Num
instante em que o governo de Jair Bolsonaro se esforça para caracterizar a ação
do Brasil na fronteira com a Venezuela como uma iniciativa "exclusivamente
humanitária", o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, adotou
nas redes sociais uma pregação de timbre intervencionista e belicoso.
"…Achar que o problema da Venezuela é só dos venezuelanos é não enxergar
um palmo adiante", escreveu ele no Twitter, no início da madrugada deste sábado
(23).
No mesmo
post, o deputado convidou seus seguidores a assistirem a um vídeo que divulgou
em agosto de 2017. O miolo da peça exibe encontro com o oposicionista
venezuelano Roderick Navarro, apresentado como coordenador do Movimento Rumo à
Liberdade. Durante a conversa, o filho do presidente da República diz:
"…Acho que o [Nicolás] Maduro só sai à base do tiro, da bala. Eu não
acredito que ele vá sair pacificamente." O vídeo está no YouTube. A frase
em que o gatilho é apresentado como solução para a Venezuela soa na altura de 1
minuto e 45 segundos.
Horas antes
de Eduardo Bolsonaro plugar-se no Twitter, o vice-presidente Hamilton Mourão
esteve com Jair Bolsonaro no palácio residencial do Alvorada. Foi afinar o
discurso que adotará nesta segunda-feira (25), como representante do Brasil na
reunião do Grupo de Lima, que ocorrerá em Bogotá, capital colombiana. Ficou
acertado que Mourão tomará distância de eventuais propostas intervencionistas.
O Brasil já reconheceu a presidência autoproclamada de Juan Guaidó. Mas
sustenta que cabe aos venezuelanos produzir uma solução que retire o autocrata
Nicolás Maduro do poder. Mourão chegou a defendeu publicamente a busca de uma
"saída honrosa" para Maduro. Nada a ver com "tiro" ou
"bala". Quanto à ajuda humanitária aos venezuelanos, o Planalto
deliberou que levará alimentos e remédios apenas até a fronteira. Caberá ao opositor
Juan Guaidó e sua turma atravessar a mercadoria para dentro da Venezuela,
furando o bloqueio imposto por Maduro. A posição a ser esgrimida por Mourão no
encontro do Grupo de Lima é especialmente relevante porque o vice-presidente
dos Estados Unidos, Mike Pence, estará presente. Em privado, Mourão diz
acreditar que o pendor intervencionista da administração de Donald Trump não
passa, por ora, do campo da retórica. Se estiver errado, está respaldado para
dizer que o Brasil não cogita apoiar ou participar de nenhum tipo de
intervenção na Venezuela.
Tomado pelas palavras, Eduardo Bolsonaro parece estar mais próximo da
Casa Branca do que do Planalto. "O sistema cubano é um parasita que suga
outros países", escreveu o filho do presidente no Twitter. "Não
podemos permitir que a Venezuela se torne uma nova Cuba, trazendo problemas
para a região como a fome e a ação livre de grupos terroristas/narcos." Nas
últimas horas, foi alta a produtividade de Eduardo Bolsonaro no Twitter. Antes
de alvejar Nicolás Maduro, o "Zero Três", como é chamado pelo pai,
disparou contra o Ministério da Defesa. Criticou o teor de um ofício divulgado
pela pasta com orientações para a comunidade que o Exército chama de CAC
—iniciais de caçadores, atiradores e colecionadores de armas. O texto alerta
que as armas registradas para a prática dessas atividades não podem ser
utilizadas para defesa pessoal.
Não há no
ofício nenhuma novidade. O veto à utilização de armas de colecionadores e de
praticantes de caça e tiro está previsto na lei. Entretanto, como o Exército é
responsável pelos registros, a pasta da Defesa achou conveniente esclarecer que
nada mudou desde a edição do decreto presidencial que flexibilizou a posse de
armas no Brasil. Se quiserem manter em casa armas para a defesa pessoal, os
membros da tribo CAC terão de adquirir armas próprias para esse fim.
Eduardo
Bolsonaro abespinhou-se. Num post em que anotou o endereço virtual do Exército,
o deputado ralhou: "CAC não pode ser tratado como bandido". Para ele,
o ofício do Ministério da Defesa deixa seus destinatários diante de um dilema:
"Se bandido cruzar caminho do atirador ele: 1) Reage, atira e sobrevive…
2) Segue a portaria e não reage. É assassinado, pois bandido quando vê arma
executa."
O filho
do presidente não ignora que o ministério escorou seu ofício na letra da lei.
Mas deu de ombros: "Se o problema for a lei, deixa que a gente tenta
alterar, mas vocês não precisam botar em suas portarias normativas que acabam
por piorar a vida do atirador. O princípio norteador tem que ser o de
dificultar a vida do bandido, não a do CAC."