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quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Finalmente abertura do mercado de petróleo e gás se completará - Carlos Alberto Sardenberg

 O Globo

Antes que acabe a era do petróleo

Os governos Lula e Dilma foram os que mais fizeram alarde com o petróleo e a Petrobras. E foram os que mais atrasaram e destruíram a Petrobras

Escrevi uma coluna algo ligeira sobre petróleo e privatizações em 26/12. David Zylbersztajn me fez o favor de lembrar os avanços da era FHC. Publiquei na última quinta. Aí, por e-mail, Décio Oddone, diretor da Agência Nacional de Petróleo, colocou tudo numa perspectiva mais completa. Seguem aqui trechos de suas observações:
“Vivemos foi um processo que foi evoluindo, mas, também, involuindo. Na exploração e produção, a descoberta do pré-sal no governo Lula levou às discussões sobre um novo regime, a criação da partilha e a interrupção dos leilões. O resultado é conhecido. Em 2014 quando o preço do petróleo caiu e surgiu a Lava-Jato, o setor entrou em crise profunda. A concentração das atividades na Petrobras impediu a venda dos campos maduros no Nordeste e na Bacia de Campos, o que levou a quedas de produção superiores a 40%. O atraso no desenvolvimento do pré-sal causou prejuízo trilionário.

Nos setores de abastecimento e de gás natural, apesar da constituição e da lei estabelecerem o regime de livre concorrência, mais de 20 anos se passaram sem que qualquer medida tivesse sido tomada para reduzir a presença da Petrobras. Ao contrário, o que se viu foi um esforço para aumentar a presença da estatal.

No governo FHC não foi possível avançar com a venda dos campos maduros e de refinarias. As tentativas morreram dentro da própria Petrobras. ... Os setores corporativistas prevaleceram e nada foi feito.

Por fim, fruto da crise, em 2016, a Petrobras ganhou autonomia e passou a operar de forma independente do governo. Isso mudou a dinâmica do setor. A existência de um ator dominante com liberdade para definir preços e portfólio de investimentos levou a mudanças na atuação dos órgãos de regulação e de formulação de política.

A ANP passou a agir com o objetivo de aumentar a transparência na divulgação e a concorrência na formação dos preços. E em 2018 tomou quatro iniciativas fundamentais para as transformações que estamos vendo agora. Acionou o CADE para que investigasse o monopólio de fato da Petrobras no refino. Deu prazo para a Petrobras definir o destino de 250 campos maduros, se ia investir ou vender. Solicitou que o CADE também avaliasse a concentração no mercado de gás natural. E abriu consultas públicas sobre medidas para a aumentar a concorrência no mercado de combustíveis.

Em 2019, o novo governo complementou essas iniciativas com medidas do Conselho Nacional de Política Energética. Aprovou resoluções sobre venda de refinarias, abertura no setor de gás e competição no mercado de combustíveis.

Pela primeira vez os órgãos reguladores (ANP e CADE) e de política energética (CNPE) atuaram de forma conjunta com o objetivo de criar um mercado de petróleo e gás aberto, dinâmico e competitivo no Brasil.

A Petrobras vem vendendo campos maduros (está em processo para desinvestir de mais de 180 deles e declarou que deve sair totalmente da exploração e produção em terra e águas rasas, o que abre espaço para que outras empresas possam investir) e assinou acordos com o CADE para vender refinarias e ativos de gás natural.

Finalmente o processo de abertura se completará e os objetivos estabelecidos nos anos 90 serão alcançados.

O governo FHC foi fundamental para que tudo isso ocorresse, mas não foi capaz de avançar nas questões dos campos maduros, do refino, do abastecimento e do gás. Reformar por etapas é natural em um país como o nosso. Eu escrevo para lembrar que não devemos esquecer o esforço dos governos Temer e Bolsonaro, e o papel essencial da ANP e do CADE, para que finalmente, depois de mais de 20 anos, e ainda em tempo de aproveitar as últimas décadas da era do petróleo, possamos ter uma indústria em substituição de um monopólio.”

Chamo a atenção do leitor para o trecho neste último parágrafo: “aproveitar as últimas décadas da era do petróleo”. Para registrar que os governos Lula e Dilma foram os que mais fizeram alarde com o petróleo e a Petrobras. E foram os que mais atrasaram e mais destruíram a Petrobras, com erros de gestão e corrupção, grossa corrupção.

Por fim, uma palavra de agradecimento aos que nos escreveram: com leitores assim, fica fácil.
 
Coluna publicada em O Globo
 
 
 
 
 

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Medida de Lula vira moeda de troca para Bolsonaro - Míriam Leitão

Coluna no GLOBO

O dia em que Lula ajudou Bolsonaro


Por ironia, a melhor notícia econômica que está sendo colhida neste primeiro ano do governo Bolsonaro foi plantada no governo Lula. Só há o excedente de petróleo para ser leiloado porque foi feita uma operação complexa que terminou elevando a participação do governo na Petrobras, e ao mesmo tempo a empresa ganhou o direito de explorar 5 bilhões de barris no pré-sal. A área era mais promissora do que o imaginado e esse óleo “excedente” será o superleilão do mês que vem.

O dinheiro que sairá dessa operação tem mil e uma utilidades. Entrará nos cofres do Tesouro este ano e no próximo. Está azeitando toda a relação com estados e municípios. É moeda de troca na construção do apoio aos projetos do governo, apesar de o presidente Bolsonaro passar a maior parte do tempo criando atritos com o Congresso e com os governos estaduais. Quando o diálogo azeda, o governo sempre acena com essa isca: a distribuição do dinheiro do leilão do excedente da cessão onerosa.

Não foi uma proposta visionária do governo Lula. Bem ao contrário. Ele suspendeu os leilões quando o petróleo estava em torno de US$ 100, e o Brasil era considerado o melhor local de investimento. Ficaram suspensos por cinco anos e o país perdeu tempo, dinheiro e investimentos. Isso afastou empresas e interrompeu o crescimento da indústria de óleo e gás. O ex-presidente da ANP David Zylbersztajn acha que o que for arrecadado agora com esse petróleo vai apenas atenuar o prejuízo. O erro começou na nona rodada de petróleo. Mais precisamente no dia 8 novembro de 2007.
O governo retirou 41 áreas do pré-sal do leilão. Foi por ideologia e não motivação econômica. Se as áreas tivessem saído, o pré-sal licitado já estaria produzindo há algum tempo, pelo menos cinco anos, gerando royalties, participação especial, encomendas para a indústria. O que hoje vai ajudar a reduzir o buraco nas contas teria melhorado muito a situação fiscal nos últimos anos — explica Zylbersztajn.

O governo na época achou que seria mais vantajoso mudar o modelo de concessão para partilha. Na concessão, ganha quem pagar mais pelo direito de explorar aquele campo, na partilha, ganha quem oferecer mais óleo para o governo. Na época se dizia que a vantagem é que o país continuaria dono do petróleo.
— As 41 áreas não foram a leilão e entrou-se numa discussão sobre o modelo que durou cinco anos. Isso paralisou o setor e quebrou uma cadeia de futuro. O barril na época estava a US$ 100 porque não havia acontecido a crise financeira de 2008, não havia sido descoberto o shale gas americano, o México não tinha mexido no seu modelo, o petróleo do Irã não estava no mercado. Havia muita liquidez e os investidores estavam dispostos a pagar muito mais — conta David.

Veio a crise, a economia global afundou e o Brasil ficou ainda discutindo como mudar o modelo de exploração do petróleo:
— A produção seria no mínimo 50% maior do que é hoje. Esse dinheiro ficou parado, não rendeu, o petróleo se desvalorizou, não gerou benefícios para a sociedade.
Para tentar corrigir essa paralisia do setor, três anos depois dessa suspensão da venda do petróleo do pré-sal, o governo Lula fez, em 2010, a operação de cessão onerosa. Por ela, o governo emitiu dívida no valor de R$ 75 bilhões, entregou parte ao BNDES para ele aumentar sua participação na estatal, outra parte entregou à própria Petrobras que, por sua vez, pagou pelo direito de explorar 5 bilhões de barris. Depois de oito anos começou a ser feito o encontro de contas. Em vez dos cinco bilhões de barris, tinha sido prospectado um volume que pode chegar a 17 bilhões de barris.

A negociação com a Petrobras sobre o acerto de contas começou no governo Temer, mas terminou este ano. Esse petróleo a mais é que está sendo licitado em 6 de novembro. O governo Bolsonaro colhe assim a parte boa. O leilão arrecadará R$ 106 bilhões. Esse valor é que foi negociado com estados, municípios, parlamentares. Ontem, o Senado aprovou a divisão do dinheiro entre a Petrobras, o Tesouro, os governos estaduais e os municípios. Foi a grande moeda de troca do governo Bolsonaro até o momento. E veio dessa complicada operação feita no governo Lula. Para David Zylbersztajn, “o Brasil perdeu a janela de oportunidade que nunca vai acontecer novamente”. O único que não pode reclamar é o governo Bolsonaro.

Blog da Míriam Leitão, publicado em O Globo - com Alvaro Gribel, São Paulo

quinta-feira, 18 de julho de 2019

O que mudou e falta mudar no gás - Míriam Leitão

 
O governo tem falado de várias iniciativas que tomará, mas ainda são intenções. A liberação de dinheiro do FGTS tem fôlego curto. A reforma tributária ainda não foi explicada. As privatizações não aconteceram. Mas a tentativa de mudar o mercado de gás teve algum avanço. O acordo do Cade com a Petrobras para acabar com o monopólio da empresa no setor foi um passo na direção correta. Há muitos obstáculos a superar para viabilizar o gás do pré-sal a preços competitivos. O maior deles será construir a infraestrutura de transporte, o que deve consumir bilhões de dólares em investimentos e alguns anos em obras.

Outro problema será lidar com as concessões estaduais de distribuição, que não poderão ser revistas de uma hora para outra e vão exigir muita negociação para evitar que o tema seja judicializado.  O ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP) David Zylbersztajn diz que o acordo entre o órgão de defesa da concorrência e a Petrobras aconteceu muito mais por iniciativa da empresa, que precisa vender ativos e se concentrar nas áreas mais lucrativas do negócio. Para se ter uma ideia, a taxa de retorno na exploração de petróleo pode chegar a 30%, enquanto no setor de gás gira em torno de 7% a 8%. Ele acha que o Cade demorou demais a agir contra o monopólio e lembra que o órgão só se manifestou oficialmente após a greve dos caminhoneiros. —É um movimento atrasado, mas antes tarde do que nunca. Hoje, para fazer gasoduto é muito mais difícil do que há 20 anos. Há um adensamento populacional que dificulta a passagem do duto. Há restrições ambientais maiores e custos mais elevados para aumentara rede, que é incipiente no Brasil. Vamos termais gás do que infraestrutura aqui —afirmou.

Segundo dados do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) o Brasil produz 112 milhões de m3 de gás natural e a expectativa é dobrar esse número nos próximos 10 anos. O investimento é alto: para levar o gás do pré sal até a costa terão que ser construídos mais três gasodutos a um custo de US$ 9 bilhões. Hoje, há apenas dois, e um terceiro está em fase final de obras. Além disso, será preciso mais três Unidades de Processamento de Gás Natural, que custariam US$ 3 bilhões, e a malha de transporte e distribuição em terra teria que ser ampliada fortemente. — A infraestrutura brasileira tem 9,4 mil km de gasodutos de transporte e 34,6 mil km de gasodutos de distribuição. Os Estados Unidos têm uma malha cerca de 100 vezes maior. A Argentina, com 1/3 do território brasileiro, tem 16 mil km de gasodutos de transporte, quase o dobro do Brasil — explica Adriano Pires, do CBIE.

Zylbersztajn diz que há três opções em estudo sobre a melhor opção de logística para o gás do pré-sal: — Esse gás pode chegar à costa por dutos, mas pode também ser transformado em energia elétrica no alto-mar, construindo uma térmica ao lado das plataformas e aí se levar a energia. Há ainda uma terceira possibilidade, que é construir uma usina de liquefação e trazer o gás de navio. Tem que ver o que é mais competitivo.

Seja como for, o gás tem aumentado a sua importância na matriz energética mundial, porque é fonte mais barata e pouco poluente. É o combustível de transição na busca de uma matriz com menos emissão. O Brasil terá que aproveitar as enormes reservas do pré-sal não só do ponto de vista econômico, mas também ambiental.

O gasoduto Brasil-Bolívia já não tem mais a importância que teve no passado. Hoje, representa 30% do gás que é consumido no país, mas isso poderá ser substituído pelo gás da costa brasileira. Zylbersztajn acha que é possível renegociar contratos para ter preços mais baratos dos bolivianos: —Estamos falando de um projeto que já tem 20 anos e que já foi bastante amortizado. Na época, fazia sentido, porque o Brasil tinha pouco gás. Hoje, temos o pré-sal e é viável tentar uma renegociação para reduzir os preços.

A negociação com as distribuidoras de gás ainda é incerta. Elas têm contratos de concessão de longo prazo que garantem o monopólio nos estados. A Petrobras é sócia em várias delas e terá que vender sua parte, pelo acordo com o Cade. Há muita a fazer. Mas o Brasil será empurrado para aproveitar o gás do pré-sal porque há um limite técnico do que pode ser reinjetado nos poços, como acontece hoje. E queimar o gás aumenta as emissões. Por tudo isso, os especialistas acham que o projeto irá adiante.
 
Coluna da Míriam Leitão, por Alvaro Gribel  - Publicada em O Globo
 
 

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Balanço revelador



O balanço divulgado pela Petrobras não tem valor legal, mas é revelador. Foi colocado lá um número enorme de R$ 88,6 bilhões, resultado de muita briga no conselho entre os que querem profissionalizar a empresa e os que a politizaram. Mostra o preço da interferência dos governos do PT na companhia. Além disso, enterra duas refinarias cuja decisão de fazer foi tomada no Planalto.  A empresa de auditoria tem participado ativamente de todo esse trabalho de levantamento dos valores que devem ser abatidos dos ativos da empresa e esteve durante a reunião de terça-feira. Não foi registrado o valor real a ser reduzido do ativo da companhia porque “esse número tem que ser lapidado”, como me disse uma das fontes com quem conversei e que estiveram na reunião. Por lapidado, entenda-se encontrar o número mais exato dentro das regras dos reguladores. E por isso serão consultadas agora a CVM e a SEC.

Vários precedentes foram quebrados nesse demonstrativo divulgado no meio da madrugada, segundo as fontes que ouvi. “Investimentos que estavam previstos no PACo foram cortados em 30%. Obras que eram consideradas vacas sagradas simplesmente foram interrompidas. Um empreendimento em Uberaba que estourou o orçamento foi encerrado, e isso que é normal em outras empresas não era na Petrobras”, afirmou uma das fontes.

O mercado, no entanto, teve uma reação ruim porque esperava ter um número exato de abatimento do valor contábil dos ativos sobre os quais há claros indícios de superfaturamento. Como resumiu o ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo David Zylbersztajn, o mercado está confuso por um bom motivo: — Não adianta saber do lucro se não se sabe afinal qual é o patrimônio da empresa. Hoje ninguém sabe o P/L (relação patrimônio e lucro da empresa) porque não se sabe o valor do P.

Um conselheiro, no entanto, disse o seguinte, para provar que houve avanço com o balanço divulgado, mesmo com todas estas dúvidas: — Colocamos o guizo no gato. Mostramos que o ajuste que terá que ser feito é grande. Ainda que esse valor tenha que ser lapidado tecnicamente. E isso é uma mudança de rumo.

Antes, o conselho de administração se reunia uma vez por mês. Desde dezembro foram várias reuniões. “Vivemos o clima de emergência”, disse um participante da reunião. As fontes da empresa que ouvi acham que esse demonstrativo, mesmo sem a chancela da PWC, a empresa de auditoria, é suficiente para cumprir as obrigações com os credores dos bônus que vencem agora no dia 30.

Muita gente no mercado duvida. Acha que o que o contrato estabelece é ter um balanço auditado por uma das grandes empresas internacionais do setor. Em tese, a empresa estaria inadimplente com os compradores dos seus bônus e, teoricamente, eles poderiam pedir o pagamento imediato da dívida. David Zylbersztajn acha que isso não vai acontecer: — Na prática, eles podem, mas ninguém quer matar seu devedor. Os credores sabem que os fundamentos da empresa são excelentes. A Petrobras tem dois ativos valiosos: reservas e gente qualificada.

A situação é delicada porque há muitos desdobramentos a se temer. Um deles é a multa da SEC por más práticas. Outro é o processo de credores e acionistas. Na madrugada de ontem a empresa admitiu, nessa demonstração contábil, que ainda não conseguiu ter o mais elementar em qualquer empresa de capital aberto desse porte: um balanço auditado. O que se ouve é que esse demonstrativo é o primeiro passo para ter em abril um balanço do ano auditado. Por enquanto, o que fica claro é que o saque à Petrobras é a mais nociva herança dos governos do PT.

Fonte: Coluna da Miriam Leitão – O Globo