Folha de S. Paulo - O Globo
Pandemia ensina que sociedade não funciona direito com milhões de excluídos
Como colocou um general no Ministério da Saúde, presidente deveria escolher um médico para aconselhá-lo em assuntos militares
Tendo colocado um general no Ministério da Saúde, Jair Bolsonaro deveria
escolher um médico para aconselhá-lo em assuntos militares. Fazendo
isso, evitaria lambanças como a que produziu assinando um decreto que
permitia ao Exército operar com aeronaves de asa fixa. Assinou o decreto
no dia 2 e revogou-o uma semana depois. No escurinho de Brasília e na
confusão da pandemia, passava-se uma boiada que criaria a aviação do
Exército.
A incorporação de aeronaves às forças de terra e de mar é uma velha
encrenca doutrinária. Caxias usou balões fixos na Guerra do Paraguai,
antes do voo do primeiro avião. O Exército teve uma aviação, e seu
patrono é o tenente Ricardo Kirk , que em 1915 morreu ao cair em Caçador
(SC), combatendo os revoltosos do Contestado.
A Força Aérea não gosta da ideia de aviões com a Marinha ou com o
Exército. Em 1964 o marechal Castelo Branco teve que descascar o
abacaxi da aviação embarcada que tripularia o navio aeródromo Minas
Gerais. Nessa crise, um capitão da FAB metralhou o rotor de um
helicóptero da Marinha que pousou na base gaúcha de Tramandaí. Esse foi o
único incidente em que os desentendimentos militares ocorridos durante a
ditadura tiveram tiros. Em todos os outros as questões foram resolvidas
por telefone. O presidente Castelo Branco viu no episódio “um
deplorável estado de espírito” de “vários elementos da Marinha e da
FAB”. Em poucos meses caíram dois ministros da Aeronáutica e um ministro
da Marinha.
Finada a ditadura, durante o comando do general Leônidas Pires
Gonçalves, sem quaisquer atritos, o Exército organizou uma força de
helicópteros que vai muito bem, obrigado. Iam assim as coisas até que
alguém teve a ideia do decreto que daria aviões à tropa terrestre. Como
era previsível, a FAB incomodou-se e certamente a Marinha também não
gostou. Se uma iniciativa desse tamanho tivesse sido tomada com algum
debate público, cada lado teria bons argumentos. Depois da canetada, o
melhor caminho foi pegar a Bic para revogá-la.
Bolsonaro fala em “minhas Forças Armadas”. Elas não são suas, mas o
capitão precisa saber o que fazer com elas. Vá lá que batalhe pela
cloroquina, que ouvisse seu ministro da Educassão e tentasse passar a
boiada das nomeações de reitores. A ideia de equipar a aviação do
Exército é velha. Tratar essa questão com uma canetada foi um
despropósito, tanto assim que nunca havia sido tentado. Se Bolsonaro tivesse consultado um médico antes de assinar o decreto, certamente teria sido dissuadido.
Estupidez e sabedoria
Está em curso um momento de cretinismo das massas inebriadas pela paixão
política. Nos Estados Unidos. decapitaram uma estátua de Cristóvão
Colombo. Na Inglaterra, jogaram num rio o bronze de um comerciante de
escravos do século XIX. Estupidez nada tem a ver com manifestação
política, é apenas estupidez. Racistas vandalizaram estátuas de Martin Luther King e, em 1871, a
Comuna de Paris derrubou a coluna da Praça Vendôme que celebrava a
vitória de Napoleão na batalha de Austerlitz. (Felizmente ela foi
reconstruída).
Dói ver a polícia protegendo a magnífica estátua de Winston Churchill em
Londres e em Praga, em cujos pedestais picharam que ele era racista.
Era, mas ajudou salvar a civilização ocidental quando parecia que o
nazifascismo dominaria o mundo. O traficante de escravos não deveria ser homenageado e sua estátua não
deveria ter sido jogada no rio. Não era preciso. Os russos ensinaram ao
mundo como lidar com esse problema. Depois do colapso da União
Soviética, as estátuas dos dirigentes comunistas foram retiradas de seus
pedestais e colocadas num parque. (Um dos bons negócios do início do
século foi comprar a preço de banana quadros de alguns pintores do
realismo socialista soviético.)
Na Cidade do México, há uma estátua do rei espanhol Carlos IV e, no seu
pedestal, uma placa informa que ela está ali pelo seu valor artístico. Fizeram melhor os brasileiros. Dona Maria I, rainha de Portugal, mandou
enforcar o alferes Joaquim José da Silva Xavier. Seu neto homenageou o
pai (D. Pedro I) com uma linda estátua equestre na praça da
Constituição. Veio a República e a Casa dos Bragança foi desterrada, mas
a estátua de D. Pedro ficou lá, na praça à qual foi dado um novo nome, o
de Tiradentes.
(.......)
Os Invisíveis
A última reunião do Ministério podia ser transmitida para casas de
família. Nela, o ministro Paulo Guedes revelou que a pandemia ensinou
muitas coisas ao governo e disse o seguinte: “Aprendemos durante toda essa crise que havia 38 milhões de brasileiros
invisíveis e que também merecem ser incluídos no mercado de trabalho.”
Ninguém aprendeu que existiam milhões de brasileiros sem proteção. Todo
mundo sabia disso, inclusive Paulo Guedes. O que a epidemia poderá
ensinar é que esse tipo de sociedade não funciona direito. A nova moda é fingir que esse problema foi revelado pela pandemia.
Passada a crise sanitária, vai-se fingir que ele também se foi. Quando
isso acontecer, o capitão poderá repetir: “E daí?”
PT assustado
O PT começa a acordar para um pesadelo: terminada a eleição municipal, estará fora do segundo turno no Rio e em São Paulo.
(.....)
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