Se o cidadão não confia na capacidade do Estado para assegurar a integridade daquilo que lhe é mais caro, nada mais natural que as despreze
A mais
recente pesquisa Percepções da Crise, realizada pela Fundação
Getúlio Vargas, mostra uma profunda degradação dos sentimentos dos brasileiros
em relação ao País. Segundo o
levantamento, com dados referentes a 2017, nada menos que 68% dos entrevistados
manifestaram receio de sair de casa à noite. Quando sete em cada dez pessoas
não se sentem seguras nem para dar uma volta no quarteirão depois que anoitece,
fica evidente que o Estado não está dando as respostas adequadas a essa demanda
tão primária dos cidadãos, base de qualquer contrato social digno do nome.
Explica também por que a questão da segurança pública está entre as mais
candentes destas eleições.
Outro
aspecto abordado pela pesquisa que ajuda a compreender o comportamento dos
brasileiros na atual corrida presidencial é a atuação dos líderes políticos do
País. A desaprovação desses dirigentes é a mais alta da série histórica — em
2017 atingiu 86%, ante 25% em 2010. Além disso, 82% dos entrevistados disseram
não confiar no governo, e apenas 14% declararam acreditar na honestidade das
eleições. Esses
números, que não causam surpresa diante da avalanche de escândalos de corrupção
nos últimos anos, se traduzem numa ampla renovação do Congresso e no
protagonismo, nas disputas estaduais e pela Presidência, de candidatos que se
apresentaram como “antissistema”.
O estudo
sugere que o desencanto com a política e a aflição em relação à segurança se
tornaram mais acentuados quando ficou claro que o avanço social dos últimos
anos não era duradouro, pois fora baseado em políticas que ignoraram a
degradação da situação fiscal do País — quando não colaboraram diretamente para
agravá-la. “Tudo se passa como se a melhoria social observada não fosse acompanhada
de mudanças econômicas à altura, que oferecessem sustentação a longo prazo”,
diz o texto. Resultado: prometeu-se um paraíso de fartura e harmonia enquanto
se gestava, por meio da corrupção e da inépcia administrativa, um Estado
incapaz de prover serviços básicos na amplitude alardeada.
O caso da
segurança pública é particularmente dramático. Com os homicídios superando os
60 mil por ano, a uma taxa de 30 mortes para cada 100 mil habitantes — 30 vezes
mais alta que a da Europa —, não admira que a sensação seja de que se vive uma
guerra civil no Brasil. Junto com isso, ganha força a presunção de que há
leniência por parte das autoridades na atuação das polícias e da Justiça no
combate à criminalidade, acrescida da percepção de que os bandidos estão sob proteção —
da lei, dos direitos e dos movimentos sociais —, enquanto o cidadão comum se
sente abandonado pelo Estado quando precisa se proteger dos criminosos.
Numa
sociedade democrática, a segurança — entendida como proteção à vida e à
propriedade — não é uma escolha, mas um dever. Se o cidadão não confia na
capacidade do Estado para assegurar a integridade daquilo que lhe é mais caro,
nada mais natural que despreze tanto as autoridades desse Estado como o sistema
de organização política que as colocou no poder. No limite, é a própria
democracia que sai desprestigiada.
A
consequência é o aprofundamento da perda de credibilidade da classe política
para se apresentar aos cidadãos como capaz de oferecer soluções sensatas para
os graves problemas da sociedade. Ganham terreno os líderes boquirrotos que
prometem acabar com a criminalidade na base da truculência, com um discurso
que, no limite, questiona a própria ideia de democracia e de Estado de Direito. Antes de
fazer juízos desabonadores tanto sobre esses líderes como sobre seus
simpatizantes, seria mais produtivo para o País refletir sobre como se chegou a
esse estado de coisas, a começar pela dilapidação do Estado pelas corporações.
Assim, se estão realmente preocupadas com o futuro, as lideranças que verdadeiramente
prezam a democracia devem fomentar um compromisso nacional para, em primeiro
lugar, sanear as finanças do Estado — condição indispensável para que as
demandas sociais mínimas sejam atendidas e, consequentemente, os brasileiros
comecem a recuperar a fé no pacto democrático.
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