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segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Brasileiros céticos e com medo



Se o cidadão não confia na capacidade do Estado para assegurar a integridade daquilo que lhe é mais caro, nada mais natural que as despreze

A mais recente pesquisa Percepções da Crise, realizada pela Fundação Getúlio Vargas, mostra uma profunda degradação dos sentimentos dos brasileiros em relação ao País.  Segundo o levantamento, com dados referentes a 2017, nada menos que 68% dos entrevistados manifestaram receio de sair de casa à noite. Quando sete em cada dez pessoas não se sentem seguras nem para dar uma volta no quarteirão depois que anoitece, fica evidente que o Estado não está dando as respostas adequadas a essa demanda tão primária dos cidadãos, base de qualquer contrato social digno do nome. Explica também por que a questão da segurança pública está entre as mais candentes destas eleições.

Outro aspecto abordado pela pesquisa que ajuda a compreender o comportamento dos brasileiros na atual corrida presidencial é a atuação dos líderes políticos do País. A desaprovação desses dirigentes é a mais alta da série histórica — em 2017 atingiu 86%, ante 25% em 2010. Além disso, 82% dos entrevistados disseram não confiar no governo, e apenas 14% declararam acreditar na honestidade das eleições.  Esses números, que não causam surpresa diante da avalanche de escândalos de corrupção nos últimos anos, se traduzem numa ampla renovação do Congresso e no protagonismo, nas disputas estaduais e pela Presidência, de candidatos que se apresentaram como “antissistema”.

O estudo sugere que o desencanto com a política e a aflição em relação à segurança se tornaram mais acentuados quando ficou claro que o avanço social dos últimos anos não era duradouro, pois fora baseado em políticas que ignoraram a degradação da situação fiscal do País — quando não colaboraram diretamente para agravá-la. “Tudo se passa como se a melhoria social observada não fosse acompanhada de mudanças econômicas à altura, que oferecessem sustentação a longo prazo”, diz o texto. Resultado: prometeu-se um paraíso de fartura e harmonia enquanto se gestava, por meio da corrupção e da inépcia administrativa, um Estado incapaz de prover serviços básicos na amplitude alardeada.

O caso da segurança pública é particularmente dramático. Com os homicídios superando os 60 mil por ano, a uma taxa de 30 mortes para cada 100 mil habitantes 30 vezes mais alta que a da Europa —, não admira que a sensação seja de que se vive uma guerra civil no Brasil. Junto com isso, ganha força a presunção de que há leniência por parte das autoridades na atuação das polícias e da Justiça no combate à criminalidade, acrescida da percepção de que os bandidos estão sob proteção  da lei, dos direitos e dos movimentos sociais —, enquanto o cidadão comum se sente abandonado pelo Estado quando precisa se proteger dos criminosos.

Numa sociedade democrática, a segurança — entendida como proteção à vida e à propriedade — não é uma escolha, mas um dever. Se o cidadão não confia na capacidade do Estado para assegurar a integridade daquilo que lhe é mais caro, nada mais natural que despreze tanto as autoridades desse Estado como o sistema de organização política que as colocou no poder. No limite, é a própria democracia que sai desprestigiada.

A consequência é o aprofundamento da perda de credibilidade da classe política para se apresentar aos cidadãos como capaz de oferecer soluções sensatas para os graves problemas da sociedade. Ganham terreno os líderes boquirrotos que prometem acabar com a criminalidade na base da truculência, com um discurso que, no limite, questiona a própria ideia de democracia e de Estado de Direito.  Antes de fazer juízos desabonadores tanto sobre esses líderes como sobre seus simpatizantes, seria mais produtivo para o País refletir sobre como se chegou a esse estado de coisas, a começar pela dilapidação do Estado pelas corporações. Assim, se estão realmente preocupadas com o futuro, as lideranças que verdadeiramente prezam a democracia devem fomentar um compromisso nacional para, em primeiro lugar, sanear as finanças do Estado — condição indispensável para que as demandas sociais mínimas sejam atendidas e, consequentemente, os brasileiros comecem a recuperar a fé no pacto democrático.