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sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Chororô de vencidos desrespeita o eleitor

Ulysses Guimarães também foi humilhado em 1989. Mas nem por isso insultou de cego, nazista ou insensato quem ele próprio chamou de "sr. cidadão"


Embora ainda não tenha sido decidida em vários Estados e na principal disputa, pela Presidência da República, a eleição de 2018 já desmascarou muitas farsas e desmanchou vários mitos de pés de barro, que terminaram sucumbindo a novos parâmetros, até então desconhecidos.  O título e a linha fina da coluna do colega Celso Ming na Economia & Negócios do Estado de sábado, 13, são de uma abrangência e de uma síntese notáveis  A grande indignação: alcance da comunicação instantânea mudou tudo. Os chefões das organizações partidárias não contavam com a volta dada pelo povo à sua imposição de regras adotadas para garantir a reeleição e a consequente impunidade.

O ano eleitoral começou com uma onda de “não reeleja ninguém”, mas ela foi invertida com a perspectiva de um duelo final entre grandes e tradicionais coalizões partidárias, que manejaram os instrumentos de sempre: a obrigação da filiação partidária antecipada dos candidatos, a distribuição continuísta do tempo na propaganda das legendas nos meios de comunicação de massa e, sobretudo, o financiamento público das campanhas. Neste caso, a proibição de doações de pessoas jurídicas deteve a marcha sem freios dos gastos e, em consequência, da corrupção no financiamento de palanques, contaminados pelo despudor da propina negociada com fornecedores de obras e serviços públicos. Mas o cinismo dos “donos do poder” (apud Raymundo Faoro) não conhece limites e chegou ao ponto de obrigar o cidadão a bancar os gastos de grupos políticos que, na exata (e humilde) definição do senador José Agripino Maia (DEM-RN), derrotado nas urnas, “não os representam mais”.

A renovação das bancadas da Câmara e do Senado (52%) ainda não permite pôr fim às relações promíscuas entre Legislativo e Executivo. Mas sendo a maior dos últimos 20 anos e representando um “quem avisa amigo é” por parte da opinião pública, permite, no mínimo, reduzir a condição de mercado de barganha explícita entre governo e Congresso.
Com oito segundos, quase a metade dos 15 no horário eleitoral no rádio e na TV usados pelo dr. Enéas em 1989, afastado da campanha, hospitalizado após ter sido esfaqueado em 6 de setembro, em Juiz de Fora (MG), e, portanto, também faltando aos debates, Jair Bolsonaro chegou a 49 milhões 387 mil e 416 votos em 7 de outubro, ou seja, 46,05%, a menos de quatro pontos de atingir a maioria absoluta. Seu adversário no segundo turno, Lula/Fernando Haddad, do PT, chegou a 31 milhões 361 mil e 213, ou seja, 29,24%. Na onda de saco cheio com o PT, não de direita “radical”, foram eleitos 52 deputados do PSL, que na atual legislatura conta com um membro só, como a nota do “sambinha” de Tom Jobim.

O candidato do PSL comunicou à Justiça Eleitoral ter desembolsado R$ 1,2 milhão na eleição: R$ 0,03 por voto. Seu adversário petista investiu R$ 12.019.711,45, o equivalente a R$ 0,38. O valor, porém, sobe para R$ 0,99 ─ 33 vezes mais do que o do adversário, se adicionados os R$ 19.118.635,26 gastos pela campanha do ex-presidente Lula, cuja candidatura foi impugnada pela Justiça Eleitoral. São despesas muito menores do que os R$ 600 milhões (atuais R$ 741 milhões) que teriam sido usados para a vitória de Dilma Rousseff e Michel Temer em 2014, de acordo com delação premiada do coordenador da campanha da ex-presidente petista em 2010, Antônio Palocci. Ou seja, a dobradinha PT-PMDB gastou 740 vezes mais do que a chapa Bolsonaro-Mourão e 37 vezes mais do que Lula-Haddad agora, se for levada em conta a desvalorização do real nos últimos quatro anos (23,62%).

Por uma questão de coerência, o presidente a tomar posse em 2019 terá a obrigação moral de conseguir a aprovação no Congresso da extinção do Fundo Partidário e de medidas que impeçam a derrama de recursos públicos que tornam proibitivos os custos de eleição e estimulam a corrupção.  Os valores citados justificam a “pré-racionalidade” do povo, que meu saudoso amigo Mauro Guimarães enxergava nos resultados eleitorais de antanho. E que hoje explica, só para dar um exemplo à mão, a derrota de Dilma Rousseff numa eleição para dois senadores em seu Estado natal, Minas Gerais, e os 2 milhões de votos para a Assembleia paulista de Janaína Paschoal, autora do processo do impeachment dela.

Antes de decidir, definitivamente, quem ocupará o cargo mais poderoso da República, daqui a dois domingos, num processo democrático e, até prova em contrário, limpo, o sofrido cidadão brasileiro, vítima dos recentes desgovernos, deixou nas urnas lições que não podem ser omitidas. As férias forçadas de Romero Jucá, Lindbergh Farias, Roberto Requião, Beto Richa, Darcísio Perondi, Lúcio Vieira Lima e outros próceres punidos na urna são exemplares.

Mas esse não é o único motivo pelo qual manifesto em tinta sobre papel profunda repugnância pelas manifestações de desprezo que a maioria espetacular da cidadania tem sofrido por ter resolvido afastar do poder chefões partidários que abusaram da “regra três” cantada por Vinicius e Toquinho. No chororô desesperado da humilhação pelo voto, esses profissionais da política falam em “marcha da insensatez” e em “bloco de sensatez” para detê-la, na tentativa de desqualificar como neofascista a opção contrária à manutenção das velhas práticas da gastança e da leniência com a corrupção.

Ciro Gomes, do PDT de Brizola, pretensa terceira via, foi terceiro lugar, com 12,47% dos votos. Geraldo Alckmin, cujo partido, o PSDB, ocupou por 24 anos o governo do maior Estado do Brasil, obteve 4,76%. Marina Silva, 1% (!), menos do que João Amoêdo (2,51%), Cabo Daciolo (1,26%) e Henrique Meirelles (1,20%). Nada disso é desonroso: o dr. Ulysses Guimarães também foi humilhado assim. Mas nem por isso insultou de cego, nazista ou insensato quem ele próprio chamou de “sr. cidadão”. Perder dói, mas em dois anos tem outra.




José Nêumanne (publicado no Estadão)


domingo, 12 de março de 2017

A cobrança dos netos

Se essa reforma ficar apenas no cosmético e nas gambiarras, a atual geração corre o risco de ser acusada de egoísmo; a definição de um limite de idade é tecnicamente imprescindível.  A reforma da Previdência Social é inevitável e inexorável, mas será incompleta.  Além disso, enfrenta grave potencial de conflito entre gerações e algumas grandes contradições. O que deixar de ser feito agora será dolorosamente cobrado no futuro, porque a conta será descarregada sobre os que vêm vindo aí.

 Infográficos/Estadão

Se essa reforma ficar apenas no cosmético e nas gambiarras, a atual geração corre o risco de ser acusada de egoísmo, de excessivamente acomodada e de falta de compromisso com filhos e netos. Quanto maior for o rombo futuro da Previdência, tanto maior será o tamanho da conta a ser descarregada sobre os que estiverem começando. A definição de um limite de idade é tecnicamente imprescindível. Mas enfrenta uma contradição. Quanto mais tempo tiver de esticar sua vida ativa para fazer jus ao benefício da aposentadoria, tanto mais o trabalhador manterá fechada sua vaga para os que vêm depois. Em outras palavras, o aumento do limite de idade tende, por esse lado, a contribuir para o desemprego entre os mais jovens.

Essa conclusão não pode ser absolutizada porque, entre os problemas permanentes do mercado de trabalho em quase todos os setores, está a baixa oferta de emprego para os cinquentões. Esse é fator que tira importância à contradição anterior, mas leva a outra. Se não encontrar emprego depois dos 50 anos e tiver de esperar até os 65 anos para se aposentar, o trabalhador terá dificuldade em honrar sua contribuição para a Previdência e, nessas condições, não ajudará a cobrir o déficit. Há quem argumente que essa faixa etária tende a migrar para o trabalho autônomo, especialmente para o setor de serviços. É o caso do metalúrgico que vira motorista do Uber ou o da funcionária de indústria têxtil que passa a vender cosméticos de porta em porta.

O problema aí é que, mesmo que esses autônomos garantam o pagamento da própria contribuição mensal para o INSS, ficará faltando a parte da empresa na cobertura do rombo. Não é apenas o envelhecimento da população e outros determinismos demográficos (veja o gráfico) que vêm sabotando o esquema convencional de financiamento da Previdência. A radical metamorfose do emprego também contribui para isso. Toda atividade econômica enfrenta hoje revolução tecnológica altamente poupadora de mão de obra.



A inteligência artificial, a internet das coisas, a tecnologia da informação e toda a parafernália digital vieram para ficar e por onde ficam fecham empregos. São os bancos que transformam celulares e iPads em agências bancárias; são as vendas do comércio pela internet que dispensam instalação de lojas e contratação de vendedores; é a nova arrumação da produção e a automação industrial que levam as empresas a operar com uma fração do contingente de funcionários com que operavam antes.

Ou seja, embora inevitável para conter a trajetória em direção à insolvência, a reforma da Previdência que vem aí será necessariamente insatisfatória. No dia seguinte à sua aprovação pelo Congresso, será necessário começar a pensar nas etapas seguintes, de maneira a não deixar as novas gerações na rua da amargura.


Fonte: Celso MIng - O Estado de S. Paulo 
Transcrito do Blog do Murilo