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quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Não se atropela impunemente a Lei Natural - Percival Puggina

         Em certo momento de meu artigo anterior – “A liberdade pede socorro” – olhos postos na realidade brasileira, eu afirmei o seguinte:

“Por isso, devemos querer a liberdade sob uma ordem inspirada na Lei Natural, como condição indispensável para sua sobrevivência.  Uma ordem que nos permita ir e vir sem temor, ordem que nos permita expressar nossa opinião sem cerceamento e com responsabilidade, ordem que nos proporcione segurança jurídica.”

Sobre o tema, escreveram-me dois leitores contestando e desqualificando a Lei Natural como inspiradora do bom Direito. Na opinião deles não existe essa tal lei. Como já tratei da questão anteriormente e percebendo ser conveniente retomar o assunto, escrevi a ambos sobre o erro descomunal que o mundo pós-moderno comete ao considerar tal ideia ultrapassada e intolerável. Retomo, aqui, o fio dessa meada.

Uma sociedade pode afrontar a Lei Natural, tratá-la como papel picado imaginando que com isso a reduz ao silêncio, mas não é ela a vítima dos maus tratos. É o ser humano quem pagará a conta do estrago. Quando uma sociedade refuga a Lei Natural, ela afaga e faz requebros ao relativismo moral, primogênito da pós-modernidade, cadeira de balanço das consciências sem rumo nem prumo e cerca derrubada aos avanços do Estado sobre os indivíduos e a sociedade.

Por isso, pergunto: será sensato afirmar que nada, absolutamente nada, se deduza do ser em relação ao seu dever ser? 
Será que os bons pais e mães que me leem concordarão com isso ao contemplarem sua amorosa função pedagógica para com os filhos? 
No entanto, esse mal ataca e prospera, conduzido pela letargia das consciências que, em vez de ajustarem suas ações ao naturalmente bom e justo, buscam dar forma à lei segundo seus atos.
 
Se não existir um Direito cuja essência se possa buscar na natureza do ser humano, tudo será segundo o que estiver legislado, sem que haja qualquer sentido em nos interrogarmos a respeito de seus fundamentos morais. É por isso que temos ouvido falar tanto em "empoderamento", neologismo parido na maternidade do relativismo moral, infectada pelos vícios que corroem a vida social. 
Empoderamento é aquisição de força para impor a lei. 
Ele está no cerne do debate político brasileiro e dos reiterados assaltos ao Estado.

É ele que explica, também, a ação de grupos que tentam tomar a laicidade do Estado pelo seu avesso, fazendo com que ela deixe de ser uma proteção dos cidadãos e suas crenças para criar uma devoção ao Estado. Enquanto isso, convertem a laicidade em escudo protetor do Estado contra as opiniões das pessoas.  

Também é parte do cenário a pretensão com que alguns tentam fazer do Estado um "educador moral", coisa que ele não é, não deve ser, nem tem condições de vir a ser. Ao menos no que depender do meu consentimento.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (-), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
 

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Ministro Martins, vice-presidente do STJ, ministra aula sobre o BOM DIREITO à ministra-presidente do STF

A lição do ministro Martins

De todas as decisões sobre o caso Cristiane Brasil, a única que reafirma a segurança do direito é a de Humberto Martins, do STJ

[Lula acaba de obter toda a projeção que deseja - foi proferido o segundo voto no TRF-4, também contra Lula = 2 x 0 contra Lula.]

Ao cassar a liminar concedida pelo vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, que autorizava a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) a assumir o Ministério do Trabalho, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, alegou que ele teria tomado uma “decisão precária”. Também afirmou que o ministro não teria divulgado seu despacho na íntegra. E deu a ele o prazo de 15 dias para se justificar.


[após a brilhante aula do ministro Humberto Martins, nossa  concordância com o Reinaldo Azevedo sobre o notório saber jurídico da ministra Cármen Lúcia não ser tão notório, só aumenta. VEJA AQUI.]
 
Originariamente, a deputada Cristiane Brasil foi impedida de assumir a pasta do Trabalho por uma decisão do juiz da 4.ª Vara Federal de Niterói, acolhendo uma ação popular. Ao julgar em segunda instância o recurso impetrado pela Advocacia-Geral da União (AGU), o presidente em exercício do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2) o rejeitou. A AGU só teve sucesso quando bateu às portas do STJ, mas o êxito durou pouco por causa da decisão de Cármen Lúcia.

O ministro Humberto Martins prontamente refutou os argumentos da presidente do STF. No ofício que enviou a ela, o vice-presidente do STJ informa que, ao contrário do que disse Cármen Lúcia, ele não só divulgou a íntegra de seu despacho na internet, logo após assiná-lo, como também autorizou a Coordenadoria da Corte Especial do STJ que “funciona de modo contínuo” – a distribuí-lo a quem quisesse.

Mais importante ainda foram suas informações sobre os critérios que o levaram a autorizar a deputada Cristiane Brasil a assumir a pasta do Trabalho. Ao cassar a liminar por ele concedida, a presidente do STF afirmou que, embora o inciso I do artigo 84 da Constituição classifique a nomeação e exoneração de ministros de Estado como sendo de competência privativa do presidente da República, esse dispositivo tem sua interpretação condicionada pelo artigo 37, segundo o qual a administração pública direta é obrigada a respeitar, entre outros, o princípio da moralidade. Assim, como a parlamentar fluminense já foi condenada judicialmente a pagar dívidas trabalhistas, o presidente Michel Temer não poderia tê-la indicado para o Ministério do Trabalho, afirmou Cármen Lúcia, repetindo o que havia sido dito pelo juiz de Niterói e pelo presidente em exercício do TRF-2.

O ministro Humberto Martins refutou esses argumentos. Segundo ele, por ser vago e indeterminado, o princípio constitucional da moralidade depende de leis infraconstitucionais para ser aplicado. São essas leis que “estabelecem parâmetros através dos quais se torna possível avaliar nos casos concretos a boa-fé do agente público e sua lealdade para com o funcionamento das instituições”. E, além dessa legislação infraconstitucional ser clara, disse ele, o próprio STF já firmou jurisprudência nesse sentido. Portanto, uma vez que o princípio da moralidade não é autoaplicável, nem o juiz de Niterói, nem o desembargador do TRF-2 e muito menos a presidente do STF poderiam ter suspendido a nomeação da deputada petebista para a pasta do Trabalho, já que não levaram em conta a legislação infraconstitucional. “A moralidade administrativa consiste numa específica modalidade de ética, cuja construção requer necessariamente a análise do quadro normativo existente”, quadro esse que permite ao presidente da República dar posse à pessoa indicada para o Ministério do Trabalho – concluiu o vice-presidente do STJ. De todas essas decisões divergentes entre diferentes instâncias judiciais, a única que reafirma a segurança do direito é, justamente, a dele. Além de açodadas, as demais pecam pela falta de fundamento legal.

Como terá de substituir pelo menos 14 ministros de Estado, que deixarão o cargo até abril para disputar as eleições, o presidente Michel Temer temia que as liminares concedidas contra a posse de Cristiane Brasil abrissem um perigoso precedente, comprometendo futuras nomeações. Os argumentos do ministro Humberto Martins, que serão apreciados pelo plenário do STF quando julgar o recurso da AGU contra a liminar suspensa por Cármen Lúcia, evitam um cenário de incerteza não só jurídica, mas, principalmente, institucional.


Editorial - O Estado de S. Paulo