas todos os que exercem a profissão são jornalistas investigativos, certo?  
Não no Brasil, decidiram em 2002 os fundadores da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a Abraji. 
É um clube reservado a Jornalistas Investigativos, com o J e o I em maiúsculas truculentas como nas manchetes de tabloides sensacionalistas europeus.

O silêncio cúmplice da Abraji, o fanatismo dos sindicatos lulistas e a covardia dos que se ajoelham diante de patrulhas ideológicas geraram o filhote repugnante autodenominado agência de checagem

De lá para cá, a entidade promoveu cursos de aperfeiçoamento, seminários e premiações, engordou abaixo-assinados ou manifestos, divulgou notas oficiais para comunicar à nação quem dizia a verdade e deu palpite em tudo, fora o resto. Só ficaram faltando descobertas históricas resultantes de investigações feitas por associados decididos a justificar a presunçosa denominação da entidade. 
Nos últimos 20 anos, assunto é que não faltou: Mensalão, Petrolão, revelações da Lava Jato, roubalheira institucionalizada, impeachment de presidente, prisão de intocáveis — pela primeira vez na história da imprensa brasileira, o dia começava com dois ou três fatos disputando a ponta da fila das notícias relevantes. 
Incapazes de enxergar as bandalheiras no lado esquerdo da estrada principal, os Jornalistas Investigativos se juntaram no consórcio que vigiava apenas a pista esquerda. Fecharam os olhos à ofensiva contra a liberdade de expressão.
Ignoraram as ilegalidades fabricadas por ministros do Supremo Tribunal Federal. 
Aceitaram a censura à imprensa. E se tornaram porta-vozes da verdade oficial.
Site da Abraji | Foto; Reprodução
O silêncio cúmplice da Abraji, o fanatismo dos sindicatos lulistas e a covardia dos que se ajoelham diante de patrulhas ideológicas geraram o filhote repugnante autodenominado agência de checagem. Conheço boa parte dos que chefiam esses aleijões.  
O fracasso nas redações os reduziu a carrascos da informação. 
Não admitem a existência de jornalistas que veem as coisas como as coisas são e contam o caso como o caso foi. Acusam de golpistas os genuínos democratas.

Às vezes o lado escuro parece perto da eternização no poder, mas acaba perdendo. Os farsantes perdem por ignorar que os fatos, embora frequentemente pareçam agonizantes, sempre prevalecem. A verdade não morre.

Nesta quinta-feira, foi enfim divulgado o “especial investigativo”. Trata-se de uma intragável salada de disparates. Entrei no grupo de desinformantes golpistas a bordo de trechos de vídeo confusos, inaudíveis e sequestrados do contexto. Segue um conselho para a misteriosa Fátima: caia fora do estranho mundo das agências. Vão todas morrer de safadeza investigatória.

Leia também “Lula e o PCC sonham juntos”

Augusto Nunes,  colunista  - Revista Oeste


domingo, 29 de agosto de 2021

Alcolumbre recebe críticas após adiar sabatina de André Mendonça para o STF

[Alcolumbre caiu no esquecimento, no ostracismo,  e busca alguns minutos de fama e usa o meio infalível = atrapalhar o presidente Bolsonaro. 
Só que o senador esquece que está prevaricando ao retardar um encargo constitucional, buscando satisfazer desejo pessoal =  atrair holofotes.]

Ao protelar sabatina de André Mendonça para o STF em retaliação a Bolsonaro, Davi Alcolumbre é criticado até por pares no colegiado

A escalada de ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) por Jair Bolsonaro respingou na indicação de André Mendonça para ocupar a 11ª cadeira da Corte. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), decidiu protelar a sabatina do jurista após o presidente ter entrado com um pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, num gesto de enfrentamento ao Palácio do Planalto, mas isso não arrefeceu a pressão para que decida a data do comparecimento do ex-ministro da Justiça à CCJ. Pares de Alcolumbre no colegiado discordam da condução que faz do episódio e consideram sua postura autoritária. [desconhecemos a formação do senador paraense, nos parece ser bacharel em direito;  
ainda que  leigo, deve saber, ou deveria, que o presidente Bolsonaro ao apresentar um pedido de impeachment contra um ministro do STF exerceu apenas um direito de um cidadão e não pode ser punido por tal ato.  
Mais grave é que o senador está punindo o Brasil, ao protelar providência essencial para que o STF volte a funcionar com a formação completa do seu plenário.]
 
Um é o senador Telmário Mota (Pros-RR). Integrante da CCJ, para ele, a atitude de Alcolumbre, ao não pautar a sabatina de Mendonça, arranha a imagem da Comissão e do Senado. “A Casa é plural, a comissão é plural, é colegiada. Ele está cometendo um erro, precisa tratar isso com a seriedade que o caso exige”, cobra. A perspectiva é de que Mendonça seja sabatinado depois de 7 de setembro e aprovado pelo plenário até o dia 15.

O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), que também integra a CCJ, não aceita a postura do presidente da Comissão ao demorar para decidir a marcação da sabatina. “O presidente da CCJ não é o dono dela, não pode dispor do cargo a seu bel prazer. Ele (Mendonça) pode até ser reprovado, mas o que não pode é esse absurdo. O Davi está errado”, critica.

Política - Correio Braziliense
 

terça-feira, 12 de junho de 2018

Vitória do cartel

A ANP poderia ter aproveitado a oportunidade para acabar com o conluio das distribuidoras de combustível. Preferiu manter a farra das empresas que ditam as regras do mercado

Vencida a greve dos caminhoneiros, tudo voltou ao normal. O abastecimento de combustíveis foi restabelecido, mas há algo, porém, que não deverá retornar ao estágio anterior ao movimento: o preço nas bombas dos postos. Isso porque tudo retornou ao estado de antes: a lentidão da Agência Nacional do Petróleo (ANP) em combater o cartel das distribuidoras que dominam o mercado. Tão logo a greve se encerrou, a agência recuou e revogou a medida excepcional que suspendia a vinculação de marca para vendas de distribuidoras do produto líquido.

O mercado dos combustíveis distribuídos nos 40 mil postos brasileiros é dominado por três grandes empresas: Raizen/Shell, Ipiranga e BR Distribuidora, que detêm 70% do comércio de derivados de petróleo = [sob a forma de associação (disfarce para cartel) denominada Plural - e mais uma vez o MP silencia sobre o assunto; aliás, envolveu caminhoneiro, locaute de transportadoras e associação de revendedoras o MP opta pelo silêncio.]

Ou seja, tudo ficou como antes. O posto que tiver as cores da Raízen/Shell, Ipiranga ou BR Distribuidora fica impedido de comprar combustível em uma bandeira branca. Mesmo que o preço do litro seja mais baixo que o fixado pelas três gigantes do setor. Agindo assim, a ANP perde a oportunidade de livrar os empresários de postos das amarras impostas por essas empresas, que já duram uma década. Em 2008, a ANP sucumbiu ao lobby pesado do Sindicato Nacional das Empresas de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom). Na ocasião, o presidente da agência era Haroldo Borges Rodrigues Lima, nomeado pelo então presidente Lula.

Consumidor paga mais
Naquele ano, a ANP modificou uma resolução do Ministério de Minas e Energia que garantia aos postos escolher de qual distribuidora comprar combustível. Bastava apenas informar a origem na bomba. O resultado era imediato: ao comprar mais barato, a economia era repassada ao consumidor. Com a edição da nova regra, ficou vedada essa prática. Ou seja, o posto tinha de comprar combustível somente com a marca da distribuidora que estampava na fachada. Detentoras de 70% dos postos no País, a Raízen/Shell, Ipiranga ou BR Distribuidora passaram a ditar as regras – e os preços do litro dos combustíveis. O resultado foi imediato. Em dez anos, o faturamento dessas empresas saltou de R$ 78 bilhões (2007) para R$ 219 bilhões (2017).

Com a deflagração da greve, a ANP suspendeu a modificação na resolução do Ministério de Minas e Energia. Numa iniciativa de bom senso, a agência suspendeu essa vinculação entre postos e distribuidoras. A medida temporária suavizou as conseqüências do movimento grevista. Mas, como diz o ditado popular, o que é bom dura pouco: na terça-feira 5, a ANP cassou seu próprio ato, perdendo, assim, a oportunidade de fazer história.

Tudo como antes A agência controladora da política de preços dos combustíveis retrocedeu à norma anterior:
O mercado dos combustíveis distribuídos nos 40 mil postos brasileiros é dominado por três grandes empresas: Raizen/Shell, Ipiranga e BR Distribuidora, que detêm 70% do comércio de derivados de petróleo

Em 2008, diante de lobby das três companhias, a ANP, então dirigida por Haroldo Borges, determinou que os postos estavam impedidos de comprar combustíveis de uma distribuidora de bandeira branca, mesmo que os preços fossem mais baixos.
Em meio à greve dos caminhoneiros, que provocou grande crise de desabastecimento, a ANP suspendeu temporariamente, e em caráter excepcional, que os postos pudessem comprar das distribuidoras que melhor lhes atendessem, inclusive de bandeira branca, o que provocaria redução de preços

Mas foi apenas o abastecimento se regularizar, que a ANP voltou atrás e tornou a manter os efeitos nocivos do cartel
Ary Filgueira - IstoÉ

 

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Nem ordem, nem progresso

A greve/locaute no transporte rodoviário de cargas é um retrato acabado das mazelas passadas e presentes do Brasil, muito embora seu pretexto imediato tenha sido a alta do preço dos combustíveis resultante da política de repasse imediato pela Petrobras das variações do preço do petróleo e da taxa cambial.   Tudo começa no "governar é abrir estradas" de Washington Luís, quando o país optou pelo estímulo ao modal rodoviário de transporte, em detrimento de outros meios, em especial do ferroviário. O equívoco foi reforçado em administrações posteriores, notadamente a partir de JK, cujo governo patrocinou a construção de estradas e estimulou a fabricação de caminhões no Brasil.

A partir de então, o que se viu foi a decadência das ferrovias e a quase extinção do transporte fluvial e marítimo de cabotagem. No governo FHC, a mudança do marco regulatório e as concessões trouxeram alguma esperança de que as coisas poderiam mudar em favor da maior diversificação da nossa infraestrutura de transportes. Alguns avanços de fato ocorreram, mas insuficientes para mudar o quadro de dependência exagerada das rodovias na logística de cargas. Tudo isso, vale ressaltar, num quadro de persistente limitação na qualidade da malha rodoviária brasileira.  Como exemplo recente da dificuldade de fazer decolar os modais alternativos ao transporte rodoviário basta citar o fracasso do governo Temer de modernizar o quadro regulatório do transporte ferroviário e de realizar a concessão de um importante trecho da ferrovia Norte-Sul, pronto há algum tempo, mas sem nenhum uso.

Se o primeiro dos problemas vem da época de Washington Luís, o segundo origina-se do período varguista, com a criação da Petrobras. O monopólio de extração e refino de petróleo, que ali começou a se esboçar, consolidou-se nas décadas seguintes, tendo sido consagrado na Constituição de 1988. A revogação deste monopólio em reforma constitucional no governo FHC não trouxe, contudo, o seu término de fato no campo do refino. Com isso, a Petrobras continuou com o poder de fixar o preço doméstico dos derivados de petróleo, sob o olhar complacente do regulador (a ANP, Agência Nacional do Petróleo) e também do Cade. [a isto se soma venda pelo governo Lula do direito do conluio/cartel  de três empresas -
BR Distribuidora, a Raízen/Shell e a Ipiranga - impedir que  um posto com o slogan de uma das três distribuidores compre  combustível de uma distribuidora de bandeira branca - detalhes sobre o cartel, clique aqui.] 

O monopólio de fato da Petrobras [representada no cartel acima  -
oficialmente denominado Plural - pela BR Distribuidora] trouxe consigo a tentação da manipulação político-eleitoral dos preços domésticos dos derivados. Dilma Roussef usou e abusou deste expediente, a ponto de quase falir a monopolista Petrobras, o que seria um feito no campo dos negócios. A correção deste abuso, na administração atual da companhia, levou a uma política de repasse integral ao mercado doméstico das variações dos preços internacionais do petróleo, sem que essa política - correta sob o ponto de vista estrito da empresa - fosse checada pelos mecanismos típicos de mercados concorrenciais.  Já se tem aí um caldo de cultura dos mais explosivos. Dependência quase absoluta do transporte rodoviário associado ao monopólio estatal no refino do petróleo. [sem olvidar a cartelização na distribuição]  Mas isso só não bastou. Para piorar, há um terceiro fator, a péssima estrutura tributária que onera expressivamente o preço dos combustíveis no Brasil.

Hoje em dia, uma parcela relevante da arrecadação de ICMS no Brasil vem de apenas três setores: telecomunicações, energia elétrica e combustíveis. Essa tendência foi recentemente agravada com a crise fiscal dos Estados, que levou ao aumento dos impostos incidentes sobre esses três setores. Há também o ônus dos tributos federais, muitos deles incidindo em cascata. Tem-se, portanto, uma carga fiscal excessiva sobre três insumos essenciais cujos custos são naturalmente repassados ao consumidor final.  Aqui se tem um problema cuja gênese é a Constituição de 1988, excessivamente pródiga na criação de gastos e origem de uma vinculação excessiva dos impostos que impôs uma camisa de força orçamentária. O fracasso recente na tentativa de reformar a Previdência Social mostrou claramente os limites políticos para mudar a estrutura das finanças públicas do país. Os políticos brasileiros não têm incentivo algum para apoiar reformas que signifiquem perda de privilégios para certos grupos da sociedade. Preferem, ao contrário, continuar distribuindo "meias entradas" a torto e direito, principalmente com o intuito de auferir dividendos eleitorais.

Por último, mas não menos importante, contribuiu para a crise o equívoco do crédito fortemente subsidiado para aquisição de caminhões através do BNDES durante a gestão do PT. Tal prodigalidade gerou um excesso de oferta de fretes no mercado, reduzindo as margens de lucro e disseminando insatisfação no setor. Essa insatisfação já tinha vindo à superfície durante a gestão Dilma e foi tratada à época com medidas paliativas de duvidosa qualidade, como perdão de multas e isenções em pedágios de rodovias federais. A alta recente dos combustíveis apenas agravou o problema. O mais desalentador é que o enfrentamento da crise pelo governo Temer mostrou que o aprendizado tem sido nulo. Erros se repetem, o populismo se mantém, assim como o apelo a remendos que trazem distorções maiores ainda ao mercado. Pior de tudo, o governo parece ter sucumbido a uma chantagem que ninguém garante não possa se repetir serialmente.  


Abriu-se mão da ordem, sem nenhum progresso.

Gustavo Loyola - Valor Econômico  

domingo, 3 de junho de 2018

O cartel que joga contra o País

Por trás dos exorbitantes preços dos combustíveis há um conluio entre as três maiores distribuidoras, donas de 70% do mercado, que impede o alívio no bolso do consumidor. Agora, a Agência Nacional do Petróleo tem a oportunidade histórica de acabar com a farra

JOGO COMBINADO A BR Distribuidora, a Raízen/Shell e a Ipiranga pressionam para que a ANP retome resolução que os beneficiam (Crédito: Felipe Dana)
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A greve dos caminhoneiros mudou a rotina do brasileiro nas últimas semanas, que passou boa parte do dia em fila, com galão na mão à procura de algum posto para lhe vender uns míseros litros de gasolina. O governo, por sua vez, para convencer a categoria a retornar o trabalho, ofereceu descontos generosos na forma de tributação sobre o óleo diesel e, até mesmo, na isenção total de impostos que incidem sobre o produto. Mas as medidas para conter a alta do preço do combustível serão inócuas se não for atacado um problema que corre a céu aberto e à vista da fiscalização: o cartel composto pelas três grandes distribuidoras que dominam o mercado. São elas, a BR Distribuidora, a Raízen/Shell e a Ipiranga. Enquanto elas ditarem o valor cobrado pelo litro que irriga as bombas dos postos, tão cedo o consumidor não sentirá um alívio no bolso. A questão é como mudar essa lógica deletéria se a própria Agência Nacional do Petróleo (ANP), em determinados momentos, tem transigido com o conluio que deu carta branca para as três bandeiras operarem ao sabor de suas conveniências.

A pressão contra o livre mercado
Em 2008, um lobby pesado [propina pesada - no estilo da primeira corrupção da família Lula após assumir a presidência = investimento da ex-Telemar  na Gamecorps do fenomenal Lulinha, filho do presidiário Lula da Silva.] do Sindicato Nacional das Empresas de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom) junto ao então diretor da ANP, Haroldo Borges Rodrigues Lima, nomeado pelo ex-presidente Lula, hoje preso, fez uma modificação numa estratégica resolução do Ministério de Minas e Energia. Até então, ela garantia aos postos de gasolina escolher de qual distribuidora comprar combustível. Cabia a eles apenas informar na bomba o fornecedor do produto. Assim, poderiam comprar da distribuidora que oferecesse o menor preço, o que barateava o valor final para o consumidor. Com o cavalo de pau na regra, [cavalo de pau que teve um custo para as distribuidoras que formaram um cartel.]  ficou vedada a comercialização de combustíveis automotivos com revendedor varejista, que optou por exibir a marca comercial de outro distribuidor. Na prática, passou a funcionar assim: um posto com o slogan da BR Distribuidora, Raízen/Shell e Ipiranga ficou impedido de comprar combustível de uma distribuidora de bandeira branca. Somente da marca que estampa em sua fachada. Mesmo que o preço do litro dos fornecedores de bandeira branca seja bem mais barato. Com a medida, as grandes distribuidoras, detentoras de 70% de todo o combustível comercializado no País, conseguiram fidelizar 24 mil postos. Dessa forma, mais que dobraram seu faturamento em dez anos, saltando de R$ 78 bilhões em 2007 para R$ 219 bilhões no ano passado. Pior para você, consumidor.

Bom senso da ANP
Com a greve dos caminhoneiros, foi dado o primeiro passo para livrar os empresários do setor de postos das amarras impostas pelas três gigantes do setor de distribuição de diesel e gasolina. Numa iniciativa de raro bom senso, a ANP resolveu suspender em caráter excepcional, ou seja, temporário, a vinculação de marca para vendas de distribuidoras de combustíveis líquidos. O despacho foi assinado pelo diretor-geral substituto da agência, José Cesário Cecchi. Agora, a ANP tem em mãos a oportunidade histórica de corrigir um equívoco de uma década, ou seja, a partir da retomada e da normalização do abastecimento de combustível no País, tornar permanente uma medida que jamais deveria se constituir uma exceção. 

Em nota enviada à ISTOÉ, a agência se esforça para descaracterizar o “conluio”, o qual com veemência diz não existir, mas admite que os postos bandeirados de fato se comprometem em contrato a comprar combustíveis apenas da distribuidora a que se vincularem. A ANP admite ainda “estudar” a possibilidade de permitir, de maneira definitiva, que os postos de gasolina escolham de qual distribuidora comprar combustível. [o único risco que há se essa medida se tornar definitiva é que o diretor que a assinou - ironicamente, um interino - perca o emprego.] As três grandes distribuidoras do produto, a BR Distribuidora, Raízen/Shell e Ipiranga, agora reunidas na Associação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Lubrificantes, Logística e Conveniência (Plural), ameaçam reagir. Há até canelada muito abaixo da linha da cintura: representantes das empresas espalham que podem até processar diretores da ANP envolvidos na decisão de alterar a regra que os beneficiam. 

Jogo baixo, muito baixo. Que a Agência Nacional do Petróleo não repita 2008 ede novo – dobre os joelhos, em detrimento do consumidor. A sociedade está atenta.

 IstoÉ