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domingo, 14 de junho de 2020

A desastrada canetada militar do capitão - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo 

Pandemia ensina que sociedade não funciona direito com milhões de excluídos

Como colocou um general no Ministério da Saúde, presidente deveria escolher um médico para aconselhá-lo em assuntos militares

Tendo colocado um general no Ministério da Saúde, Jair Bolsonaro deveria escolher um médico para aconselhá-lo em assuntos militares. Fazendo isso, evitaria lambanças como a que produziu assinando um decreto que permitia ao Exército operar com aeronaves de asa fixa. Assinou o decreto no dia 2 e revogou-o uma semana depois. No escurinho de Brasília e na confusão da pandemia, passava-se uma boiada que criaria a aviação do Exército.

A incorporação de aeronaves às forças de terra e de mar é uma velha encrenca doutrinária. Caxias usou balões fixos na Guerra do Paraguai, antes do voo do primeiro avião. O Exército teve uma aviação, e seu patrono é o tenente Ricardo Kirk , que em 1915 morreu ao cair em Caçador (SC), combatendo os revoltosos do Contestado.

A Força Aérea não gosta da ideia de aviões com a Marinha ou com o Exército. Em 1964  o marechal Castelo Branco teve que descascar o abacaxi da aviação embarcada que tripularia o navio aeródromo Minas Gerais. Nessa crise, um capitão da FAB metralhou o rotor de um helicóptero da Marinha que pousou na base gaúcha de Tramandaí. Esse foi o único incidente em que os desentendimentos militares ocorridos durante a ditadura tiveram tiros. Em todos os outros as questões foram resolvidas por telefone. O presidente Castelo Branco viu no episódio “um deplorável estado de espírito” de “vários elementos da Marinha e da FAB”. Em poucos meses caíram dois ministros da Aeronáutica e um ministro da Marinha.

Finada a ditadura, durante o comando do general Leônidas Pires Gonçalves, sem quaisquer atritos, o Exército organizou uma força de helicópteros que vai muito bem, obrigado. Iam assim as coisas até que alguém teve a ideia do decreto que daria aviões à tropa terrestre. Como era previsível, a FAB incomodou-se e certamente a Marinha também não gostou. Se uma iniciativa desse tamanho tivesse sido tomada com algum debate público, cada lado teria bons argumentos. Depois da canetada, o melhor caminho foi pegar a Bic para revogá-la.

Bolsonaro fala em “minhas Forças Armadas”. Elas não são suas, mas o capitão precisa saber o que fazer com elas. Vá lá que batalhe pela cloroquina, que ouvisse seu ministro da Educassão e tentasse passar a boiada das nomeações de reitores. A ideia de equipar a aviação do Exército é velha. Tratar essa questão com uma canetada foi um despropósito, tanto assim que nunca havia sido tentado. Se Bolsonaro tivesse consultado um médico antes de assinar o decreto, certamente teria sido dissuadido.

Estupidez e sabedoria
Está em curso um momento de cretinismo das massas inebriadas pela paixão política. Nos Estados Unidos. decapitaram uma estátua de Cristóvão Colombo. Na Inglaterra, jogaram num rio o bronze de um comerciante de escravos do século XIX. Estupidez nada tem a ver com manifestação política, é apenas estupidez.  Racistas vandalizaram estátuas de Martin Luther King e, em 1871, a Comuna de Paris derrubou a coluna da Praça Vendôme que celebrava a vitória de Napoleão na batalha de Austerlitz. (Felizmente ela foi reconstruída).

Dói ver a polícia protegendo a magnífica estátua de Winston Churchill em Londres e em Praga, em cujos pedestais picharam que ele era racista. Era, mas ajudou salvar a civilização ocidental quando parecia que o nazifascismo dominaria o mundo. O traficante de escravos não deveria ser homenageado e sua estátua não deveria ter sido jogada no rio. Não era preciso. Os russos ensinaram ao mundo como lidar com esse problema. Depois do colapso da União Soviética, as estátuas dos dirigentes comunistas foram retiradas de seus pedestais e colocadas num parque. (Um dos bons negócios do início do século foi comprar a preço de banana quadros de alguns pintores do realismo socialista soviético.)

Na Cidade do México, há uma estátua do rei espanhol Carlos IV e, no seu pedestal, uma placa informa que ela está ali pelo seu valor artístico. Fizeram melhor os brasileiros. Dona Maria I, rainha de Portugal, mandou enforcar o alferes Joaquim José da Silva Xavier. Seu neto homenageou o pai (D. Pedro I) com uma linda estátua equestre na praça da Constituição. Veio a República e a Casa dos Bragança foi desterrada, mas a estátua de D. Pedro ficou lá, na praça à qual foi dado um novo nome, o de Tiradentes.

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Os Invisíveis

A última reunião do Ministério podia ser transmitida para casas de família. Nela, o ministro Paulo Guedes revelou que a pandemia ensinou muitas coisas ao governo e disse o seguinte: “Aprendemos durante toda essa crise que havia 38 milhões de brasileiros invisíveis e que também merecem ser incluídos no mercado de trabalho.”

Ninguém aprendeu que existiam milhões de brasileiros sem proteção. Todo mundo sabia disso, inclusive Paulo Guedes. O que a epidemia poderá ensinar é que esse tipo de sociedade não funciona direito. A nova moda é fingir que esse problema foi revelado pela pandemia. Passada a crise sanitária, vai-se fingir que ele também se foi. Quando isso acontecer, o capitão poderá repetir: “E daí?”

PT assustado
O PT começa a acordar para um pesadelo: terminada a eleição municipal, estará fora do segundo turno no Rio e em São Paulo.

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MATÉRIA COMPLETA Folha de S. Paulo  - O Globo - Coluna Elio Gaspari