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segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Armas não matam

“Armas não matam, pessoas matam”.

Relação entre armas e mortes violentas é comprovada, mas debate só se repete 

De repente, um homem comum sem antecedentes criminais relevantes dispara contra uma multidão de inocentes — no caso mais recente, Stephen Paddock atirou do quarto de um hotel em Las Vegas contra o público que assistia a um show de música country, matando 58 pessoas e ferindo mais de 500. Mais uma vez, descobre-se posteriormente um arsenal de propriedade do atirador: os investigadores identificaram 47 armas de fogo em nome de Paddock, compradas legalmente, sem que isso levantasse suspeitas sobre suas intenções, já que colecionar armas é permitido nos EUA.

Mais uma vez, o massacre leva a discussões acaloradas sobre o controle de armas. Mais uma vez, projetos de lei serão apresentados para que se torne mais rigoroso. Mais uma vez, os defensores da Segunda Emenda acusarão os liberais de tentar desarmar a população, desprotegida, e usarão frases de efeito como: “Armas não matam, pessoas matam”. Soa como um mantra macabro. E o passado nos informa que, mais uma vez, o debate deve esmorecer em alguns dias — até o próximo massacre.

O que deixou os investigadores intrigados sobre o caso em Las Vegas não foi o crime em si, um sinal de como a violência por armas de fogo se tornou comum nos EUA, mas o fato de não terem ainda sido encontradas pistas que justificassem o crime — como se isso fosse possível. Os pesquisadores buscam evidências de distúrbios mentais no passado do atirador — o pai de Paddock, “diagnosticado como sociopata”, segundo o “NYT”, era conhecido do FBI — muito embora, estatisticamente, portadores de doenças mentais tenham maior probabilidade de serem vítimas de crimes do que criminosos.


“Por quê?”, buscam os investigadores, embora grande parte dos inquéritos de assassinatos em massa no passado nunca tenham encontrado resposta. Naqueles em que foi possível encontrar resposta, as motivações identificadas são tão diversas que não permitem estabelecer um denominador comum entre os casos. Um paralelo existente entre casos semelhantes ao ocorrido em Las Vegas é o acesso fácil a armas. Os americanos são 4,4% da população mundial, mas concentram 42% das armas de fogo legalmente nas mãos de civis (excluído armamento militar). Lideram também o índice de mortes por armas de fogo entre os países desenvolvidos, segundo a ONU e a Small Arms Survey, iniciativa com base em Genebra que rastreia armas em diferentes países — sete vezes o da Suécia, dez vezes o de Holanda e França, e ainda maior do que o da Alemanha ou Espanha.

É uma taxa de homicídios por armas de fogo pequena, se comparada aos países não desenvolvidos — 2,5 por 100 mil habitantes, segundo a Small Arms Survey — e um dos argumentos frequentemente usados pelos que defendem o porte de armas é o fato de o Brasil, que teria menos armas em circulação do que os EUA, ter taxa muito maior de violência por armas de fogo: 20,7 mortes por 100 mil habitantes.

A afirmação de que o Brasil tem menos armas em circulação do que os EUA, no entanto, é difícil de ser feita, exceto por armas legais. A maioria das armas nas mãos de civis no Brasil, no entanto, ao contrário dos EUA, é ilegal. E é praticamente impossível saber quantas são, certamente mais do que as pesquisas podem identificar.  Além disso, o índice nacional de violência por armas de fogo nos EUA não reflete a realidade de cidades como Chicago, que no ano passado teve 27,8 homicídios com arma de fogo por 100 mil habitantes, segundo o Crime Lab, da Universidade de Chicago.

Outro argumento dos defensores das armas é que elas servem para proteger os cidadãos. Evidências mostram o contrário. O estado de Wyoming tem o maior número de casas (60%) com armas de fogo e o maior índice de homicídios (18 por 100 mil habitantes), enquanto em Nova Jersey, que tem o menor número de domicílios com armas (10%), o índice é de 5 mortes por 100 mil habitantes, segundo dados dos estados compilados pela revista “Mother Jones”.

Diferentes estudos nos últimos 50 anos apontaram consistentemente a relação entre número de armas e de mortes violentas. Pesquisa do Centro de Justiça Criminal, publicada em 2016 no Justice Policy Journal, mostra que em 1.997 municípios americanos espalhados por todas as regiões dos EUA onde aumentou o número de domicílios com armas houve no mesmo período aumento no número de crimes violentos — especialmente homicídios, mas também estupro e roubo.

[“Armas não matam, pessoas matam”]

 


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